Jovem acusa pianista português de violação. Dezenas queixam-se de assédio
Liliana já apresentou queixa na PSP contra João Pedro Coelho. Dezenas de outras jovens prometem avançar com denúncia coletiva. Músico é antigo professor do Hot Clube Portugal, instituição onde, há dois anos, dois professores foram afastados por suspeitas de assédio.
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País Crimes sexuais
O pianista de jazz João Pedro Coelho está a ser acusado pela artista Liliana Cunha de um crime de violação. Inúmeras outras jovens acusam-no de assédio sexual.
As acusações começaram a surgir nos últimos dias, depois da mulher, de 32 anos, natural do Porto, ter denunciado o caso, não só nas redes sociais, como às autoridades. A partir daí, os rumores que se ouviam há anos nos corredores do meio artístico, sobre o conceituado pianista, e a que muitos terão feito ouvidos moucos, aumentaram de tom. São agora gritos de revolta que começaram, não só, a ser expostos, como a ganhar nomes e caras.
Basta uma pesquisa nas redes sociais para ver a avalanche de denúncias, entre as quais algumas jovens que garantem ter sido assediadas quando João Pedro Coelho era professor do Hot Clube de Portugal - e elas eram ainda menores, entre os 14 e os 18 anos.
Ao Notícias ao Minuto, outra artista, Violeta Luz, revelou que "foi só mais uma" das vítimas do João Pedro Coelho, de 31 anos, descrito por muitos como um dos pianistas da nova geração de jazz de maior destaque em Portugal, com formação em Lisboa e Amesterdão, vencedor de alguns prémios e presença assídua nos locais de jazz emblemáticos da capital portuguesa.
"70 mensagens de denúncias de raparigas"
Print de mensagens recebidas por Violeta Luz© Violeta Luz
"Isto é uma coisa que acontece há anos. Tenho neste momento quase 70 mensagens de denúncias de raparigas", garantiu, contando que no caso dela conheceu o pianista porque começou "a receber mensagens dele". Contudo, muitos dos relatos que lhe chegaram – e que agora são colecionados em contas de Instagram de diferentes artistas, como Maia Balduz - são de ex-alunas de João Pedro Coelho.
"Ele foi professor no Hot Clube durante anos e toda a gente sabia que ele enviava mensagens e assediava as alunas. Aliciava-as a beber álcool e a ir a festas com elas, quando eram ainda menores", atirou.
Ao Notícias ao Minuto, Violeta Luz mostrou alguma das mensagens que recebeu de João Pedro Coelho. Nelas, o pianista descreveu os seus gostos sexuais. Admitiu gostar "do jogo de poder" e de "castigar" quem não lhe "obedecer", admitiu gostar de ser "agressivo" e "controlar os timings", "bater, sufocar". "Evidentemente com os limites de outra pessoa", disse ainda, a dada altura.
Print de mensagens enviadas por João Pedro Coelho a Violeta Luz© Violeta Luz
Porém, os limites parecem ter sido ultrapassados no caso de Violeta e de dezenas de outras jovens que estão agora a "tratar de fazer nas autoridades uma queixa coletiva" contra o pianista.
Violação sem preservativo. Vítima ficou "em choque"
Já a queixa de Liliana está já apresentada. A 4 de novembro, a artista recebeu uma intimidação da advogada de João Pedro Coelho, depois de o ter acusado, nas redes sociais, de violação.
Essa foi a gota de água de um pesadelo que já a vinha a perseguir há mais de um ano e meio. Dirigiu-se a uma esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP) do Porto e apresentou queixa, tal como confirmou o Notícias ao Minuto junto de fonte desta força de segurança.
"Apresentei queixa, fiz o depoimento total e tive muita sorte em encontrar um polícia que foi incrível comigo e que me ouviu durante horas e eu não sai de lá antes da queixa estar suficientemente detalhada”, explicou, acrescentando que a denúncia deve seguir agora para a Polícia Judiciária (PJ), uma vez que se trata de um crime de violação.
Ao Notícias ao Minuto, Liliana contou que tudo aconteceu em 2023, meses depois de começar a falar com João Pedro Coelho nas redes sociais, no início desse ano. A certa altura, ambos decidiram encontrar-se, em Lisboa.
Após dois encontros, "simples, diretos, sem nada de extraordinário, tudo consensual", como descreveu artista, ambos decidiram envolver-se intimamente.
