Morreu esta quinta-feira, aos 61 anos, Zé Pedro, guitarrista dos Xutos e Pontapés, vítima de doença prolongada. Apesar de não ter sido totalmente inesperada, a notícia da morte do músico, na tarde de ontem, caiu como um balde de água fria, deixando o país em choque. O mundo do rock português ficou mais pobre, com o vazio agora deixado por Zé Pedro.
José Pedro Amaro dos Santos Reis (Zé Pedro) nasceu em Lisboa, a 14 de setembro de 1956, numa família de sete irmãos, “com um pai militar, não autoritário, e uma mãe militante-dos-valores-familiares”. Há 16 anos, foi-lhe diagnosticada Hepatice C, e, desde então, submeteu-se a um transplante de fígado e a vários tratamentos de combate à doença. Venceu várias lutas, mas nunca a batalha.
As cerimónias fúnebres do guitarrista têm início hoje, com o velório no Museu dos Coches, disse à Lusa fonte próxima da família. A missa de corpo presente é celebrada amanhã, sábado, a partir das 13:30, no Mosteiro dos Jerónimos, sendo seguida de cerimónia privada, reservada à família
Depois de várias lutas travadas, Zé Pedro subiu ao palco, pela última vez, no passado dia 4 de novembro, num concerto no Coliseu, em Lisboa, um momento especial, uma espécie de despedida do músico, uma vez que era público o seu estado de saúde débil. “E salta, Zé, e salta Zé, olé”, entoaram os fãs em uníssono, nesse dia.
O músico havia de, no dia seguinte, revelar que se preparava para enfrentar uma nova fase de tratamentos devido aos seus problemas de saúde. “Obrigado à Cristina [a mulher] e aos X&P por tudo e por tanto. Amanhã começo um novo tratamento e garanto que é para ganhar. Eu sei lutar e acredito”, escreveu.
Ontem, depois da notícia da sua morte, “obrigado” foi também a mensagem transmitida na sua página de Facebook. A publicação, acompanhada de uma fotografia de Zé Pedro a preto e branco, foi imensamente comentada e espaço para bonitas homenagens dos fãs.
“O nosso Zé Pedro deixou-nos. Foi em paz”, escreveu a banda no Facebook, reagindo à perda do guitarrista, um dos músicos mais carismáticos de Portugal. Muitos foram os que reagiram ao seu desaparecimento. Marcelo lamentou a morte de um “guerreiro da alegria”. O primeiro-ministro, António Costa, recorreu ao Twitter para reagir à morte do guitarrista dos Xutos. "O Zé Pedro personificou o carisma e a elegância do rock", escreveu. "A partida do Zé deixa um vazio irreparável", reagiu também o ex-Presidente da República Jorge Sampaio.
Do mundo da música, do fado ao rock, surgiram também múltiplas reações. The Legendary Tigerman partilhou uma mensagem de despedida e agradecimento a Zé Pedro, acompanhada de uma fotografia do músico. "Querido Zé, obrigado por todo o carinho e amizade que deixaste no mundo. És insubstituível e a tua partida deixa uma ferida enorme na música portuguesa e nos nossos corações. Adeus, meu querido, obrigado por todas as bonitas palavras que trocámos", escreveu.
O 'rapper' Ace recorda que passou a pré-adolescência e a adolescência "com muito rock", e que os Xutos eram uma das poucas bandas que as pessoas da sua geração, com a "inclinação para o rock, consumiam daquilo que se fazia em Portugal". Mais tarde, teve o "privilégio" de pisar o mesmo palco que a banda e o "'teenager' de há alguns anos enchia-se de orgulho".
"Tive o prazer de conversar algumas vezes com o Zé Pedro. Não sou um profundo conhecedor da pessoa que é, mas sei o que fez pela música nacional. E sei o quão bem me tratou quando nos cruzámos. A palavra humildade é muitas vezes usada fora de contexto, a meu ver. No seu caso, não. Super amável, simpático e humilde. Interessado e interessante. Que descanse em Paz. Rock in Peace", escreveu o rapper e um dos fundadores dos extintos Mind Da Gap.
Também Carlão, um dos 'MC' dos Da Weasel, aproveitou as redes sociais para se despedir de Zé Pedro, com um "abraço". "Vamos sentir a tua falta, mas viverás para sempre connosco nas memórias boas que guardamos tuas. Até um dia destes", referiu.
A fadista Gisela João, lembrando que era "muito apaixonada" por Zé Pedro "quando era miúda", contou o "prazer que foi" quando conheceu o músico. "Dizia que gostava de me ouvir cantar e eu até tinha vontade de chorar de o ouvir a dizer aquilo (sim tive um poster dele em miúda)", referiu.
O músico e produtor Diogo Clemente ficou grato a Zé Pedro por ser "um exemplo do que é estar na música e evangelizar a luz e boa 'vibe'", e lamenta que "as grandes referências, já que não podem ser eternas, não tenham o justo tempo de vida".
David Fonseca lembra que "era difícil não sorrir com ele [Zé Pedro] por perto, tal era a alegria contagiante que transportava sempre consigo"."Uma das pessoas mais bonitas e carismáticas do mundo da música, do mundo todo. Um grande abraço a toda a sua família e amigos. Zé Pedro, até sempre", afirmou.
O fadista Camané foi mais parco em palavras escrevendo um "até breve", a acompanhar uma foto do guitarrista dos Xutos. O mesmo fizeram os Linda Martini, Afonso Rodrigues, dos Sean Riley and the Slowriders, e Sérgio Gosinho. Partilhando fotos de Zé Pedro, os primeiros escreveram "Para sempre.", o segundo "#a lenda" e, o terceiro, "abraço Zé".
