Meses depois de ter apresentado a demissão do cargo de primeiro-ministro após ter sido tornado público que era alvo de um inquérito judicial, no âmbito da designada Operação Influencer, António Costa foi (finalmente) ouvido pelo Ministério Público (MP) , na sexta-feira, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), sem que tenha sido constituído arguido.
A inquirição, liderada pela procuradora Rita Madeira, coordenadora da secção de corrupção no DCIAP, terá durado uma hora e meia e o ex-primeiro-ministro terá respondido a todas as perguntas da magistrada, apurou o Observador.
Advogados do antigo primeiro-ministro adiantaram entretanto à Lusa que Costa "prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, não tendo sido constituído arguido" e "mantém-se, como até agora, totalmente disponível para colaborar em tudo o que o Ministério Público entender necessário".
De notar que o antigo secretário-geral do Partido Socialista não foi ouvido na qualidade de arguido, tendo a audição sido enquadrada por um artigo do Código do Processo Penal (CPP) em que está prevista a situação para pessoas consideradas suspeitas, como acontece com António Costa.
"Houve este passo, que é um passo importante"
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reagiu, salientando que o ex-primeiro-ministro foi "ouvido como suspeito, e não como arguido, portanto, a seu pedido, que tinha sido formulado e explicitado no dia em que deixou de exercer as funções".
"Não podendo" comentar "as tramitações do processo judicial", o chefe de Estado recordou que, "ainda ontem [na quinta-feira], em Itália", quando perguntado, "disse que não ia falar de processos concretos, mas sempre que levantavam a questão dizia, por um lado que era bom para Portugal e para a Europa que o lugar de presidente do Conselho Europeu - a haver consenso e parece que há consenso muito alargado - ser ocupado por um português e por aquele português, pela sua experiência europeia".
Sobre a audição em concreto, Marcelo não disse se seria "boa ou má notícia", mas "é uma notícia num processo que aguardava este momento há vários meses", adiantou. "Quero apenas anotar que, realmente, processualmente houve este passo, que é um passo importante", declarou ainda Marcelo Rebelo de Sousa, em resposta aos jornalistas, à saída de uma iniciativa no Hub Criativo do Beato, em Lisboa.
O chefe de Estado realçou que António Costa foi ouvido "antes dos três meses" de prazo, acrescentando: "Quer dizer que quem conduz o processo entendeu que devia ser assim, eu não vou comentar isso. Entendeu que se justificava ser antes".
"Excelente notícia", "Não é mau dia"
Minutos antes de começar o debate na TVI/CNN entre Marta Temido (PS), Sebastião Bugalho (AD), Catarina Martins (BE) e Fidalgo Marques (PAN) para as eleições europeias, marcadas para 9 de junho em Portugal, foi tornado público que o antigo primeiro-ministro foi ouvido pelo MP.
Questionada pela jornalista que moderou o debate, Marta Temido assumiu que esta "é uma excelente notícia para começar a noite", reforçando que António Costa é o "melhor candidato" para a presidência do Conselho Europeu.
Por sua vez, Sebastião Bugalho referiu que do "ponto de vista social e democrático não é um mau dia" porque "deixa qualquer democrata aliviado" saber que um primeiro-ministro, seja ele de esquerda ou direita, não terá cometido crimes enquanto esteve em funções.
Para Catarina Martins, o preocupante é haver "tantos cidadãos anónimos" que esperam meses para serem ouvidos e que, por causa disso, têm a sua vida em suspenso.
Na visão de Fidalgo Marques, esta situação mostra como é urgente discutir o papel da justiça e os meios de que dispõe, lembrando como "um comunicado da Procuradoria-Geral da República pode pôr em causa toda a estabilidade política do país".
O que está em causa?
Recorde-se que António Costa foi, na sexta-feira, ouvido a seu pedido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), seis meses após a Procuradoria-Geral da República ter anunciado que era suspeito no âmbito da Operação Influencer, o que levou a que, em seguida, pedisse a demissão do cargo de primeiro-ministro, a 7 de novembro de 2023.
O caso está relacionado com o projeto de construção de um centro de dados na zona industrial e logística de Sines pela Start Campus, a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, e a exploração de lítio no distrito de vila Real, em Montalegre e Boticas.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aceitou de imediato a demissão do primeiro-ministro, e dois dias depois, anunciou ao país a dissolução do parlamento e a convocação de eleições, que se realizaram no dia 10 de março, dando a maioria ao PSD/CDS-PP/PPM.
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