Entre o final do mês passado e o início deste mês de agosto, vários clientes das operadoras de telecomunicações foram surpreendidos com chamadas não atendidas de números internacionais. O telefone toca apenas duas vezes e desliga-se, não havendo grande hipótese de atender, incitando o cliente a ligar de volta. Se ligar, ninguém vai atender mas o valor é cobrado na mesma.
O que na realidade está a acontecer é que uma entidade fraudulenta adquiriu vários números internacionais de valor acrescentado para conseguir a geração de tráfego através de chamadas fraudulentas feitas em massa, recebendo parte da receita do tráfego terminado nesses destinos.
Este tipo de fraude também pode ser feito através de mensagem escrita, chama-se smishing – onde o consumidor, ao clicar no link, está igualmente a ser alvo de atividades fraudulentas.
O Notícias ao Minuto falou com Luís Moura Brás, responsável pela gestão global da estratégia e evolução de produto da WeDo Technologies, empresa especializada em telecomunicações, para explicar um pouco mais sobre este tipo de fraude, denominada ‘wangiri’ (termo japonês que significa ‘one ring and cut’).
"Há países da União Europeia que estão na lista negra destes esquemas de chamadas"
Segundo o especialista, a regulamentação dos números de valor acrescentado em Portugal está muito bem delimitada e não deixa grande margem para fraude. “Em Portugal é impossível haver um número de valor acrescentado sem se saber quem é o dono desse número. Ter um número destes é legal e está aberto a quem queira ligar para lá. O que é ilegal é, por exemplo, ser portador de um desses números e começar a mandar mensagens a todas as pessoas de uma rede Vodafone, MEO ou NOS, a dizer ‘urgente, ligue para este número’. As pessoas recebem a mensagem, não sabem do que se trata e muitas delas ligarão”, indicou.
“Estes números estão normalmente localizados em países onde a legislação ou regulação não funciona muito bem ou, então, onde existe alguma folga para abusos. Há países da União Europeia que estão, digamos, na lista negra destes esquemas de chamadas: Áustria, Reino Unido, Letónia”, especificou Luís Moura Brás.
No caso da burla que afetou os clientes de operadoras portuguesas, há registo de chamadas provenientes da Polónia (+48), Mónaco (+337), Tunísia (+216) e Reino Unido (+44).
"Operadoras poderão estar numa situação confortável para não arcar com qualquer responsabilidade"
O engodo para dar azo a este tipo de fraudes começou com o envio de SMS. “Programam um computador para enviar SMS, por exemplo, para um 931111111 até 939999999 e cobrem a rede toda da NOS. Esta forma, entretanto, tornou-se demasiado óbvia para os operadores, eles têm formas de detetar que está a haver um ‘ataque’ de mensagens para os seus clientes”, disse o especialista.
Deste modo, a forma de chegar aos clientes foi sendo sofisticada, como, por exemplo, alternando o envio de mensagens e de chamadas entre operadoras. O facto de a maior parte dos clientes, hoje em dia, terem pacotes de telecomunicações e contratos pós-pagos acaba por facilitar esta situação porque só é percebida a burla na chegada da fatura, caso não haja aviso prévio.
“Nestes casos, diria que as operadoras poderão estar numa situação confortável para não arcar com qualquer responsabilidade porque não cabe à operadora decidir se a pessoa deve ou não fazer uma chamada”, começou por referir o responsável.
Luís Moura Brás elucidou que aqui se entra “no capítulo da privacidade” e que a operadora não pode impedir uma chamada de um país, por exemplo, na ‘lista negra’ porque o cliente pode ter um familiar lá a morar. “É por isso que é difícil imputar responsabilidades às operadoras. Porque tudo o que as operadoras podem fazer para amenizar a situação é detetar estas situações de ataques em massa. Elas percebem facilmente que ninguém da Somália liga para 5 mil números da MEO, da Vodafone, ou da NOS num dia. Podem pôr aquele número sob suspeita e podem, eventualmente, até evitar que aquele número volte a ligar para a rede delas. Mas não podem fazer muito mais do que isto e o custo daquela chamada que devolveu, vai ter de a pagar”, explicou.