"Ambiente de medo". Despedimento ilícito de médica põe assédio na agenda

No Hospital de Viana do Castelo, 44 profissionais de saúde da unidade de Cuidados Intensivos apresentaram queixa contra o diretor do serviço por assédio laboral. "Assédio reiterado, ambiente horrível, de chantagem, de medo", destaca a presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Joana Bordalo e Sá, ao Notícias ao Minuto.

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Daniela Carrilho
18/07/2023 10:20 ‧ 18/07/2023 por Daniela Carrilho

País

FNAM

O Tribunal do Trabalho condenou o Hospital de Viana do Castelo pelo despedimento ilícito de uma médica, sem fundamentos legais e (apenas) com base na vontade do diretor do serviço. Na classe médica, esta é uma decisão quase inédita, da qual a presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) se congratula, por considerar que "é inqualificável haver este tipo de práticas". Joana Bordalo e Sá garante intenção de ir "até ao fim".

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, a sindicalista confirmou o caso de "assédio moral no trabalho".

"Esta médica foi efetivamente despedida. E a sentença ficou conhecida agora a meio de junho, onde ficou claro que foi um despedimento ilícito. Ela é despedida no período experimental, mas em boa verdade não havia lugar a período experimental porque ela já trabalhava naquela unidade há cinco meses", começa por dizer Joana Bordalo e Sá, destacando que várias testemunhas referem que "as suas qualidades clínicas são colocadas em causa quando é do conhecimento de todos que é uma médica muito competente".

"A única coisa que aconteceu é que questionou atitudes impróprias do diretor e, como tal, foi despedida", garantiu, assumindo que "a sentença é muito clara".

"É mesmo uma situação de assédio moral, não há dúvidas sobre isso. A sentença foi que a médica seja reintegrada no seu local de trabalho", declarou.

Em causa está o comportamento de assédio laboral de um diretor "da medicina crítica, que acumula também com a direção do serviço de cuidados intensivos".

Joana Bordalo e Sá revelou ainda que esta é uma situação que está "enquadrada num processo muito maior".

"São 44 os profissionais de saúde envolvidos no caso do Hospital de Viana do Castelo - entre enfermeiros e médicos. Membros do Sindicato Médicos do Norte, é um dos sindicatos da FNAM, tiveram uma reunião com o conselho de administração no dia 29 de março, onde foi exposta esta situação de assédio reiterado, num ambiente horrível, de chantagem, de medo", destaca ainda.

Este profissional faz os colegas que estão sob a sua alçada viver num "ambiente tenebroso, de chantagem, de ameaças, de ligar fora de horas e até procurar médicos em outros locais fora do trabalho". Uma situação que acontece "com a conivência daquele Conselho de Administração" e a qual já foi reportada formalmente ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro.

A FNAM pediu "a suspensão imediata do diretor" em março e, entretanto, a administração hospitalar acabou por abrir um inquérito interno aos 44 profissionais que apresentaram queixa.

"Só que, desde março, ainda só ouviram 10", denuncia a presidente da FNAM, ressaltando que é necessária a "intervenção direta" de Pizarro.

"Aquilo é tudo feito com a conivência daquele Conselho de Administração, que já devia sido alterado desde 2019. Eles terminaram o mandato em 2019 e já deveria de ter sido nomeado um novo conselho de administração e resolver esta situação de assédio porque não se pode continuar a ignorar que há 44 profissionais de saúde envolvidos e, em última análise, a responsabilidade é do Ministério", afirma.

Em comunicado, a FNAM assume que espera que "esta sentença não seja apenas um caso isolado e faça o seu caminho, nomeadamente a nível governamental", por considerar que "é lamentável e inadmissível que uma chefia que pratica assédio laboral, agora comprovado em tribunal, se mantenha em funções com a conivência do CA, que habitualmente também tem uma atitude autoritária para com os profissionais de saúde".

A médica oncologista assume que "assédio sempre existiu" e que "as coisas estão piores depois da pandemia", motivo pelo qual a FNAM criou um "guia do assédio moral" para ajudar a informar melhor os profissionais de saúde. "Às vezes as pessoas estão a ser vítimas de assédio e nem se apercebem, mas nos últimos meses têm crescido as queixas", afirma.

O jornal Diário de Notícias (DN), que deu a conhecer o caso, acrescenta que, no seu depoimento, o diretor de serviço, José Caldeiro, "tentou passar ao tribunal uma versão diametralmente oposta àquela que foi apresentada pela autora", tendo assumido que o despedimento se deveu à personalidade da médica e não a critérios técnicos.

A condenação da unidade hospitalar de Viana do Castelo pode ser o ponto de partida para denúncias futuras de profissionais de saúde que vivam em clima de terror pelos seus superiores.

"Isto não é só mau para os médicos, é mau para o Sistema Nacional de Saúde (SNS), é inqualificável haver este tipo de práticas  - em qualquer situação e em qualquer profissão - mas estamos a lidar com cuidados de saúde que, em última análise, quem fica penalizado são os doentes", considera.

Na sua edição de hoje, o DN avança que a Ordem dos Médicos vai enviar a sentença para o Conselho Disciplinar do Norte para que seja avaliada e já pediu celeridade no inquérito à administração.

Leia Também: Greve dos médicos na JMJ? "Estamos empenhados em que tudo corra bem"

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