Os bairros que "fazem funcionar o centro da cidade" querem ser ouvidos

As pessoas dos bairros que "fazem funcionar o centro da cidade" vão "marcar uma posição" na assembleia popular agendada para domingo, no Bairro Padre Cruz, em Lisboa, e exigem que as suas vozes sejam ouvidas.

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Lusa
22/11/2024 10:11 ‧ há 5 horas por Lusa

País

Lisboa

A Assembleia Popular dos Bairros, organizada pelo movimento Vida Justa, pretende "marcar uma posição", resultante da partilha de experiências e estratégias, explicou à Lusa Flávio Almada, trabalhador social e 'rapper', com mestrado em Estudos Internacionais.

 

Em entrevista no Bairro Padre Cruz, o maior espaço de habitação social da Península Ibérica, o ativista e um dos porta-vozes do Vida Justa assinala que "a maior parte dos trabalhadores que fazem o centro da cidade funcionar [...] moram nos bairros, que são transformados em quartos de despejos ou dormitórios".

No domingo, e depois de uma série de "pequenas assembleias locais" realizadas nas últimas semanas em bairros da linha de Sintra, de Loures e da Margem Sul, os bairros vão demonstrar "a sua força" no Centro Cultural de Carnide, que acolherá a assembleia.

"Queremos dizer que estamos aqui. Não estamos a apelar à caridade nem à esmola, nós temos direito a uma vida digna, concretamente a uma habitação digna, transporte em condições, gratuitos e públicos", salienta.

"Vamos construir essa força a partir dessa assembleia e com mais trabalho no terreno", acredita Flávio Almada, residente no bairro da Cova da Moura, onde Odair Moniz foi morto por um agente policial, em 21 de outubro, desencadeando tumultos em várias comunidades da periferia de Lisboa.

Da assembleia poderá resultar "um plano de ação, um manifesto, um caderno reivindicativo", elenca, sublinhando que o importante é que resuma "a necessidade" de transformar a realidade vivida nos bairros.

"Não vamos parar", garante o ativista.

"As pessoas precisam de viver, não precisam só de levar essa vida triste e violenta da exploração. As pessoas precisam de ter comida, habitação com conforto, transporte, acesso a políticas culturais", reivindica, recordando que "a face mais visível do Estado" nos bairros "é a polícia".

O trabalhador social acredita que, a partir da assembleia de domingo, "muitas pessoas de vários bairros, bairros diferentes, vão chegar a um entendimento de que os problemas são comuns, de que a paisagem nos bairros pode ser diferente, mas, em termos de problemas de habitação, salário e garantia no emprego, dignidade, sossego e políticas culturais" os desafios são os mesmos.

Do périplo realizado até agora, o Vida Justa concluiu que "a questão da habitação atravessa todos os bairros", ainda que existam "particularidades" em bairros autoconstruídos como a Penajoia ou o Bairro dos Condenados (Quinta do Mocho, Loures), na Cova da Moura (Amadora), com a regularização dos terrenos, ou em Monte Abraão (Sintra), onde se têm verificado despejos.

Paralelamente, "as pessoas que trabalham não conseguem pagar uma renda" que, há dez anos, na Amadora por exemplo, era de 250 euros para um T2 e hoje pode chegar aos 800 ou 1.000.

"Os bairros, independentemente da localização geográfica, têm os mesmos problemas, mas há fragmentação, às vezes, numa sociedade que amplifica as pequenas diferenças em vez de falar das semelhanças, então é importante que os bairros comecem a conversar entre eles e a desenhar uma frente comum de luta", apela Flávio Almada.

A oferta de transportes é outra queixa comum.

"Aos fins de semana, se alguém quiser sair do Casal da Mira [Amadora] ou do Bairro dos Navegadores, no concelho de Oeiras, para ir ao centro de Lisboa usufruir de alguma parte cultural terá dificuldades", exemplifica, recordando ainda que "as pessoas que têm vários empregos, sobretudo as empregadas domésticas, quando saem por volta das onze ou das nove da noite do trabalho, têm que correr para apanhar o autocarro, caso contrário vão ficar muito tempo à espera para chegar a casa".

Dificuldades em marcar consultas ou mesmo obter médico de família são igualmente reparos comuns no acesso à saúde por parte dos moradores dos bairros, que também não têm acesso à cultura e ao lazer, acrescenta o ativista.

Além disso, há "a questão da violência policial", que assumiu um foco central nas manifestações pacíficas que pediram justiça para Odair Moniz.

O Vida Justa contesta a classificação dos bairros como Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), que consideram transformar a polícia num "exército de ocupação".

Por exemplo, se uma pessoa que viva na Cova da Moura tiver um problema de saúde e ligar para o serviço de emergência, como o bairro está enquadrado nas ZUS "primeiro acionam a polícia [e só] depois é que vem a saúde", denuncia Flávio Almada, que foi coordenador da associação Moinho da Juventude, naquele bairro.

"As zonas urbanas sensíveis devem acabar", tal como "a militarização" da polícia, por exemplo visível na "esquadra de fiscalização de Alfragide", defende.

Outra questão prende-se com o facto de grande parte das pessoas dos bairros não ter "segurança no trabalho", quer por ausência de contrato, quer porque se veem obrigados a ter pluriempregos, "exploração laboral" que impacta nas crianças, que "passam mais de dez horas nas creches e jardins-de-infância".

Simultaneamente, os salários não têm acompanhado o aumento do custo de vida, realça, recuperando uma das reivindicações originais do Vida Justa, a diminuição dos preços.

Leia Também: O que sobra em união falta em serviços no Bairro Padre Cruz

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