"É para mim uma honra fazer esta declaração na Casa da Imprensa (...). Antes e depois do 25 de Abril, esta casa sempre acolheu quem se bate pela liberdade e democracia", começou por referir Ana Gomes esta quinta-feira no arranque do anúncio público da sua candidatura a Belém. Liberdade e democracia "são os temas que me trazem aqui hoje a declarar-me candidata às próximas eleições presidenciais", realçou.
A ex-eurodeputada frisou, no entanto, que uma candidatura a Belém não fazia parte dos seus planos, tendo sido o facto de o PS não ter apresentado um candidato próprio que a fez ponderar e decidir avançar.
"Devo dizer que não contava. Durante meses e meses esperei que o meu próprio partido, PS, apresentasse o seu candidato, saído das suas fileiras, ou da sua área política". "Sempre defendi essa ideia", lembrou a socialista. "Não compreendo nem aceito a desvalorização de um ato tão significante como a eleição para a Presidência da República", criticou a diplomata.
Sublinhando que um Presidente da República não é eleito para governar, Ana Gomes destacou que a Constituição "atribui um papel vital no equilíbrio do sistema político e partidário" e, sendo "a defesa da Constituição um dos primeiros deveres do Presidente da República", tem "um impacto direto na vida de todos os portugueses".
"Como pode o socialismo democrata não participar nesta eleição?", questionou. "Ainda para mais quando vivemos tempos tão estranhos, de grave crise económica desencadeada pela crise sanitária, tempos que anunciam desemprego, tensões sociais e políticas, mais desigualdades e mais insegurança".
A socialista frisou que este também é um tempo em que "forças anti-democráticas espreitam oportunisticamente por desígnios autoritários que só podem querer dizer repressão e violência, como a História ensina".
Sendo a luta pela corrupção um dos temas que tem caracterizado a intervenção de Ana Gomes no espaço público, a agora candidata a Presidente da República sublinhou que "uma parte do sistema, vertido nas próprias instituições da República, se deixou corroer, capturar por interesses financeiras, económicos e outros, que não representam nem servem o interesse público geral".
Com estas palavras, a ex-eurodeputada voltou a enfatizar a defesa da liberdade e da democracia "contra as desigualdades, contra a desumanidade de descartar os mais velhos e de não dar oportunidade aos jovens, contra a lentidão na justiça que só serve a injustiça (...), contra a corrupção e contra a frouxidão no combate ao crime económico e financeiro". Ana Gomes defendeu que "não podemos continuar a deixar empurrar cidadãos para as margens, enredados na conversa de falsos profetas, ou na letargia da abstenção".
Ana Gomes destacou ainda os "milhares e milhares de portugueses desiludidos" que "foram deixados para trás pela crise, pelo desemprego, pela doença, pela pobreza". Todos "têm de voltar a acreditar que a democracia vale a pena e que só em democracia e com solidariedade entre gerações poderá haver esperança e progresso neste país", atirou.
Feita a reflexão que durou meses, a socialista decidiu que a sua missão era "o combate pela democracia". "Decidi que não devo, nem posso, desertar deste combate pela democracia". Prosseguindo na apresentação, Ana Gomes disse representar o campo do socialismo democrático progressista e recordou a sua história "de empenhamento cívico e político" pessoal e profissional nos planos nacional, europeu e internacional, destacando ainda a abertura para dialogar. "Quero ouvir todos os quadrantes democráticos e cuido, sempre cuidei, e quero cuidar deste país", disse.
"Candidato-me porque acredito que Portugal precisa de uma Presidência diferente, de uma Presidente que dê garantias de independência, que sirva o interesse nacional, e que não tenha medo de ir contra interesses instalados, que trabalhe por um Portugal mais influente na Europa e no mundo, que trabalhe contra as desigualdades (...), mais fazendo pela sustentabilidade do Planeta", afirmou.
Portugal, no entender de Ana Gomes, precisa de uma Presidente que "zele pelos direitos dos cidadãos" e que "estimule a sociedade civil a escrutinar e a pedir contas a quem nos governa". Uma Presidente, continuou, "que colabore com os governos, seja de que partido forem, sem se deixar acondicionar ou ser refém de agendas partidárias". "Uma Presidente livre", proclamou.
Ana Gomes afirmou que a sua candidatura será aberta a todos os militantes de partidos democráticos e a todas as pessoas que, não tendo atividade política, se identificam com as causas que defende. "Aceito todos os apoios pela democracia, não aceito compromissos nem comprometimentos que a possam por em causa", disse.
Confrontada com as críticas do candidato do Chega, Ana Gomes afirmou: "Não me candidato contra ninguém, candidato-me pelos portugueses". "Pelos portugueses que querem democracia e liberdade, por um projeto para o país, por um Portugal melhor e mais justo. Nesse sentido, os meus adversários serão aqueles que estiverem nesta contenda democrática. Não é nada pessoal contra ninguém, é pelo país, é pelo futuro melhor para os nossos filhos e netos", completou, referindo que é precisamente contra ideias de projetos que considera "nocivos" para o país, "designadamente os que ponham em causa a democracia".
