A vitória das 'avós pelo clima' e uma "grande fenda" no muro da inércia
Apenas um de três processos contra países por inação climática hoje julgados no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos alcançou uma vitória, mas o dia foi descrito como histórico por todos os ativistas.
© Frederick Florin / via Getty Images
País Clima
Pela primeira vez um processo que envolvia Portugal estava na Grande Câmara do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo (França), por causa de seis jovens portugueses, André, Catarina, Cláudia, Mariana, Martim e Sofia, que acusaram mais de 30 países de inércia no combate às alterações climáticas.
Os seis jovens e a equipa de advogados que os acompanharam prescindiram da apresentação do processo nos tribunais portugueses e foi essa uma das razões que levou o coletivo de 17 juízes a considerá-lo inadmissível.
A presidente do coletivo, Síofra O'Leary, explicou que Portugal tem todos os mecanismos disponíveis para deliberar sobre um processo por inação na luta contra as alterações climáticas e que o país dispõe de instrumentos para contrariar a morosidade dos tribunais.
A passagem pelas instâncias nacionais também teria munido o processo de provas mais concretas das acusações feitas, incluindo para a atribuição do estatuto de vítima, que também foi excluída.
Síofra O'Leary acrescentou que não era possível fazer uma deliberação quanto à "jurisdição extraterritorial" e que fazê-lo, ainda que circunscrevendo a questões sobre alterações climáticas, era abrir um precedente sem poder fazer uma previsão das consequências.
O desfecho do processo foi o mesmo de Damien Carême, antigo autarca de Grande-Synthe contra França, mas "Verein KlimaSeniornnen Scheiwz e outros contra a Suíça" conseguiu sair vitorioso, ainda que parcialmente.
A associação constituída por mulheres seniores imputou à Suíça a violação de vários artigos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Não houve admissibilidade da prova para a maior parte das acusações, mas o TEDH reconheceu que o Estado Suíço violou o Artigo 8.º.
Este artigo aponta que "qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência" e que "não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito", exceto em questões previstas, nomeadamente a segurança nacional e a prevenção de infrações penais.
Neste sentido, o TEDH concluiu que os países têm de "adotar e colocar em prática decisões capazes de mitigar os efeitos existentes e potencialmente irreversíveis das alterações climáticas".
"Esta obrigação advém da relação casual entre as alterações climáticas e o aproveitamento dos direitos da Convenção", admitiu o coletivo.
A decisão foi recebida com aplausos no final da audiência, enquanto os jovens portugueses e as 'avós pelo clima' percorriam a escadaria até ao átrio principal.
Nas palavras de Martim Duarte Agostinho, que encabeçou o processo o maior dos três processos, havia frustração. Acima de tudo a sensação foi de 'copo meio cheio': "O importante era perceber que isto é para todos".
A expressão utilizada por Catarina Mota, que também fez parte do processo, foi a que ecoou pelos órgãos de comunicação social internacionais: "Não derrubámos o muro, mas fizemos uma grande fenda".
A ativista disse que sentiu "muito orgulho" por todo o trabalho que culminou na audiência de hoje e enalteceu a decisão no processo das 'avós pelo clima' que possibilita mais processos semelhantes em tribunais nacionais.
Os jovens portugueses esperam deste modo poder exigir responsabilidades às autoridades nacionais e continuar a exercer pressão sobre o Governo para que concretize a luta contra as alterações climáticas.
Em resposta, o Ministério do Ambiente, tutelado pela social-democrata Maria da Graça Carvalho, disse estar "profundamente comprometido".
Suportando-se nas palavras da Comissão Europeia, que diz que o bloco comunitário lidera o esforço para debelar as consequências dos fenómenos climáticos adversos, a tutela disse que está alinhada com "as metas europeias", mas tem de "reforçar o desempenho na redução das emissões do setor dos transportes".
E responsabilizou o Governo que cessou funções há pouco mais de uma semana: "[As emissões dos transportes] aumentaram nos últimos anos devido a uma estratégia pouco eficaz na área da mobilidade".
Catarina Mota e Martim Duarte Agostinho concordaram que o momento é "de reflexão", para avaliar a decisão, compreendê-la sem o jargão judicial e olhar para a frente com a certeza de que não acabou aqui.
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