"Nessa altura, eu tive uma conversa muito franca com ele e disse que não estava à procura de ter uma relação, mas que tinha os seguintes limites: íamos nos envolver intimamente de forma casual, com contraceção e com consentimento, como é óbvio, ao que ele acedeu. Fomos para casa dele, eu senti-me segura a esse nível e depois não foi isso que aconteceu na verdade. Eu não vou revelar publicamente detalhes íntimos, mas basta só dizer que foi não consensual e sem proteção", explicou.
A partir desse momento. Liliana entrou "em choque". "Peguei nas minhas coisas e fui embora e foi aí que me caiu o chão. Infelizmente, não consegui ir ao hospital. Só consegui chegar a casa, tomar banho e pouco mais. Fui à farmácia tomar contraceção imediata. E depois regressei a Londres, onde residia na altura. Aí fiz testes às doenças sexualmente transmissíveis", revelou, acrescentando que, durante uma certa altura, tentou esquecer o que tinha acontecido.
"Não contei a ninguém. Não contei à minha família. Não contei aos meus amigos, porque não conseguia verbalizar o que estava a acontecer. Infelizmente, a nível pessoal também passei por um período muito difícil. Entretanto, iniciei uma relação e foi aí que percebi que estava com muitas mazelas a nível psicológico e físico. Desde flashbacks a ter ataques de pânico. Sentir o cheiro dele na rua e achar que era ele. Tive de procurar ajuda. Não me sentia forte para apresentar queixa às autoridades", relatou a artista, acrescentando que foi quando regressou a Portugal, onde agora se encontra a viver, que tudo mudou.
"Comecei a ouvir relatos de mulheres que estavam a ser abordadas por ele. Na altura, nada muito relevante, mas eu senti logo que tinha de falar. Que tinha de apresentar queixa", sublinhou.
Professores, ativistas e famosos solidários com testemunhas
O pesadelo está longe de acabar, mas o testemunho de Liliana fez com que muitas máscaras caíssem e o medo de denunciar desvanecesse.
Nas últimas horas, foram muitas as pessoas que se mostraram ao lado das jovens que estão 'a dar o corpo às balas' nesta luta. A onda de solidariedade está a unir não só anónimos, como professores, ex-colegas de João Pedro Coelho, ativistas, como Francisca Barros e Clara Não, e várias caras bem conhecidas do público português, como as cantoras Ana Bacalhau, Iolanda e Irma e a dupla Fado Bicha.
Muitos falam no 'pacto de silêncio' que parece ter sido feito sobre o assunto. Até Liliana Cunha o ter denunciado.
O Notícias ao Minuto tentou contactar João Pedro Coelho de várias formas, durante dois dias. Mas, até ao momento, o pianista não respondeu a nenhum das mensagens enviadas, nem retomou as chamadas.
Sabe-se apenas que deixou de fazer parte do cartaz de um dos concertos que tinha agendado para esta semana, num conhecido bar de jazz de Lisboa.
Hot Clube já tinha afastado dois professores por assédio
João Pedro Coelho não é o único professor que já passou pelo Hot Clube Portugal a ser acusado de assédio sexual.
Ao Notícias ao Minuto, Pedro Centeno Moreira, que encabeça a nova direção da instituição, desde fevereiro de 2023, lembrou que o caso que espoletou todas estas denúncias nada tem a ver com o Hot Clube e garantiu que o pianista "cessou funções como professor no ano letivo 2022/2023", por outras razões, que não assédio.
O presidente do conselho diretivo admite, contudo, tal como fez num comunicado entretanto partilhado nas redes sociais, que, no ano letivo de 2021/2022 "foram identificadas duas situações de assédio" que levaram ao "afastamento de dois professores". No entanto, afiançou que, em nenhum dos casos, as alunas alvo de assédio eram menores de idade.
Após estes episódios, o Hot Clube de Portugal criou um Código de Conduta para a comunidade escolar, assim como um Gabinete de Apoio ao Aluno e um Canal de Denúncia.
Desde essa altura, não foi apresentada nenhuma denúncia, mesmo que informal, a este gabinete. Se acontecer, a direção compromete-se a "atuar de imediato em conformidade com as informações que chegarem".
Pedro Centeno Moreira pede ainda aos estudantes para confiarem na instituição e se passarem por algum tipo de situação desconfortável, mesmo que não esteja relacionada com assédio, a denunciem. O anonimato, se pedido, está garantido.
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