"Era impensável abrir um telejornal com o Big Brother. Menos em Portugal"
Piet-Hein Bakker é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto
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País Piet-Hein Bakker
Piet-Hein Bakker trocou a Holanda por Portugal em 1994. O plano era ficar apenas uns meses e voltar depois ao seu país. Mas os meses passaram, transformaram-se em anos, e Piet-Hein Bakker ficou por cá.
Hoje em dia está casado com uma portuguesa e tem quatro filhas. Será sempre holandês mas por esta altura é bem possível que seja ele o mais português dos holandeses.
O Notícias ao Minuto esteve à conversa com o produtor televisivo para recordar os 17 anos da estreia do primeiro Big Brother e percebermos que futuro ainda tem o formato reality-show.
Há anos que Piet-Hein Bakker já não está na Endemol, a produtora televisiva holandesa que trouxe o conceito Big Brother Portugal. Curiosamente, por vezes na rua há ainda quem o trate como o senhor que é "dono da Endemol", talvez seja sinal de que o impacto que teve a estreia do primeiro Big Brother na televisão portuguesa ainda não foi esquecido.
Com um português correto, pontuado aqui e ali por um pouco de sotaque, Bakker, atualmente na SP Televisão, admite que sabia bem, no ano 2000, que tinha em mãos um conceito inovador para o mercado televisivo português. Apesar de tudo, nem ele nem a Endemol na Holanda estavam à espera que o programa tivesse o impacto que teve. Ao ponto de bater recordes de audiência e ser abertura de telejornal. Algo que não se esperava noutros países. "Menos em Portugal".
Quando a primeira edição do Big Brother se estreou em Portugal, foi um fenómeno para a TVI, que se tornou líder de audiências. Como foram esses tempos, em que esteve ligado a um programa que mudou a história da TV em Portugal?
Para mim foi muito bom, como é óbvio. Na altura estava na Endemol e durante uns tempos os papéis inverteram-se: eu tinha diretores de programa da SIC e da TVI atrás de mim a perguntar pela próxima edição.
Já não era o Piet a bater às portas...
Geralmente um produtor tem de ligar, tem de tentar marcar uma reunião, demora semanas, meses, é assim a realidade. Uma coisa é o cliente e outra é o fornecedor. Nós é que temos que pedir porque temos que vender. Mas naquela altura, e durante algum tempo, os papéis inverteram-se e isso foi muito bom. Claro que também traz responsabilidades. Quando fomos fazer a segunda edição do Big Brother havia grande pressão para continuar o sucesso porque, na altura, era de facto um pilar que tinha mudado, na relação entre as estações.
A TVI chegou mesmo a assumir a liderança das audiências.
Sim, de repente a TVI era líder, e nós conseguimos estrear a segunda edição, que tinha de ser ainda melhor do que a primeira porque senão essa liderança, que era ainda frágil e recente, podia-se perder. E isso não aconteceu. A TVI conseguiu manter a liderança, também porque tinha uma programação com qualidade, com a produção nacional de novelas, em conjunto com o reality show, formatos que hoje em dia ainda são fundamentais na programação da TVI.
E hoje em dia que temos tantas variações do Big Brother, há algum risco de saturação do mercado ou continua a ser um modelo com futuro?
O género reality-show não está em risco, acho é que há alguns projetos com menos interesse, até em termos de audiências. Ainda não é de se subestimar o efeito que um reality-show pode ter na grelha de uma estação. Pode ser muito forte.
Cenas de sexo em 2000 eram absolutamente revolucionárias. Hoje em dia são a realidade, já quase ninguém ligaE como vê as críticas de voyeurismo a este tipo de programa?
Há 17 anos já era confrontado com essas críticas mas acho que, se olharmos para o Big Brother de 2000 em comparação com o Love on Top, que está agora no ar, por exemplo, as cenas de sexo que em 2000 eram absolutamente revolucionárias e de que toda a gente falava, hoje em dia são a realidade, já quase ninguém liga.
Tornou-se algo mais banal?
Sim, e isto é a minha opinião pessoal, mas acho que o que acontece numa casa do Big Brother é bastante menos chocante do que a grande maioria das notícias que hoje em dia, infelizmente, vemos em programas de informação. Acho que a realidade hoje em dia é tão… com os incêndios, com tudo o que se está a passar, é tão forte que o Big Brother, que é algo que as pessoas sabem para onde vão, sabem as regras, as pessoas lá em casa sabem que é entretenimento, tudo isto junto faz com que a experiência de quem esteja a ver não seja assim tão chocante como alguns críticos dizem…
O Big Brother era um conceito novo em Portugal mas na altura já conhecia a versão holandesa. Há algo de característico no programa português, que o tenha distinguido de outros?
