"A procura de apoio estabilizou, mas as pessoas continuam a vir aos cuidados de saúde mental, na sua maioria para manter a medicação que já fazem", disse à agência Lusa a médica psiquiátrica Ana Araújo, coordenadora da unidade de saúde mental comunitária de Leiria Norte, com sede em Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria.
As recordações do "inferno" vivido em 2017 que afetou mais gravemente os concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos vinhos ficam mais presentes próximo da data dos fatídicos incêndios e, sempre que o som da sirene dos bombeiros se propaga pelos montes e vales do território, o coração dos habitantes inquieta-se.
Salientando que os estádios da situação são diferentes de há sete anos, Ana Araújo refere que o luto em situações como esta é para sempre e que, esporadicamente, ainda aparecem pessoas que não reconheciam padecer de stress traumático dos incêndios, que estava escondido e de repente manifestou-se.
A forma de lidar com o luto varia de pessoa para pessoa e, segundo Ana Araújo, existem as que querem "respirar fundo e seguir em frente e que entendem que eventos marcantes sobre o que se passou não ajuda a progredir para o futuro, e, depois, temos aquelas que precisam dessas iniciativas para viver".
"Tudo depende das personalidades e dos sentimentos que têm. Aprendemos que, de facto, não há uma chapa cinco para tudo e que há muita variedade na forma de lidar com o luto e as perdas", sublinhou a médica, que coordena o gabinete que funciona desde 2011 e que após os incêndios de 2017 passou a apoiar a população afetada.
Aquando da inauguração do memorial das vítimas, em 15 de junho de 2023, "houve pessoas e familiares diretos que apareceram e acharam muito bem e outras que entenderam que aquilo não fazia sentido e que não era preciso irem lá para sentirem o que se passou".
"As consultas de apoio têm dado resultados, as pessoas reconhecem que a proximidade as ajuda e sabem que nós estando cá podem recorrer numa emergência, pelo que mantemos o mesmo processo de atendimento semanal", disse Ana Araújo.
Às consultas recorrem pessoas de todas as faixas etárias, desde jovens a adultos, não só as que perderam familiares, mas também quem passou por dificuldades nos incêndios, incluindo elementos de forças de segurança, sobretudo da GNR, e bombeiros, que "tiveram alguma dificuldade em aceitar que precisavam de ajuda".
Muitas pessoas também já tiveram alta e há anos que não marcam consultas, mas a pandemia da covid-19 que grassou nos anos de 2020 e 2021, sobretudo, veio "complicar tudo e travar processos de recuperação".
"Os incêndios, o isolamento e a solidão acabaram por interferir com a saúde mental dos concelhos outra vez. Foi uma situação muito dura para pessoas que já tinham perdido familiares nos incêndios e que depois perderam os seus idosos com a covid-19".
O incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, e que alastrou a municípios vizinhos, provocou 66 mortos e mais de 250 feridos, sete dos quais graves, destruiu meio milhar de casas e 50 empresas.
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