Soares, que "continua vivo", condecorado e celebrado contra "calúnias"

O antigo primeiro-ministro e Presidente Mário Soares, que faria 100 anos no sábado, foi amplamente celebrado pelo seu papel na democracia e na liberdade que ajudou a construir, tendo ainda sido condecorado a título póstumo pelo chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, com o Grande Colar da Ordem de Camões, distinção honorífica que foi entregue aos seus filhos Isabel e João.

"Mário Soares viveu com paixão a luta contra a ditadura, viveu com paixão a revolução, o início da democracia, as derrotas e as vitórias da democracia, sempre pronto para começar, nos momentos mais improváveis, nas idades mais improváveis, nas circunstâncias mais improváveis", disse o Presidente da República, no final da sessão evocativa dos 100 anos do nascimento de Mário Soares, fundador e primeiro líder do Partido Socialista (PS), que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

O responsável salientou ainda que a celebração "não invoca apenas um grande português, não invoca apenas um grande político, um grande lutador, um grande visionário do futuro, um grande construtor do futuro”, mas “cria condições únicas para unir os portugueses e unir Portugal".

"A democracia e a liberdade não estão adquiridas. A Europa nunca está adquirida. Os desafios são cada vez mais difíceis, exigentes e perigosos. Estamos menos atentos, menos prevenidos, mais arrogantes, se se quiser, no convencimento do que está adquirido e não está adquirido. Este centenário de Mário Soares vale também por isso", concretizou.

Por seu lado, Isabel Soares lembrou o combate do pai contra a ditadura salazarista e salientou que os socialistas foram os "únicos vencedores civis" do 25 de Novembro, criticando uma "direita ressabiada que nunca teve coragem de se bater".

"A Direita não existiu nesse combate, aproveitou-se dele, abrigou-se no chapéu de chuva do PS, mas os socialistas estiveram sós até à vitória na Constituinte. O confronto militar deu-se depois de o PS ter ganhado nas ruas e nas urnas, não o esqueçamos. Sim, foram os socialistas e Mário Soares à cabeça, os únicos vencedores civis do 25 de Novembro", sublinhou.

Isabel Soares lembrou o pai como um homem "para quem a liberdade era como o ar que respirava e nunca desistiu de lutar por ela, mesmo nas horas mais sombrias, antes e depois do 25 de Abril".

"Fez a descolonização e digo com maior orgulho, enquanto sua filha, fê-lo bem e sem tibiezas. É preciso termos orgulho nisso e não nos deixarmos amedrontar pela calúnia da direita", sublinhou Isabel Soares, depois de alguns partidos à Direita terem criticado o papel do histórico socialista neste processo na sessão solene na Assembleia da República, na sexta-feira.

Na mesma linha, o antigo dirigente do PS e filho de Mário Soares, João Soares, criticou algumas "narrativas falsas" que continuam a circular sobre o seu pai, entre elas as "mentiras caluniosas" proferidas pelo líder do partido populista de direita radical Chega, André Ventura.

"E é importante dizê-lo com esta clareza e simplicidade, contra algumas narrativas falsas que por ai continuam e vão aparecendo. Ele foi e ainda é vítima das maiores calúnias na nossa vida política. Montadas pela ditadura e suas forças obscuras, mas não só", lamentou, tendo dado conta de que ouviu recentemente na rádio "uma calúnia miserável que tem sido repetida", que alega que Soares terá pisado a bandeira de Portugal nos anos 70.

"Uma falsidade absoluta de paralelo com as mentiras caluniosas sobre a descolonização ditas por um representante da extrema-direita no nosso Parlamento anteontem. Mentiras absolutamente miseráveis", criticou.

O Governo de Luís Montenegro, que se fez representar pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, defendeu que a democracia portuguesa precisa do "espírito dos que lutam pelo bem comum, com tolerância", tendo considerado que essa foi uma das principais mensagens deixadas pelo histórico socialista Mário Soares.