Sim, acima de tudo foi diferente a forma com o país viveu o programa. O enviar de aviões com mensagens, o casamento do Marco com a Marta, do Telmo com a Célia, toda esta vivência além da casa, após as pessoas terem saído, a interação do povo na rua com tudo o que estava a acontecer era muito grande. E depois houve esta mistura com o jornalismo, que também era diferente em Portugal.
O Big Brother não era só um programa com muitas audiências, era mesmo um acontecimento socialComo assim?
Era impensável haver uma abertura de telejornal com uma notícia [pontapé do concorrente Marco à concorrente Sónia] do Big Brother em qualquer jornal do mundo, menos em Portugal. E isto fez com que a primeira edição do Big Brother em Portugal fosse vista como um exemplo pelo grupo Endemol. Olhavam para nós e percebiam que o Big Brother não era só um programa com muitas audiências, era mesmo um acontecimento social. As pessoas chegavam ao café e ao escritório e tinham conversas sobre o episódio do dia anterior.
E como espectador, teve algum favorito lá dentro?
Cada pessoa envolvida num projeto destes vive o projeto com mais afinidades com uns do que com outros. Mas confesso que a forma como vivi o Big Brother no início era mais superficial, no sentido em que não estava tão envolvido no conteúdo mais tarde acabei por assumir também essas responsabilidades.
Houve momentos em que houve dúvidas sobre se haviam de passar alguma imagem na TV? Como funcionava esse backstage do programa?
Sim. Houve momentos em que a produtora, em conjunto com o canal, tinha de fazer certas escolhas porque nem tudo podia passar. Não me lembro de nada em concreto da primeira edição que tenha ficado de fora. Mas claro que o momento em que o Marco deu um pontapé à Sónia obrigou a mais cuidado para podermos mostrar ao menos tudo o que tinha acontecido.
O Marco acabou por ser afastado do programa.
Se era ou não era para expulsar o Marco, essa decisão foi tomada às quatro da manhã pelo José Eduardo Moniz e por mim. Esta situação, não sei se por ser holandês era ainda mais estranho, mas era totalmente reprovável, um homem a bater numa mulher, fazia-me muita confusão. Mas acho que na primeira edição não houve grandes razões para deixar coisas de fora. Mais tarde sim, principalmente quando foi com celebridades.
São as tais 24h/dia a serem gravados.
Sim, e há situações em que com celebridades tínhamos mesmo de deixar algumas cenas de fora, porque não ia ser bom para o programa nem para a pessoa em questão.
E a escolha da Teresa Guilherme? Foi uma escolha natural?
Eu é que tive a ideia, posso dizer isso [risos]. Depois partilhei a ideia com o José Eduardo Moniz e ele concordou, e até creio que foi ele quem falou primeiro com ela. A Teresa é muito intuitiva. E percebeu, que ela também era produtora, o impacto que o programa ia ter. Quando o Marco deu o pontapé à Sónia eu e a Teresa falámos várias vezes no mesmo dia e lembro-me que a primeira reação dela foi que o Marco deu cabo do Big Brother. E eu disse-lhe que achava que não, que era ao contrário. A Teresa estava muito preocupada, a pensar que isto ia significar o fim do Big Brother. Mas no geral era uma apresentadora com muita intuição, com uma forma de abordar que na altura era muito original, que interagia muito com os concorrentes no Confessionário, e ela era muito genuína.
Ficaram para a historia do programa as conversas que a Teresa Guilherme tinha com os concorrentes.
Eu lembro-me dela a falar com o Zé Maria no Confessionário com o Zé Maria a tentar explicar à Teresa que ele achava que as outras pessoas dentro de casa deviam ter post-its colados à testa com o nome, porque ele não conseguia lembrar o nome. O tempo que ele demorou a passar essa ideia à Teresa, era a Teresa a rir e o Zé Maria também...Do tempo que trabalhei com a Teresa há outra coisa que ninguém lhe tira: a capacidade de trabalho. A Teresa sabia de tudo e usava esse conhecimento nas entrevistas que fazia [com os concorrentes]. Era muito profissional na abordagem ao projeto.
Ainda hoje passo na rua e alguém vê-me e diz 'Olha, lá vai o dono da Endemol'. Nunca fui dono da Endemol e já não trabalho láHabitualmente o público em geral não costuma saber quem são as produtoras por trás de certos programas. Mas na altura a própria Endemol passou a ser não só uma referência no setor como também se tornou conhecida pelo grande público.
