"O que vem descrito na literatura é que, de facto, a vacinação reduziu bastante a condição pós-covid e as complicações e isso é também o que nós constatamos na prática clínica. Há um antes e um depois da vacinação", adiantou à agência Lusa o médico internista, que coordenou a clínica ambulatória pós-covid no Hospital de Santa Marta, em Lisboa.
Esta clínica acompanhou, principalmente nos primeiros anos da pandemia da covid-19, cerca de 760 doentes que apresentavam sintomas de 'long covid' e efetuou mais de 3.700 consultas, mas a realidade agora é completamente diferente.
Atualmente, "temos novos pedidos de consultas de cerca de quatro doentes em dois meses, é uma coisa completamente irrisória", referiu Miguel Toscano Rico, adiantando que, do total de cerca de 760 doentes que foram acompanhados ao longo dos últimos anos, "não chegam a 5% os que ainda têm algum grau de queixas".
A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a condição pós-covid-19 como a continuação ou desenvolvimento de novos sintomas três meses após a infeção inicial pelo vírus SARS-CoV-2 e que duram pelo menos dois meses sem outra explicação para o seu aparecimento.
O especialista explicou esta definição com o período de três meses que leva a convalescença de uma infeção viral, após o qual os sintomas têm de regredir e desaparecer.
Da sua experiência nesta área, Miguel Toscano Rico apontou a fadiga, as cefaleias, as dores articulares e musculares, as dificuldades de concentração e respiratórias, as alterações neurocognitivas, as palpitações e os episódios de vertigens como exemplos dos sintomas mais comuns.
"De uma maneira geral, a esmagadora maioria dos doentes evoluiu muito bem" e os novos casos são agora "praticamente inexistentes", salientou o especialista de Medicina Interna, para quem não é possível traçar um perfil dos doentes que apresentaram sequelas após a infeção inicial pelo coronavírus.
"Tanto eram novos, completamente saudáveis sem nunca lhes ter acontecido nada na vida, e de repente, tiveram uma quebra de autonomia brutal, como eram doentes já mais limitados. Vimos de tudo", recordou o médico.
Segundo referiu, por uma reorganização do serviço e tendo em conta a diminuição substancial de novos casos, os doentes que ficaram ainda com algum tipo de sequela acabaram por transitar para as consultas das respetivas especialidades.
A experiência que os profissionais de saúde obtiveram com clínica de ambulatório pós-covid foi aproveitada para desenvolver um projeto novo, que evoluiu para a criação do centro de telessaúde da Unidade Local de Saúde São José, que permite acompanhar à distância doentes crónicos.
"Foi uma das lições da clínica pós-covid", realçou Miguel Toscano Rico, ao salientar que este projeto de telemonitorização e telereabilitação permitiu desviar o foco do tratamento em meio hospitalar para a prevenção e para o tratamento precoce da descompensação, evitando idas às urgências e eventuais internamentos.
Já para o médico de saúde pública Gustavo Tato Borges, a covid-19 trouxe uma "data de sequelas que ainda carecem de ser definidas e catalogadas" de uma forma mais concreta para que seja possível falar da `long covid´ de uma "forma muito mais segura e cabal".
"Para podermos falar se isso é efetivamente um problema, nós precisamos de ter uma noção do que é que enquadra na definição de `long covid´ para podermos dar uma resposta cabal", salientou Gustavo Tato Borges.
Segundo referiu, "como não há uma definição concreta do que é `long covid´, de uma forma que abranja todas as múltiplas manifestações nos doentes, "acaba por haver alguma limitação no acesso a dados".
Recentemente, a OMS alertou que a condição pós-covid-19 continua a representar um encargo substancial para os sistemas de saúde a nível global.
Apesar de admitir ser um desafio apurar com precisão a sua incidência, a agência da ONU adiantou que os dados mais recentes sugerem que possa atingir aproximadamente 6% dos casos sintomáticos de covid-19.
Os primeiros casos de covid-19 em Portugal foram confirmados há cinco anos, em 02 de março de 2020, com os números oficiais a indicarem que mais de 5,6 milhões de pessoas terão sido infetadas pelo coronavírus.
Esta doença causada pelo SARS-CoV-2 surgiu no final de 2019 e foi declarada como uma pandemia em 11 de março de 2020 pela OMS, que em maio de 2023 considerou que já não constituía mais uma emergência de saúde pública internacional.
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