"O facto de termos cada vez turmas mais diversas, sejam estudantes negros dos países de língua portuguesa, sejam afro-brasileiros ou até de outros contextos" obriga a "outro tipo de exigência e de cuidado" por parte do sistema de ensino, defendeu.
Esses jovens não vêm a "história dos seus representada nos seus manuais" nem sequer os valores com que cresceram.
Isso é particularmente evidente nas disciplinas de história mas também noutras áreas do saber.
"Não basta pôr a foto do Amílcar Cabral [líder histórico dos independentistas da Guiné-Bissau e Cabo Verde]" e dizer que o manual é inclusivo, salientou a investigadora e docente do ensino superior.
Quando se aborda o colonialismo, deve-se incluir "o estatuto do indigenato, que foi um 'apartheid' legal à portuguesa", exemplificou.
O que Cristina Roldão pede é que "não se oculte a violência" do colonialismo português, para "não dar ferramentas a que se desconstrua o racismo na sociedade portuguesa" atual. Tudo porque o racismo, com segmentação étnica dos povos colonizados, foi a forma de um "império, que foi sempre semiperiférico, construir o seu poder".
"Na história portuguesa, o passado colonial está tão vivo nas pessoas que estão presentes nas instituições que resistem e que são continuações diretas" do domínio sobre outros povos, que "eu não posso ignorar os problemas do passado sem reconhecer privilégios que persistem na sociedade" de hoje, salientou.
Este sentimento de superioridade cultural branca em Portugal é evidente nos estudos feitos. Um inquérito recente, promovido pelo Instituto de Ciências Sociais, indica que mais de metade da população portuguesa "acredita que há raças superiores a outras do ponto de vista biológico e do ponto de vista civilizacional e cultural".
"Nós não podemos passar uma ideia de que está tudo bem sem resolver isto primeiro", afirmou a investigadora que criticou o uso do discurso intercultural, sem o reconhecimento do passado.
O conceito teórico da interculturalidade, em que há um convívio entre várias culturas, hoje "casa bem demais com o lusotropicalismo", uma doutrina promovida pelo Estado Novo que referia que os portugueses tiveram um colonialismo mais suave que outros impérios.
Noutros países, este debate no reconhecimento dos erros do passado está mais avançado.
O atraso em Portugal, referiu Cristina Roldão, tem a ver "com a própria a própria especificidade do colonialismo português, que é um colonialismo com fascismo", que mistura as "condições de opressão e de bloqueio", o que dificulta uma "a possibilidade de uma narrativa crítica".
E a socióloga pede que Portugal olhe para o exemplo inglês ou brasileiro, onde esse debate está mais avançado, e recolha contributos dos países africanos de língua portuguesa.
"É preciso contar outra história, incluir outras perspetivas, porque há um historial de muita violência que é preciso assumir" e que esse "passado ainda influencia muito o nosso presente", resumiu.
Para tal, é necessário assegurar maior diversidade em vários pontos da sociedade e, no caso do ensino, faltam currículos que incluem estas preocupações, mas também uma "maior representatividade étnico racial do corpo docente".
"Não estou a defender quotas, isso é outra discussão, mas nós precisamos também de ter mais pessoas negras a dar aulas. Não estou a dizer que só as pessoas negras é que podem estudar o passado colonial português, mas também têm que estar presentes nessa discussão e naquilo que é o pensamento sobre a pedagogia em Portugal", concluiu.
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