Era, era. Ainda hoje às vezes passo na rua e alguém vê-me e diz ‘Olha, lá vai o dono da Endemol’ [risos]. Para já nunca fui dono da Endemol, depois eu já não trabalho lá. Mas sim, o nome ficou muito conhecido.
E como vê o panorama atual da TV portuguesa, em particular com o impacto que teve a chegada dos canais por cabo?
A chegada do cabo fez com que as audiências fossem mais partilhadas entre as várias estações. Não há o monopólio que em tempos foi da RTP e mais tarde da RTP, SIC e TVI. Isso sente-se, obviamente, há menos dinheiro, a crise económica a partir de 2008 também teve impacto na economia toda e também na televisão. E há novos players, como a Netflix.
É um mercado cada vez mais diversificado?
Há uma faixa do público que está a virar-se para estes canais e deixa de ver os canais generalistas. Isto é uma tendência que é global, não é só em Portugal, mas que torna mais difícil a venda de conteúdos. O bolo diminuiu e é distribuído por mais parceiros. Claro que nós, criadores de conteúdos, também temos de viver com isso e não nos podemos queixar. Eu não gosto de me queixar. Temos que nos adaptar a uma nova realidade: produzindo com menos dinheiro, criando conteúdos para outros canais por cabo, digitais. E é uma aposta que se faz, em conteúdos originais, até porque hoje em dia a língua é cada vez menos uma barreira.
E como vê os conteúdos em Portugal?
Acho que há muita criatividade em Portugal. A crise também tornou as pessoas mais criativas. Mas na televisão há muito talento criativo e há que encontrar uma maneira de aproveitar essa criatividade.
Há 17 anos a TVI fez uma aposta muito forte no Big Brother, com cartazes nas ruas e anúncios na televisão durante meses, sem se saber como iria correr o programa. Hoje em dia as televisões generalistas têm esta disponibilidade para arriscar?
Há menos dinheiro e é óbvio que também têm menos possibilidades de o fazer. Eles têm que fazer escolhas, é assim. Mas mesmo a publicidade mudou. Os outdoors, por exemplo, ainda são importantes, mas cada vez mais a publicidade digital está a ganhar espaço e há mais formas de promover um programa que, há 17 anos, não existiam.
E tem ainda programas em carteira quer que vejam a luz do dia mas ainda não houve oportunidade?
Claro, há sempre. Nós aqui estamos sempre em movimento constante. Em outubro vamos lançar o ‘Brainstorm’, com muita força, espero eu. O nosso objetivo é vender o formato a nível internacional. Estamos a preparar uma segunda edição do ‘Notícias do Meu País’, um programa que se estreou no ano passado na RTP em que trabalhámos com emigrantes. E temos também apostas no cabo, trabalhamos com o Canal Panda e o canal Biggs, dois canais muito interessantes para o target infantil. Há muita coisa para fazer. Temos é que ser criativos e adaptarmo-nos aos orçamentos.
Antes de vir para Portugal trabalhou como jurista na Holanda. Como se deu esta passagem para os conteúdos?
O meu primeiro emprego foi logo ligado a uma produtora de televisão. Eu era especializado em Direitos de Autor, na altura tratava mais da parte contratual, mas, no fundo, gostava bem mais do lado dos conteúdos. Foi só em Portugal que essa passagem foi definitiva. Mas atenção, hoje em dia dá-me jeito ser jurista, para avaliar contratos.
Foi em 1994 que mudou para Portugal. Já se sente português, sente-se holandês e português? Como funciona isto?
[Risos] Também não sei muito bem como funciona, vou vivendo cada dia. Claro que são já muitos anos, tenho raízes portuguesas, quatro filhas e mulher portuguesa. As minhas filhas então só viveram em Portugal. Conhecem a Holanda de algumas viagens que fizemos e do que lhes conto, tento passar algumas tradições e hábitos.
Sinto-me cada vez mais português e gosto de viver em Portugal mas nunca vou deixar de ser holandês, não é?
Elas chegaram a aprender holandês?
Não, só algumas palavras. Falam com a minha família holandesa em inglês. Mas eu também tenho um irmão casado com uma inglesa, tenho sobrinhos que também só falam inglês. De resto, sinto-me cada vez mais português e gosto de viver em Portugal mas nunca vou deixar de ser holandês, não é? O meu holandês não foi afetado, graças a deus, os meus amigos e familiares dizem que não se nota. Seria uma vergonha [risos]. O meu português é que tem um sotaque que nunca vou perder na vida.
Tinha um desafio para lhe propor: O que é que os holandeses tinham de bom para ensinar aos portugueses. E o contrário: o que é que os portugueses tinham de bom para ensinar aos holandeses?
