O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou, esta terça-feira, que visitou as áreas de Lisboa afetadas pelos tumultos sem qualquer membro do Governo para "estar à vontade para ouvir" e admitiu que, contrariamente à oposição, um membro do Executivo "não possa ir aos bairros sem levar alguma ideia".
"A minha ideia ao não ir com um membro do Governo era estar à vontade para ouvir, ouvir, ouvir. Eu não tenho poder executivo, portanto, não ia estar a prometer, a fazer, a acontecer", afirmou o chefe de Estado, em declarações aos jornalistas em Vila Nova de Gaia.
Marcelo lembrou que o Executivo liderado por Luís Montenegro "contactou as associações e as associações foram convocadas para uma reunião". "Eu admito que o Governo não possa ir aos bairros sem levar alguma ideia para falar com os bairros", defendeu.
Nesta senda, acabou por lançar uma 'farpa' ao secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, que criticou Montenegro e o Governo por ainda não terem ido aos bairros afetados.
"Eu vi ontem o líder da oposição que foi ouvir os bairros, e muito bem, mas a posição da oposição é a seguinte: ouve, toma posições de princípio, não assume compromissos concretos. O Governo não pode chegar lá e não assumir compromissos concretos", sublinhou.
Marcelo negou ainda que a ausência do Governo no terreno tenha sido combinada com o primeiro-ministro, esclarecendo que apenas comunicou a sua visita. "Não combinou coisa nenhuma, o senhor primeiro-ministro recebeu a minha comunicação, perguntei-lhe se se opunha, ele disse que não se opunha, não tinha objeção, e ele iria ponderar, em função daquilo que era o trabalho do Governo naquele domínio", disse, questionado sobre a notícia da TSF segundo a qual o Presidente da República e o Governo decidiram conjuntamente que seria Marcelo Rebelo Sousa a visitar os bairros do Zambujal e da Cova da Moura, na Amadora, na sequência da morte de Odair Moniz.
"Eu admito que um membro do Governo quando vai encarra uma situação daquelas, e outras (…) tenha de ter uma ideia sobre as medidas que vai anunciar ou não vai anunciar", insistiu Marcelo.
Antes, o o chefe de Estado havia ainda destacado os "muitos compromissos internacionais" na agenda de Luís Montenegro, que o levaram a "entender que não era a altura de ir com o Presidente ou alguém do Governo ir com o Presidente".
Recorde-se que, na passada sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa esteve no Bairro do Zambujal, na Amadora, onde visitou a esquadra da PSP, e conversou com familiares de Odair Moniz, baleado mortalmente por um polícia na madrugada de 21 de outubro, no Bairro da Cova da Moura, na sequência do início de visitas informais na zona de Grande Lisboa.
O Presidente disse que começou por visitar o Bairro do Zambujal para "medir um bocadinho a temperatura em relação à situação" e só depois do jantar é que decidiu ir à Cova da Moura.
Foi "quando estava no Bairro do Zambujal", que o presidente da Câmara da Amadora "contactou a família do Odair Moniz por causa de uma criança, de uma ida para a escola" e perguntou ao Presidente se queria falar.
"E falei com a irmã da viúva, a cunhada, que disse 'tenho aqui a minha irmã'. Passou e eu apresentei os pêsames", contou.
Nessa mesma noite, Marcelo também tinha "contactado com a mãe do motorista" de autocarro que está internado. Além disso, o chefe de Estado disse estar em "permanente ligação" com o diretor nacional da Polícia de Segurança Pública, "para saber como é que se encontram os dois jovens agentes" envolvidos na morte de Odair Moniz, para saber "como é que estão a reagir".
O chefe de Estado adiantou ainda que a vai receber o líder do Chega na quarta-feira às 11h00.
No sábado, na sequência de visitas do Presidente da República aos bairros do Zambujal e da Cova da Moura, onde residia e onde morreu Odair Moniz baleado pela polícia, o presidente do Chega considerou que Marcelo Rebelo de Sousa teve uma "atuação lamentável" e anunciou a intenção de lhe ir entregar um "protesto formal" ao Palácio de Belém.
Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal foi baleado por um agente da PSP na madrugada de 21 de outubro e morreu pouco depois, no hospital, em Lisboa.
Segundo a PSP, o homem pôs-se "em fuga" de carro depois de ver uma viatura policial e despistou-se na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, "terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca".
A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação "séria e isenta" para apurar responsabilidades, considerando que está em causa "uma cultura de impunidade" nas polícias.
A Inspeção-Geral da Administração Interna e a PSP abriram inquéritos, e o agente que baleou o homem foi constituído arguido.
Nessa semana registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados. Sete pessoas ficaram feridas, uma das quais com gravidade.
O procurador-geral da República pediu celeridade na investigação à morte do cidadão e rapidez nas perícias da Polícia Judiciária e do Instituto Nacional de Medicina Legal.
[Notícia atualizada às 17h18]
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