A cantora Carolina Deslandes citou uma das músicas dos Xutos, 'Não sou o Único', escrevendo "e quando as nuvens se abrirem, vais ver, o sol brilhará". Também Gimba, dos Afonsinhos do Condado e Irmãos Catita, num adeus a Zé Pedro, disse adeus à "vida malvada". Para a cantora Aurea hoje foi um "dia triste".
Também Tony Carreira lamentou a morte do guitarrista dos Xutos & Pontapés com que, recorda, esteve em agosto, altura em que recebeu de Zé Pedro "um dos abraços mais sentidos" da sua vida."Tinha com o Zé Pedro uma afinidade enorme e hoje sinto uma profunda tristeza. Além de um grande músico, perdemos, indiscutivelmente, um grande ser humano", escreveu.
Filomena Cautela lamentou a morte de Zé Pedro e lembrou a difícil tarefa de levar para o ar o programa ‘5 Para a Meia Noite’, da RTP, na noite de hoje. “ZÉ. Deixas tanta alegria a tanta gente. Não sei já o que dizer e já não se aguenta nada disto. Eterno hombre, e mais uma vez, como se vai para o ar com o 5 hoje? Não sei.. Mas vamos lembrar-te, hoje, sempre, porra. Até logo”, lamentou a apresentadora.
Estes nomes são apenas alguns dos que reagiram publicamente à morte de Zé Pedro e uma ínfima parte dos portugueses que lamenta o desaparecimento do músico, um verdadeiro 'homem do leme' do rock português.
O percurso de uma estrela do rock, sem "vaidade exagerada"
José Pedro Amaro dos Santos Reis nasceu em Lisboa, em 14 de setembro de 1956, numa família de sete irmãos, "com um pai militar, não autoritário, e uma mãe militante-dos-valores-familiares", como recordou num dos capítulos da biografia 'Não sou o único' (2007), escrita pela irmã, Helena Reis.
A relação com a música vem desde novo, por influência do pai, e uma das memórias é uma ida ao festival Cascais Jazz, na adolescência. Nos anos de 1970, escreveu crónicas de música no suplemento Mosca, do Diário de Lisboa, e gastou o primeiro ordenado num aparelho de rádio. No verão de 1977, numa viagem de comboio pela Europa foi a um festival punk no sul de França, que terá sido decisivo para a formação pessoal e para o que queria fazer de futuro.
De regresso a Lisboa, mergulhado na estética punk rock, conheceu o músico Pedro Ayres Magalhães, então dos Faíscas, do qual se torna 'manager' oficial.
Foi no final dessa década de 1970 que Zé Pedro, juntamente com Zé Leonel e Paulo Borges, decidiu criar uma banda, batizada de Delirium Tremens. Passou depois a chamar-se Xutos & Pontapés, já com a entrada de Kalú e de Tim para o lugar de Paulo Borges.
O primeiro ensaio aconteceu em dezembro de 1978, na Senófila, em Lisboa, e o primeiro concerto realizou-se em 13 de janeiro de 1979, nos Alunos de Apolo, em Lisboa. São estas as datas-chave do aparecimento do mais duradouro grupo rock português, que fez de Zé Pedro um dos mais carismáticos, conhecidos e acarinhados guitarristas da música portuguesa.
Numa entrevista ao Diário de Notícias em 2016, Zé Pedro dizia: "O rock'n'roll é um estado de espírito, e uma pessoa ou sente ou não sente. Não é preciso ser músico para se sentir, tem que ver com aventura. Pode ter que ver com uns certos limites na vida, mas tem, acima de tudo, que ver com a realização pessoal de uma vida mexida".
Anos antes, na biografia 'Não sou o único', que Helena Reis escreveu sobre o irmão, lia-se: "A grande força que o puxava para a rua, para a vida, eram os Xutos & Pontapés, a noite, o movimento, os sons do espetáculo".
É nesta biografia que Zé Pedro também fala sobre os pais e os irmãos, os altos e baixos da carreira dos Xutos e Pontapés e os problemas com a droga e o álcool, que quase lhe tiraram a vida em 2001, quando sofreu uma hemorragia interna. Em maio de 2011, por causa de novos problemas de saúde, fez um transplante de fígado e, pouco tempo depois, voltou aos concertos, porque dizia que estar em cima de um palco lhe dava saúde.
Colecionador de música, a par da vida nos Xutos & Pontapés, Zé Pedro desdobrava-se noutros projetos, como a rádio, tendo colaborado com Jaime Fernandes e Luís Filipe Barros na Rádio Comercial, com Henrique Amaro, na Rádio Energia, com Miguel Quintão na Vox ou, mais recentemente, na Rádio Radar.
Foi ainda DJ, um dos gerentes e diretor artístico do Johnny Guitar, fez parte dos Cavacos, do Palma's Gang, dos Maduros, dos Ladrões do Tempo, congregando várias gerações de músicos e de públicos.
Em 2004, quando os Xutos & Pontapés celebraram 25 anos de carreira, os cinco músicos da banda - Tim, Zé Pedro, Kalú, João Cabeleira e Gui - foram agraciados pelo então presidente da República Jorge Sampaio com o grau de comendador da Ordem de Mérito, por "serviços meritórios" prestados ao país.
Em 2011, depois do transplante de fígado, razão pela qual mudou o estilo de vida, Zé Pedro recordou em entrevista ao Expresso que sempre assumiu ser "uma estrela do rock", com orgulho, mas sem "uma vaidade exagerada".