Para mim é mais fácil começar pela última: o que os portugueses têm para ensinar aos holandeses. Eu acho que os holandeses são um bocado ‘stressados’. Os holandeses gostam de planear tudo. Este planeamento faz com que as coisas corram bem mas ao mesmo tempo passam um pouco ao lado da imprevisibilidade da vida e isso é uma coisa que os portugueses podem ensinar aos holandeses.
É o nosso tal lado do verbo 'desenrascar'?
É. E é de facto importante não planificar demasiado as coisas. E há uma tendência portuguesa, mas também do sul da Europa, em que as coisas são mais vividas no dia a dia e acho que os holandeses por vezes passam um pouco ao lado disso.
E o que têm os holandeses para ensinar aos portugueses?
A transparência. Acho que o que os holandeses têm de bom é serem muito transparentes. Nas relações pessoais, nas relações profissionais, preferem a transparência acima de tudo. E com isto quero dizer que há poucos esquemas, há pouco o 'ser mais esperto do que o outro' e isso é algo que gosto nos holandeses.
E em 1994, como foi esse primeiro impacto quando aterrou cá? Portugal era também um país um pouco diferente na altura.
Para já foi a língua, não percebia nada. Falava algumas palavras de espanhol, falava inglês e holandês, mas nada de português. Mas fui muito bem recebido. Nunca senti um choque muito grande. Para já não sabia que ia emigrar. Ia ficar três meses e depois voltava.
E estes três meses viraram anos.
Exatamente [risos]. Eu quando comecei a trabalhar cá a minha vida era quase só trabalho. Os prazos que tínhamos para pôr um primeiro programa no ar eram extremamente curtos e eu vivi um bocado no meu trabalho. A minha sorte é que as pessoas que estavam a trabalhar comigo também eram pessoas novas e que estavam totalmente empenhadas no projeto, então no fundo passámos quase a viver juntos. Íamos trabalhar juntos, íamos jantar, beber um copo, e na manhã seguinte estávamos a trabalhar e era a mesma coisa outra vez. Nunca senti um vazio ou um período de reflexão. Fui vivendo cada dia. Nunca tive aquela coisa de 'ah, agora nunca mais vou viver na Holanda'. Foi acontecendo, e acho que é a melhor forma.
Tem quatro filhas. Calculo que pelo menos enquanto a sua filha mais velha crescia o Big Brother era tema de conversas de escola, sabendo ela que o pai estava ligado ao programa.
Quando o primeiro Big Brother estreou ela era demasiado nova. Ela nasceu em 1996 [o Big Brother estreou-se em 2000], mas mais tarde acho que ela nunca foi grande fã de reality-shows, portanto não teve grande impacto nesse aspecto. Claro que ela sabia que eu era promotor deste tipo de programas. Mas sempre fiz grande questão de separar o que é a vida familiar da profissional. Eu via o Big Brother, mas era no escritório. Em casa tentava ver o menos possível de televisão e dava importância a outras coisas. Nunca foi uma grande questão.
E se uma das suas filhas quisesse participar agora num Big Brother, que conselhos teria para ela?
Para já esperava que não acontecesse [risos].
Com todo o respeito que tenho pelos concorrentes, uma coisa é um concorrente participar outra coisa é a minha filha participarÉ muita exposição?
Com todo o respeito que tenho pelos concorrentes, uma coisa é um concorrente participar outra coisa é a minha filha participar. Mas pronto, se uma filha minha o decidisse fazer e pedisse o meu conselho eu diria: 'Cuidado. Cuidado, porque isto é tudo um jogo e não podes acreditar em muita coisa. As pessoas que estão ali dentro não estão necessariamente a ser transparentes, o que querem é ganhar o jogo'. E pronto, que posso dizer mais? É muito difícil dar conselhos sobre isso. É o evitar ficar emocionalmente demasiado ligado. Sim, acho que eram esses os conselhos.
Havia mais ingenuidade dos concorrentes naquela primeira edição do ‘Big Brother’, por se tratar do primeiro?
Tendo sido o primeiro programa do género em Portugal, a ideia de jogo se calhar não estava tão presente como hoje em dia, em que se calhar as pessoas são menos ingénuas. Sabem jogar melhor para não serem nomeados, para ganhar popularidade. Afinal de contas o objetivo final é ganhar um prémio. Nesse ponto de vista podemos sentir quando estamos a ver um programa que alguém esteja a jogar, enquanto na primeira edição isso não acontecia. Iam vivendo a vida. Sabiam que podiam ganhar um prémio mas não sabiam muito bem como. Hoje em dia já é diferente, sim.
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