Sobre Marisa Marias, a socialista reafirmou que é uma "grande candidata" e sua "amiga". "Tenho a certeza que faremos ambas campanhas com elevação e norteadas por ideias e projetos que, em muitos aspetos, são convergentes".
Sobre eventuais desistências, Ana Gomes atirou: "Ainda agora estamos a lançar candidaturas e já estão a falar de desistir? Nem pensar". "Compreendo perfeitamente o que diz a Marisa, acho que estamos neste combate por objetivos de promoção da democracia e de projeto estratégico de futuro para o país".
Respondendo às questões dos jornalistas, a ex-eurodeputada disse não querer nem dividir o PS nem dividir o país, considerando-se "qualificada para representar o socialismo democrata progressista" em que é militante.
Veja ou reveja o anúncio de Ana Gomes:
Ao longo dos últimos meses, a ex-eurodeputada socialista tem defendido a importância de o espaço político do PS ter uma candidatura nas próximas eleições presidenciais, sobretudo para combater projetos de extrema-direita, como o protagonizado pelo líder do Chega, André Ventura.
Ana Gomes tem considerado um erro a indefinição dos órgãos nacionais do PS em relação às próximas eleições presidenciais e afirmado por várias vezes que nunca quis uma candidatura que dividisse o seu partido.
Um episódio protagonizado pelo primeiro-ministro, António Costa, e pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em maio passado, na fábrica da Autoeuropa, em Palmela, fez a diplomara ponderar pela primeira vez "seriamente" entrar na corrida a Belém.
Nessa visita, António Costa manifestou a expectativa de regressar àquela fábrica com o atual Presidente da República já num segundo mandato do atual chefe Estado, dando assim como certa a recandidatura e reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa.
No entender de Ana Gomes, esse episódio foi "absolutamente lamentável, deprimente mesmo" e "perigoso para a democracia", devendo provocar "uma reflexão" da sua parte e de todos os democratas".
Enquanto militante socialista, criticou António Costa por ter assumido uma posição sobre as presidenciais quando "não estava na qualidade sequer de dirigente partidário, mas na qualidade de primeiro-ministro", e observou que "a democracia não está suspensa", mas "parece que alguns pensam que está suspensa no PS".
Dentro do PS, a candidatura de Ana Gomes recebeu já o apoio do antigo líder parlamentar e ex-eurodeputado socialista Francisco Assis, e do líder da tendência minoritária dentro da Comissão Política do PS, Daniel Adrião.
Até hoje, o secretário-geral do PS não comentou a candidatura de Ana Gomes - atitude que também foi seguida pela maioria dos principais dirigentes socialistas.
Em recente entrevista ao semanário Expresso, o primeiro-ministro considerou que se Marcelo Rebelo de Sousa não se recandidatasse a Presidente da República "havia um problema grave no conjunto do país" que, no seu entender, tem por certo que concorra a um segundo mandato do atual chefe de Estado.
Na mesma entrevista, preveniu logo que, por exercer as funções de primeiro-ministro, adotará uma atitude de "recato" nas próximas eleições presidenciais.
Já sobre a forma como o PS vai gerir o processo das próximas eleições presidenciais, o secretário-geral socialista disse que haverá um momento em que os órgãos do seu partido se irão pronunciar sobre essa matéria, mas não disse quando
Dentro do PS, a questão das presidenciais foi apenas brevemente discutida numa Comissão Política realizada em 21 de maio - uma reunião que António Costa procurou centrar no debate em torno das principais linhas do Programa de Estabilização Económica e Social.
O líder da tendência minoritária dentro da Comissão Política do PS, Daniel Adrião, defendeu o apoio a uma candidatura de Ana Gomes e considerou "um erro grave" a opção por um apoio indireto à reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, advertindo que um segundo mandato do atual Presidente da República poderá ser mais à direita do que o primeiro.
Na resposta, o dirigente socialista Porfírio Silva disse que preferia que surgisse uma candidatura presidencial no espaço político do PS, mas recusou apoiar Ana Gomes.
No seu discurso, Porfírio Silva, também vice-presidente da bancada socialista, pronunciou-se sobre os riscos de um crescimento da extrema-direita nas próximas eleições presidenciais.
"E pior do que isso só pode ser outra coisa: Que na área do PS só esteja disponível um candidato populista, sem histórico de um programa de esquerda articulado e coerente, mas com um histórico de confundir a política com corrupção e de pintar o PS como uma associação de malfeitores que já foi liderada por um secretário-geral criminoso. É esse o discurso que podemos ter de engolir durante uma campanha eleitoral vindo do suposto candidato da área do PS", declarou, sem nunca referir o nome da ex-eurodeputada Ana Gomes.