"O que me entristece, olhando para trás, é que ninguém parece estranhar, muito menos importar-se, que durante todo o tempo de pandemia, enquanto o mundo precisou do empenho científico e contribuição de todos para gerar novas soluções, medicamentos ou vacinas, Portugal foi apenas um espetador", lamenta, à Lusa, o bioquímico Miguel Castanho.
Em vésperas de se completarem cinco anos sobre a declaração pela Organização Mundial da Saúde (OMS) da covid-19 como uma pandemia, que já matou mais de sete milhões de pessoas entre os mais de 700 milhões de infetados, a Lusa interrogou cientistas portugueses de várias áreas sobre o desempenho de Portugal, entre falhas, conquistas e fragilidades.
"Deveríamos ter a ambição de contribuir para a criação do que é novo, em vez da resignação de sermos meros beneficiários da inventividade e arrojo de outros", prossegue Miguel Castanho, investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, salientando que em Portugal a ciência "contribuiu sobretudo ao nível de auxílio à comunicação e colocando laboratórios ao serviço do esforço de testagem".
O parasitologista Miguel Prudêncio destaca a criação em "tempo recorde" de uma rede de instituições académicas e científicas "capazes de contribuir de forma determinante para o esforço de diagnóstico da infeção pelo país todo" e a montagem de um "sistema de sequenciação" do coronavírus SARS-CoV-2 que "permitiu acompanhar de forma eficaz o aparecimento de novas variantes".
"E, claro, foi possível pôr em funcionamento um plano de vacinação que colocou Portugal no topo mundial dos países com maior número de pessoas vacinadas", acrescenta, enaltecendo o "papel socialmente responsável" da comunicação social por "tentar prestar informação científica fidedigna à população".
O especialista no estudo da malária critica, no entanto, que em Portugal "faltou bom senso na gestão dos confinamentos" a que a covid-19 obrigou para travar a propagação de novos casos de infeção.
"Não me esqueço que, a dada altura, os bares e discotecas já tinham reaberto e eram frequentados por milhares de adolescentes, enquanto os seus irmãos e irmãs mais novos continuavam a ter restrições draconianas impostas na sala de aula", sublinha o investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, para quem as crianças foram "as grandes vítimas de alguns erros na gestão pandémica".
Segundo Miguel Prudêncio, cientista e pai, "correu mal" também em Portugal a gestão feita dos impactos da pandemia nos alunos e na sua aprendizagem.
"Nem as escolas, nem o Estado central foram capazes de minimizar tanto quanto poderiam esses impactos", frisa, assinalando que "faltou equipamento informático em tempo útil, faltou formação aos professores para lhes permitir utilizar as tecnologias de ensino à distância da forma mais eficaz".
O investigador defende, por isso, a adoção atempada de "medidas legislativas, operacionais e de gestão da informação que permitam uma resposta futura mais adequada".
"Não estou certo de que isso esteja a ser feito em Portugal", afirma, elencando o "enquadramento legislativo de medidas restritivas de liberdades individuais", o equipamento de escolas com os "meios necessários", as redes de comunicação e gestão de dados entre unidades de saúde e as estratégias afinadas de comunicação com o público como ações que "deveriam ser feitas de antemão" para preparar uma nova pandemia.
"E, fundamental, é necessário promover a literacia científica e o combate à desinformação, para limitar as possibilidades de, por ignorância ou pura maldade, serem promovidas ideias contrárias ao conhecimento científico, como é o caso das difundidas pelos movimentos antivacinas, com consequências terríveis para a saúde individual e coletiva", sustenta Miguel Prudêncio.
Para o físico Carlos Fiolhais, o facto de Portugal ter "tido uma das mais altas taxas de vacinação do mundo não atesta o nível educativo e a literacia científica" do país.
"Apenas nos diz que temos forte tendência a seguir uma autoridade, quando existe", advoga, apontando, ainda, que "foi nítido" em Portugal, "um dos países mais envelhecidos da Europa e do mundo", fragilidades sociais como os lares de idosos com "altas taxas de mortalidade".
De acordo com Fiolhais, ficou igualmente "patente a necessidade de reforçar o Serviço Nacional de Saúde, embora isso não esteja a ser feito na medida suficiente".
A covid-19, doença respiratória causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, inicialmente detetado na China em finais de 2019, foi declarada uma pandemia pela OMS em 11 de março de 2020.
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