O grupo extremista Habeas Corpus, liderado pelo ex-juiz Rui da Fonseca e Castro, criou, esta semana, aquilo a que chamou uma lista de 'terroristas' LGBTQIA+, incluindo vários nomes do panorama nacional, acusando-os de serem "altamente financiados com o dinheiro dos impostos dos portugueses, com a máquina de propaganda socialista a seu serviço".
Entre os visados estão o humorista Diogo Faro, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, as psicólogas Ana Silva e Tânia Graça, as escritoras Mariana Jones e Lúcia Vicente e o presidente da Junta de Freguesia de Alverca do Ribatejo, Cláudio Lotra, que descreveu o Habeas Corpus como uma "seita" e admitiu apresentar queixa-crime, numa publicação no Facebook.
"Bizarro" e "preocupante", na visão de Diogo Faro
Ao Notícias ao Minuto, Diogo Faro disse tratar-se de algo "bizarro" e "preocupante".
"Estou habituado a níveis de ódio contra mim, mas isto não é só sobre mim, é todo um conjunto de pessoas e sobre toda a comunidade LGBT. É preocupante esta escalada da violência, porque isto é claramente um incitamento a que as pessoas desta lista sejam um alvo, dizendo que somos 'terroristas' e as coisas horríveis que têm dito", afirmou.
Faro admitiu que tal "gera um sentimento grande de insegurança, de estranheza sobre se isto é uma democracia normal onde pessoas de extrema-direita podem andar assim a boicotar lançamentos de livros".
Tem de ser parado antes que aconteça algo ainda mais grave
Referia-se o humorista à invasão da apresentação do livro 'Mamã, quero ser um menino', da escritora Ana Rita Almeida, no sábado à tarde, protagonizada por este grupo.
"Tem de ser parado antes que aconteça algo ainda mais grave", disse Diogo Faro, admitindo que já está "em contacto" com a sua equipa legal para analisar possíveis repercussões. "Há pessoas na lista que são bastante mais desprotegidas, que são desconhecidas, que não têm muita visibilidade e que agora estão a começar a ter pelas piores razões, porque estão a ser insultadas de todas as maneiras", concluiu.
Mariana Jones fala em "caça às bruxas"
Já a escritora Mariana Jones disse ao Notícias ao Minuto que, quando soube que tinha sido visada, novamente, pelo grupo, sentiu que "recuava a tempos da caça às bruxas".
"Mas não. Isto está a acontecer agora, em Portugal, no nosso Portugal de brandos costumes e à beira-mar plantado", reiterou, admitindo que continua a "receber várias ameaças e intimidações".
Entre elas, dá dois exemplos: “Enquanto o teu livro 'O Pedro gosta do Afonso' não sair do mercado, não apresentas mais livros” e "Mariana, deixa as crianças em paz ou nunca mais vais ter paz".
[Espero] que não tenham de acontecer mais boicotes a livros ou eventos, ou alguma situação limite, para que a Justiça atue
"Continuo a ver a minha imagem partilhada como terrorista, pedófila e promotora da homossexualidade", prosseguiu, esperando "que não tenham de acontecer mais boicotes a livros ou eventos, ou alguma situação limite, para que a Justiça atue", bem como que "os muitos, o exército que dizem estar mesmo atrás de nós, não façam silêncio". "Esta liberdade não é só a minha, é a nossa", concluiu.
Ana Rita Almeida admite que invasão de apresentação de livro foi "traumática"
O Habeas Corpus protagonizou um momento polémico no sábado à tarde, quando invadiu a apresentação do livro 'Mamã, quero ser um menino', da escritora Ana Rita Almeida, em Idanha-a-Nova. Dias depois, o nome da autora aparecia na referida lista de 'terroristas' apontados pelo grupo extremista.
Ao Notícias ao Minuto, Ana Rita Almeida expressou "revolta e repúdio" sobre o caso, considerando que "não é aceitável que, na era da informação e do desenvolvimento em que vivemos, os nossos direitos essenciais, como a liberdade de expressão e a segurança individual, estejam em causa e sejam boicotados por estes grupos extremistas".
