Perda alargada de bens sem condenação pode levantar questões constitucionais

O presidente da Associação Sindical de Juízes disse hoje que a perda alargada de bens em processos sem condenações pode "no limite, até colocar questões de constitucionalidade", mas recorda que isso já é possível na "perda clássica".

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Lusa
20/06/2024 21:00 ‧ 20/06/2024 por Lusa

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ASJP

Em reação à agenda anticorrupção hoje aprovada em Conselho de Ministros e apresentada pelo primeiro-ministro, Luis Montenegro, e pela ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), o desembargador Nuno Matos, referiu que permitir apreensão de bens sem condenações já é possível no âmbito da chamada "perda clássica", prevista no Código Penal.

A perda alargada de bens, regulada por uma lei especial de 2002, e que já "foi sujeita várias vezes ao crivo do Tribunal Constitucional", sublinhou o desembargador, prevê que o suspeito ou arguido seja investigado por determinados crimes graves, como tráfico de droga, corrupção, fraude, ou branqueamento de capitais e tem em si um mecanismo próximo do conceito de enriquecimento ilícito, que não criminaliza, mas admite perda de bens se for demonstrada incongruência entre o património e os rendimentos.

"Aquilo que se está a propor é que esse mecanismo pode funcionar mesmo que a pessoa não seja efetivamente condenada. E esse mecanismo já existe no Código Penal no âmbito da perda clássica. É aplicar um regime que já existe. Claro que isso juridicamente pode ser discutível, no limite até se pode colocar questões de constitucionalidade dessa medida", disse Nuno Matos.

A título de exemplo, referiu que num hipotético processo de corrupção, em que o crime e a obtenção de património ou vantagens de forma ilegal pela prática de ilícitos fiquem provadas em julgamento, mas em que a condenação não se efetive por prescrição do crime praticado, a ausência efetiva de condenação não impede que haja uma perda de bens a favor do Estado.

Ainda que exista "um precedente no âmbito do mecanismo clássico", o presidente da ASJP considera que "pode não ser muito fácil" fazer a transposição para a perda alargada.

O presidente da ASJP entende também que a agenda anticorrupção hoje aprovada "é um conjunto muito vasto de medidas", algumas "de caráter geral, que se aplicam a todos os processos" e não apenas a corrupção, sublinhando ainda a necessidade de concretização de muitas medidas anunciadas.

Nuno Matos concorda com "repensar a fase de instrução", sem que isso signifique "destruir ou aniquilar as garantias de defesa dos arguidos", mas apenas "alguns afinamentos" e considera positivas as intenções de regulamentar o lóbi ou melhorar o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), sustentando que "ainda não está afinado o modo de funcionamento desta entidade".

A agenda anticorrupção que o Governo aprovou inclui um "novo mecanismo de perda alargada de bens" em alguns casos sem condenação, medidas de proteção de denunciantes e alargamento de mecanismos premiais.

De acordo com o sumário das medidas, a agenda assenta em três eixos -- prevenção, repressão e educação -, e o executivo pretende aprofundar os instrumentos que levam à perda das vantagens obtidas pela prática de crime, em linha com a legislação comunitária, "assegurando que a perda possa ser declarada relativamente a bens identificados em espécie, por um lado, e que em determinadas condições se possa dispensar o pressuposto de uma condenação por um crime do catálogo", onde se incluem a corrupção, branqueamento de capitais e fraude.

Rita Alarcão Júdice disse que o mecanismo de perda alargada de bens hoje aprovado no âmbito da agenda anticorrupção pode ser aplicado mesmo no cenário de arquivamento de processos.

Ainda no âmbito do processo penal, o executivo admite "reequacionar a amplitude e função da fase processual da instrução, nomeadamente no plano da produção de prova e do controlo incidente sobre a matéria de facto" e reforçar os poderes de condução e gestão do processo dos juízes.

A ministra defendeu também que a fase de instrução dos processos tem de ser revista para evitar que se tornem em pré-julgamentos, considerando que isso é necessário para dar maior celeridade à justiça.

Leia Também: Juízes de garantias angolanos resolveram quase 30 mil processos num ano

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