Em declarações à Lusa, o presidente do Sindicato Nacional dos Juízes de Paz, João Chumbinho, disse que o problema, já apresentado aos grupos parlamentares e à Provedora de Justiça, representa uma violação dos princípios constitucionais, uma vez que a Constituição define os julgados de paz como tribunais e coloca outra questão subsequente: a da dignidade destes juízes e da diferença salarial em comparação com os colegas da magistratura judicial.
"Quem exerce esta profissão tem que ser tratado com dignidade para assumir a responsabilidade e exercer o poder que tem que exercer, não estar sujeito a qualquer tipo de constrangimento. Tem a ver com a questão da independência. É uma questão gravíssima, já transmitimos a quem tínhamos que transmitir, falámos com órgãos de soberania, houve grande recetividade, até porque entra pelos olhos dentro a questão da discriminação. Estamos à espera que a questão se resolva", disse João Chumbinho.
Segundo o juiz de paz do julgado de Lisboa, um juiz de paz entra em funções a auferir cerca de 2.200/2.300 euros "e dali não sai", independentemente do tempo de carreira, sendo que um juiz estagiário da magistratura judicial entra num tribunal a ganhar, "com subsídios, 2.500 euros ou mais" e vai progredindo.
"Quando fazemos uma comparação com os magistrados judiciais, constatamos que um juiz de paz ganha menos do que um juiz estagiário nos tribunais judiciais e um juiz de paz com 21 anos de exercício ganha cerca de metade daquilo que ganha um magistrado judicial com os mesmos 21 anos", apontou.
"É uma coisa impensável, é uma discriminação enorme. É importante resolver este problema e pagar mais aos juízes", criticou ainda.
O sindicato pede que seja criado um estatuto específico, à semelhança do que têm os juízes, ou tentar uma solução de equiparação e acredita que a questão pode ser "resolvida rapidamente", sem necessidade de protestos ou manifestações.
"Temos muita esperança que não teremos que tomar qualquer tipo de iniciativas, porque a discriminação é tão evidente que parece que não teremos que chegar a outras formas de manifestação", disse.
A rede de 25 julgados de paz no país, que o Governo pretende aumentar, funciona, segundo números do sindicato, com 120 funcionários, entre os quais 30 juízes de paz, que em alguns pontos do país acumulam mais do que um julgado.
Ainda assim, para João Chumbinho o que se destaca é o lado positivo dos números: desde que foram criados, em 2002, os julgados de paz já receberam mais de 140 mil processos, dos quais 90% foram concluídos e, sublinhou o dirigente sindical, com grande satisfação dos envolvidos, uma vez que a solução costuma ser encontrada por acordo das partes, algo que contribui para que a taxa de recurso das decisões seja muito residual, de cerca de 0,5%.
Recentemente o jornal Público noticiou um aumento da morosidade na resolução dos processos nos julgados de paz, com decisões a demorar mais de um ano, uma realidade que João Chumbinho diz ter que ser analisada também em comparação com o que se passa nos tribunais judiciais e sem esquecer as consequências ainda bastante presentes da pandemia de covid-19.
"Não se pode vir falar da questão da morosidade se não se tem em conta a questão dos meios", disse João Chumbinho.
Há desde logo um problema de citações devolvidas, sendo esta uma das principais causas para o atraso nos processos, mas também a falta de recursos humanos, com funcionários e técnicos superiores que são cedidos pelas autarquias parceiras dos julgados de paz e não dos organismos em si.
João Chumbinho disse que em casos como o julgado de Lisboa, "a produtividade é altíssima", porque com seis funcionários e dois juízes de paz, resolve "uma média de 100 a 150 processos por mês", com um prazo de conclusão médio inferior a 30 dias.
A pendência acumulada, devido a atrasos decorrentes da pandemia, deverá ficar resolvida no espaço de um ano, estima o dirigente sindical.
Os julgados de paz são organismos criados para resolução de conflitos fora dos tribunais, onde se procuram soluções por acordo das partes, é possível o recurso a mediação e a representação por um advogado não é obrigatória. Podem ser resolvidos diferendos de condomínio, questões de responsabilidade civil, de arrendamento - à exceção de despejos -, entre outros, sendo aceites processos até um valor máximo de 15 mil euros. Os custos para quem recorre aos julgados de paz são, no máximo, uma taxa de 70 euros.
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