Em causa estão crimes e infrações praticados até 19 de junho por jovens entre 16 e 30 anos, a adotar devido à realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), determinando um perdão de um ano para todas as penas até oito anos de prisão. Está ainda previsto um regime de amnistia para as contraordenações com coima máxima aplicável até 1.000 euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou 120 dias de pena de multa.
As reservas sobre a constitucionalidade da questão etária surgiram logo na nota de admissibilidade da proposta de lei. "A diferenciação entre as pessoas penalmente imputáveis (...) em função da idade, à data da prática de um facto ilícito, ainda que o tipo de ilícito cometido tenha sido o mesmo, poderá justificar a ponderação da conformidade desta norma com o princípio constitucional da igualdade", lê-se no documento do parlamento.
Vários constitucionalistas já expressaram dúvidas sobre a viabilidade do diploma. O Conselho Superior da Magistratura, a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) foram também chamados a pronunciar-se, mas apenas o parecer desta última entidade foi já divulgado, tendo apontado que a única justificação do Governo para incluir jovens entre 16 e 30 anos se deve ao facto de a JMJ abarcar jovens até essa idade.
"Não contém outro fundamento que legitime a sua aplicação e abrangência a uma concreta faixa etária da população, podendo consubstanciar uma fraturante divisão social e eventual discriminação em razão da idade", notou o CSMP, continuando: "Cria uma efetiva diferenciação entre as pessoas penalmente imputáveis em função da idade à data da prática de um facto ilícito típico, ainda que o tipo de ilícito cometido tenha sido o mesmo, pelo que deverá merecer uma aturada e aprofundada reflexão".
A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso já tinha alertado anteriormente que o diploma tinha "normas que estabelecem distinções que não respeitam os limites constitucionais da igualdade", assumindo a divergência face a uma proposta que não inclua todos os reclusos.
Os crimes abrangidos suscitaram igualmente críticas, sobretudo alguma criminalidade associada ao tráfico de droga, como realçou a deputada do PSD Emília Cerqueira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. "É só o grande tráfico que está excluído. Todo o restante tráfico, desde o incitamento ao consumo até ao menor tráfico, continuam incluídos neste perdão de penas", disse.
Porém, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, enfatizou que "o tráfico [de droga] está excluído", mas reservou a palavra final para o parlamento: "É uma lei da Assembleia da República, naturalmente ficará na disponibilidade do parlamento fazer os acertos que muito bem entenda. O Governo tem toda a abertura para discutir esta questão".
A proposta de lei compreende exceções ao perdão e amnistia, não beneficiando, nomeadamente, quem tiver praticado crimes de homicídio, infanticídio, violência doméstica, maus-tratos, ofensa à integridade de física grave, mutilação genital feminina, ofensa à integridade física qualificada, casamento forçado, sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, extorsão, discriminação e incitamento ao ódio e à violência, tráfico de influência, branqueamento ou corrupção.
Questionado sobre o tema no dia 26 de junho, o Presidente da República reservou uma posição para mais tarde. "Eu vou esperar pela posição do Parlamento. Como sabem, tem de ser uma lei da Assembleia da República. É habitual em situações como esta, de visita papal, haver amnistias, que têm variado muito. E, portanto, eu quero ver os contornos finais da lei para depois me pronunciar", declarou Marcelo Rebelo de Sousa.
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