Se Celeste fumasse, o 25 de Abril seria hoje completamente diferente. Não se chamaria, decerto, Revolução dos Cravos, nem a data seria assinalada pelos milhões de flores que hoje se veem nas lapelas, nas mãos ou nas varandas de todo o país.
Foi Celeste Caeiro, agora quase com 83 anos, que em plena revolução, entusiasmada, se recusou a ir para casa e ofereceu um cravo a um soldado. Ao Notícias ao Minuto contou a história.
Tinha então 40 anos e trabalhava num restaurante na Rua Braancamp, em Lisboa. A casa comemorava no dia 25 de abril o seu primeiro aniversário e os patrões decidiram fazer uma festa.
No dia antes, compraram dezenas de cravos vermelhos e brancos que guardaram no restaurante em baldes com água, com intenção de, para assinalar a data, decorar o espaço e oferecer uma flor às clientes.
“Levantei-me cedo, como de costume, mas quando cheguei ao trabalho os patrões disseram ‘meus senhores, a casa hoje não abre porque se está a dar um golpe de Estado. Vão para casa’. Pediram-me a mim e a outra empregada que levasse os cravos para casa”.
Celeste pegou num grande molho e foi para o metro, com intenção de ir para o centro do acontecimento, apesar dos avisos da colega, que a aconselhou vivamente a ir para casa.
“Ir para casa?! Então está-se a dar uma revolução e eu vou para casa?! Estava entusiasmada, já estava à espera que aquele dia chegasse há muito tempo”.
Saiu do metro no Rossio e foi até ao Chiado onde se deparou com “um grande aparato”, tanques e soldados armados. Perguntou a um deles o que se estava a passar e disseram-lhe que iam para o Carmo deter o Marcelo Caetano.
“Um dos soldados pediu-me um cigarro. Nunca fumei e tive pena de não o poder ajudar. Ainda olhei em volta para ver se lhe podia comprar um maço mas estava tudo fechado. Disse-lhe ‘Só tenho estes cravinhos’”.
“Tirei um do molho e dei-o ao soldado. Nunca esperei que ele aceitasse mas ele pô-lo no cano da espingarda. Comecei a distribuir os cravos por todos e a pô-los nas espingardas até ficar sem nenhum”.
Celeste foi para casa e contou à mãe o que tinha feito, com intenções de voltar para a rua. “Esta rapariga é maluca! Vais levar um tiro!”.
“Até o escritor Luís de Sttau Monteiro, que eu conhecia - morava lá no prédio -, me disse que não voltasse a sair de casa. ‘Isto é uma guerra’, disse ele, e eu a pensar que ia correr tudo bem”.
“Fui festejar. Foi muito bonito, uma maravilha”, ainda houve “gente que não queria a revolução”: chegou a ver a polícia a bater em pessoas e outras “escaramuças”, mas no geral o ambiente era de “euforia”, contou Celeste.
Confessa que ainda se “comove” ao recordar aquele dia há meia vida atrás e sabe bem que, se fumasse, o 25 de Abril seria hoje completamente diferente.