A situação que vivi no sábado foi traumática para mim e para quem estava presente
"Estes atos violentos só provam que há muito trabalho a fazer e que estes livros fazem falta na nossa sociedade. Se incomodam, é porque o caminho certo está a ser percorrido", acrescentou. Ana Rita Almeida acredita que esta lista "não representa a sociedade", mostrando "solidariedade" com "todos os que nela figuram e expressar o total apoio ao trabalho desenvolvido por eles".
"A situação que vivi no sábado foi traumática para mim e para quem estava presente. Ninguém foi ali para fazer perguntas, foram para perturbar o espaço dos intervenientes, pois qualquer pessoa que tenha o mínimo de educação sabe que há espaço para tudo e momento adequado e também uma forma adequada para isso", lamentou.
Ana Rita Almeida apresentou queixa na Polícia de Segurança Pública (PSP) depois da invasão de sábado e irá avançar com outra "no seguimento" do que aconteceu. "Posso ainda salientar que estas intervenções negativas são altamente superadas pelas posições de apoio. Tenho recebido muito carinho e apoio nos últimos dias", afirmou.
"Em setembro, falei sobre o assunto. [...] Ninguém levou muito a sério", diz Lúcia Vicente
A lista anunciada por este grupo - que se autointitula uma associação de defesa dos direitos humanos - inclui outra escritora, Lúcia Vicente.
Ao Notícias ao Minuto, admitiu não estar surpreendida com a situação, "tendo em conta a perseguição" de que se queixa ter sido alvo, bem como os restantes elementos visados.
"Acima de tudo, estes ataques e críticas dão-me uma maior certeza da importância do meu trabalho e mais força para o continuar a fazer", garantiu citando a antropóloga e educadora norte-americana Johnnetta B. Cole: "Uma educação que te ensina a compreender algumas coisas sobre o mundo apenas faz metade do trabalho. A outra metade deve ensinar-te a fazer algo para tornar o mundo num lugar melhor".
Lúcia Vicente aproveitou para recordar que, em setembro de 2023, quando foi alvo de uma interrupção quando apresentava o seu livro, falou sobre o assunto, "sobre os perigos de censura que aconteceriam" e identificou "quem eram as pessoas que o fizeram e de que movimentos faziam parte".
"Ninguém levou muito a sério o acontecimento, foi desvalorizado, em alguns momentos até foi tratado como algo caricato", acrescentou, afirmando-se feminista "desde muito cedo".
"Esta forma de tentar impor o medo por parte da extrema-direita a quem, ativamente, luta quotidianamente pela liberdade e igualdade de todas as pessoas, não é uma novidade", continuou, considerando que esta "é uma escalada de violência contra quem luta por um mundo mais livre", mas não só "contra a comunidade LGBTQIA+".
"Amanhã serão as pessoas emigrantes, depois as pessoas não católicas, depois as pessoas dos movimentos feministas. Os movimentos de extrema-direita ultraconservadora são contra as liberdades individuais, sejam elas quais forem, e agarram no que pode tocar mais facilmente as pessoas menos
informadas", lamentou.
Para fazer frente às acusações e críticas de que é alvo, Lúcia Vicente deixou uma garantia: "Continuarei a fazer o que sempre fiz. Continuarei a produzir conteúdos que procuram educar as pessoas para uma sociedade diversa, inclusiva e igualitária e a promover as discussões respeitosas e construtivas".
"Continuarei com as minhas oficinas e tertúlias, sempre que me chamarem" e "a questionar as normativas, as imposições, as desigualdades", prometeu, admitindo que, quando faz palestras em escolas, tenta "sempre" chamar a atenção para o dever de "questionar a informação que nos chega, o que lemos na internet, questionar o vídeo que acabamos de ver no Tik Tok".
"Tento sempre passar a mensagem de como é importante informarmo-nos sobre os temas que se cruzam connosco, lermos as várias perspetivas e depois refletirmos sobre o que sentimos quando pensamos nesse assunto, como gostaríamos que o mundo fosse nesse aspeto", concluiu, vincando que vai continuar a "escrever os livros" que acredita "necessários para a educação das crianças e das pessoas adultas e que "promovam uma sociedade melhor e mais igualitária".
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