"Podemos, vários de nós, em vários momentos, discordar de algumas opções, mas o contributo para que Portugal seja uma democracia, tenha vencido uma ditadura e depois a tentação de uma nova ditadura na sequência da Revolução Democrática deve também e muito a Mário Soares", disse.

Já o presidente do Conselho Europeu, António Costa, enalteceu a "grandeza intemporal" de Mário Soares e realçou que o antigo chefe de Estado "pensou Portugal com olhos europeus", razão pela qual "lutou sempre por um país livre e mais justo, menos desigual e cada vez mais aberto ao mundo".

António Costa frisou que a "inspiração de Mário Soares" é precisa "mais do que nunca" numa altura em que se vivem "tempos de tensão e medo".

"Precisamos mais do que nunca da inspiração de Mário Soares para, em Portugal e na União Europeia, fortalecermos o que nos une e para enfrentarmos o que nos tenta separar: pulsões imperiais, tentações protecionistas, intenções nacionalistas, intuitos xenófobos, propósitos desinformativos, desígnios disruptivos", salientou.

O antigo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, também esteve presente na cerimónia, tendo apontado que manteve com Mário Soares relações cordiais mesmo nas ocasiões em que foram adversários políticos, ao mesmo tempo que considerou que o fundador do PS foi “figura maior” do século XX.

"Mário Soares é uma figura maior da política portuguesa do século XX e com repercussões no século XXI. Tive a ocasião de escrever que Portugal deve a ele o grande contributo para a democracia pluralista e para a adesão à União Europeia", declarou o antigo primeiro-ministro social-democrata.

Por seu turno, o histórico socialista Manuel Alegre realçou que Mário Soares "continua vivo" na liberdade pela qual lutou, na democracia e no PS, evocando o seu exemplo numa altura em que o regime democrático é "minado por dentro".

"Camarada Mário Soares, nestes 100 anos do teu nascimento quero dizer-te que estás vivo em todos nós. Estás vivo no partido que fundaste e a que chamavas o teu violino Stradivarius. Estás vivo na liberdade por que sempre lutaste, na democracia que ajudaste a construir e no socialismo democrático que sempre defendeste", afirmou.

O atual líder socialista, Pedro Nuno Santos, recordou Mário Soares como o "maior militante" do PS, que teve capacidade de ter razão ao longo da vida, cujo fio condutor foi a "defesa radical da liberdade, democracia e justiça social".

"Não houve em nenhuma das suas lutas nenhuma contradição. A grandeza de Mário Soares é que ele teve razão praticamente em toda a sua vida, para não dizer mesmo em toda a sua vida", enalteceu.

Para Pedro Nuno Santos, o fundador do PS teve "capacidade de ter tido razão ao longo da sua vida" e por isso é que "foi tendo de forma crescente o apoio popular".

"Não é por acaso que Mário Soares foi o único Presidente da República na recandidatura a ter mais de 70% dos votos em Portugal", enfatizou.

O responsável indicou ainda que esperança é a palavra que é preciso "trazer aos portugueses porque é possível viver melhor em Portugal", tendo terminado a sua intervenção com o conhecido mote "Soares é fixe!".

Recorde-se que os 100 anos do nascimento de Mário Soares, figura central da democracia portuguesa, serão comemorados com um vasto programa de iniciativas até dezembro de 2025.

Mário Soares, que morreu aos 92 anos, em janeiro de 2017, desempenhou os mais altos cargos no país. Nascido a 7 de dezembro de 1924, em Lisboa, Mário Alberto Nobre Lopes Soares foi advogado e combateu a ditadura do Estado Novo. Após a revolução de 25 de Abril de 1974, regressou do exílio em França e foi ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro entre 1976 e 1978 e entre 1983 e 1985. Pediu a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1977, e assinou o respetivo tratado, em 1985. Além disso, foi Presidente da República durante dois mandatos, entre 1986 e 1996.

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