"O governador do Banco de Portugal não pode estar acima de escrutínio. A suspeita quanto à sua idoneidade é, em si, incompatível com as funções que desempenha", lê-se no projeto de resolução (recomendação ao Governo) que deu hoje entrada na Assembleia da República.
Por isso, o Bloco de Esquerda quer a exoneração do governador do Banco de Portugal. "É esse o objetivo deste projeto de resolução", afirmou a deputada Mariana Mortágua, em conferência de imprensa na sede nacional do partido, em Lisboa.
Em causa está a intervenção de Carlos Costa em créditos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos quando era administrador do banco público.
Mariana Mortágua afirmou que Carlos Costa foi administrador executivo do banco entre 2004 e 2006 e "pertenceu ao conselho de crédito que aprovou operações que não cumpriram os pareceres de risco", sem que seja conhecida a razão.
"Depois de tudo o que aconteceu ao sistema bancário nacional, o país não pode compreender ou tolerar que um ex-administrador da Caixa, com responsabilidade em processos de decisão de crédito aparentemente ruinoso, utilize o seu lugar como responsável máximo do Banco de Portugal [BdP] para garantir que não é incluído em futuros processos de avaliação", acrescenta o projeto de resolução, que recomenda ao Governo que inicie o processo de exoneração.
No documento, o BE salienta que o BdP "não pode ser um refúgio de ex-banqueiros, sob pena de ver a sua credibilidade ainda mais degradada aos olhos da opinião pública".
Por isso, continua o partido, "sem a possibilidade de aferir a sua idoneidade face ao comprovado envolvimento na Caixa Geral de Depósitos, Carlos Costa não cumpre as condições de escrutínio e isenção para o desempenho das funções" de governador do BdP.
Mariana Mortágua questionou ainda se qualquer pessoa em Portugal "pode garantir que Carlos Costa é idóneo" e "tem condições" para cumprir as funções que cumpre atualmente. "Há alguém neste país que possa dar essa garantia? Não há", salientou, referindo que "essa garantia não existe, porque o BdP se recusa a avaliar o seu próprio governador".
Mas a pergunta pode ser feita também aos políticos. "Pode algum partido, pode algum deputado garantir que existe idoneidade do governador do BdP? Não pode, porque não houve avaliação e porque o governador se recusa a ser avaliado", assinalou.
Neste sentido, Mortágua insistiu, também, que "sem avaliação não há clarificação". "Sem avaliação há suspeita, e um governador sob suspeita de idoneidade, que se escuda no seu estatuto de governador do BdP para não ser avaliado, não tem condições para ser governador", função que ocupa desde 2010, acrescentou.
Referindo o facto de Carlos Costa ter pedido, em novembro, para não participar em decisões sobre a auditoria à CGD, Mariana Mortágua considerou que isto "prova que há conflito de interesses e prova que há uma ligação do governador à caixa".
Na opinião da deputada, a saída é uma questão "de bom senso". "E um governador que está sob suspeita de idoneidade, por princípio já não cumpre as condições para ser governador, isto parece do mais elementar bom senso", considerou.
Por isso, Mariana Mortágua apontou que "até é estranho que seja preciso um partido vir pressionar para que isto aconteça, sendo que o governador já poderia ter chegado a essa conclusão".
Mortágua referiu ter "a certeza que esta situação deixará desconfortáveis todos os partidos que também acharão estranho que se mantenha como governador alguém nas mesmas circunstâncias como outros ex-administradores, que os restantes ex-administradores sejam avaliados quanto à sua idoneidade, e que Carlos Costa, que é ex-administrador que tomou parte nestas decisões e que ocupa a função maior de supervisão do sistema bancário, ele próprio esteja à margem de qualquer avaliação".
"Isto não é compreensível por ninguém", rematou.