Dezanove gamos de um parque florestal da ilha das Flores, nos Açores, foram abatidos na semana passada, durante um programa de "correção de densidade" do Governo Regional.
Muito acarinhados devido às semelhanças que têm com as personagens do filme de animação 'Bambi', o abate de gamos na ilha das Flores tem gerado consternação junto da população e a celeuma ganhou expressão nas redes sociais.
Alguns garantem que "todos os anos são abatidos" alguns destes animais, outros defendem que estes deviam ser "livres" e não estar em reservas. Já outros oferecem-se para ficar com os gamos em excesso. Há ainda quem fale em "hipocrisia" e realce que não passam de "animais de caça". A verdade é que são centenas os comentários sobre o assunto no Facebook e são já vários os partidos a pedirem explicações ao Executivo açoriano.
"Enorme crueldade" e "retorno civilizacional"
É o caso do Bloco de Esquerda (BE) que considera o abate de uma "enorme crueldade" e enviou um requerimento ao Governo Regional a exigir explicações sobre este processo.
Para os deputados bloquistas, António Lima e Alexandra Manes "este desfecho teria sido evitado com medidas preventivas, como o controlo populacional por separação dos animais por sexo ou através da esterilização dos animais".
Como realçam os deputados, "esta situação é incoerente com o objetivo de os Açores serem um exemplo de vanguarda do bem-estar animal", por isso, é necessário perceber "se o abate dos gamos foi autorizado pelo Governo, qual a origem dos animais, quantos foram abatidos e qual o motivo para o seu abate".
Questões estas que o PCP também quer ver esclarecidas, tal como realçou o partido ao Notícias ao Minuto.
"A Comissão da Ilha das Flores do PCP condena veementemente o abate de gamos, pertença da Região, perpetrado na Ilha das Flores e apoia a população na manifestação do seu inequívoco desagrado com a solução encontrada pelo Governo Regional dos Açores de abater os referidos gamos sem levar em conta outras soluções em tempo devidamente equacionadas", sublinhou o PCP, acrescentando que "exige respostas cabais" e apuramento de todas as responsabilidades" por aquilo que consideram "um desrespeito absoluto pelo caminho que tem vindo a ser percorrido em defesa dos direitos dos animais e do próprio bem-estar animal".
"Esta situação mais não é que um retorno civilizacional", atiram ainda os responsáveis da ilha pelo partido.
Animais estiveram num "corredor da morte"? "É mentira"
Ao Notícias ao Minuto, uma testemunha revelou que os animais já chegaram mortos ao matadouro. Foram abatidos numa balança da Associação Agrícola Florentina, "deixando odores no local que faz os outros animais que são lá pesados entrem em stress". Isto depois de terem ficado vários dias numa espécie de "corredor da morte". E que um foi mesmo morto a tiro, após tentar fugir.
Algo que o diretor regional dos Recursos Florestais, Filipe Torres Tavares, nega em declarações ao Notícias ao Minuto
"Isso é mentira! Não houve tiros envolvidos. O matadouro da ilha das Flores não tem infraestruturas para o abate destes animais. Como é uma espécie pecuária mas com pouca incidência a nível de produção de carne, não existem no matadouro das Flores condições para ter animais daquele género. São animais muito ágeis e que conseguem escapar rapidamente às vedações. Foi preciso reter os animais em locais que permitissem abater os animais como quem abate uma vaca. Foi feito do mesmo modo como se abate todos os dias na região bovinos", garante, acrescentando que os gamos "ficaram uns dias retidos num parque de bovinos - que se tem condições para bovinos, também tem para gamos".
De acordo com o responsável, apesar de o abate ter sido feito nas instalações da Associação Agrícola Florentina, "foi um programa definido pelo Governo Regional, uma ação planeada há algum tempo. Não foi feita de ânimo leve. Os técnicos do matadouro estiveram envolvidos, o serviço de veterinária também esteve envolvido. Foi uma interação das várias entidades regionais responsáveis pelos abates na região".
Embora não refira anteriores abates, Filipe Torres Tavares sublinha que o Executivo açoriano tem sempre a atenção de dar um "destino nobre à carne" e que, desta vez, esta será doada, na quarta-feira, "a instituições da ilha, dos dois concelhos".
Problema de excesso de gamos herdado de "anteriores governos"
Confrontado com a possibilidade de terem optado por outro tipo de controlo populacional, como a esterilização de animais ou separação de machos e fêmeas, o diretor regional afirma que esta é uma pergunta que deve ser colocada aos governos anteriores.
"Isso é uma pergunta que deve fazer aos governos anteriores. Estou no cargo há cerca de dois anos e meio e essa é uma questão que já vem de há imenso tempo e para fazer esse tipo de controlo de densidade são precisas condições no local para fazê-lo", atira, esclarecendo que até ao ano passado não havia dois expositores na ilha das Flores.
"Na reserva da Boca da Baleia [concelho das Lajes], até 2022 não havia expositor. Não foi possível separar os machos das fêmeas a tempo", realça.
"Os animais que se reproduzem estão felizes"
Já sobre a transferência de animais da ilha da Terceira para as Flores, em 2021, Filipe Torres Tavares explica que esta foi feita porque "havia um problema grande de consanguinidade [de gamos] na ilha das Flores. Não havia nascimentos e havia uma reivindicação de criar novos nascimentos e então houve uma transferência de animais da ilha Terceira para as Flores, foram 20 e poucos animais, em 2021. Nenhum foi para as Flores da ilha da Terceira para serem abatidos", diz, admitindo, contudo, que pode ter sido neste ponto que o maior erro ocorreu.
"Houve um crescimento muito rápido porque o segundo expositor não ficou feito até 2022. E aí é que podemos ter falhado porque não estávamos a contar que a população crescesse tão rapidamente. Desde 2021, passou-se de quatro animais para 39 animais. É bom sinal, é sinal que as condições que nós temos são boas, os animais sentem-se confortáveis para se reproduzirem, os animais que se reproduzem estão felizes", afiança.
Planeamento de natalidade
Questionado sobre as medidas tomadas para evitar novos abates, o responsável explica que, para já, os animais foram separados.
"Os machos adultos estão na reserva da Boca da Baleia [nas Lajes]. As fêmeas estão com as crias na Reserva Luís Paulo Camacho [Santa Cruz]. Aqui ainda existem machos, mas que estão com as suas mães, não estão em idade de reprodução. Mais tarde, quando estiverem em idade de reprodução ou são separados para a outra reserva ou serão esterilizados, vamos decidir mais tarde, internamente, agora sim é possível fazer um planeamento da natalidade", garante.
O Notícias ao Minuto entrou em contacto com o PAN e com o PS Açores mas até ao momento não obteve qualquer resposta.
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