Depois de marcarem presença na cerimónia do içar da bandeira em Dia de Luto Nacional e homenagem a todos os falecidos, em especial às vítimas da pandemia, no Palácio de Belém, o primeiro-ministro e o Presidente da República sentaram-se à mesma mesa. Tal como anunciou no sábado - quando informou o país sobre as medidas que estarão em vigor a partir do próximo dia 4 - António Costa transmitiu ao chefe de Estado a posição do Governo sobre a aplicação de um eventual Estado de Emergência, não revelando porém a partir de quando e até quando poderá e estará em vigor.
Referia-se que, por exemplo, a aplicação de um eventual recolher obrigatório - como vários países europeus já adotaram - não pode ser decretada pelo Governo por implicar competências constitucionais de que o Executivo "não dispõe".
À margem destes encontros, e horas antes de reunir com o presidente, o líder do PSD, Rui Rio, garantiu desde logo que apoiará o Governo e o Presidente da República se estes entenderem que o "interesse nacional" e razões de constitucionalidade justificam o Estado de Emergência.
O primeiro-ministro foi o primeiro a ser ouvido pelo Presidente Marcelo que ao longo do dia ouviu no Palácio de Belém - e por ordem crescente de representação - os nove partidos com assento parlamentar.
Costa propõe Estado de Emergência para "eliminar dúvidas" sobre a ação do Governo
À saída do encontro com Marcelo, que durou cerca de 50 minutos (e não os 30 previstos), o primeiro-ministro disse que propôs que seja decretado o Estado de Emergência "com natureza preventiva" para "eliminar dúvidas" sobre a ação do Governo para a proteção dos cidadãos em relação à pandemia. "O Governo apresentou ao Presidente da República a proposta de que seja declarado o Estado de Emergência com uma natureza essencialmente preventiva para poder eliminar dúvidas jurídicas quanto a quatro dimensões fundamentais", declarou o primeiro-ministro.
Na opinião de Costa não pode haver dúvidas sobre "a possibilidade de o Governo impor limitações à liberdade de deslocação, sempre que justificado, entre diferentes áreas do território, em certos períodos do dia ou em certos períodos da semana".
Propus hoje ao Presidente da República, em nome do @govpt, que seja declarado o Estado de Emergência com uma natureza preventiva, para podermos combater mais eficazmente a pandemia e termos a capacidade de eliminar dúvidas jurídicas quanto a 4 dimensões fundamentais.#COVID19 pic.twitter.com/HKyXxgswOj
— António Costa (@antoniocostapm) November 2, 2020
"Ainda no sábado, o Supremo Tribunal Administrativo rejeitou duas providências cautelares que tinham sido suscitadas. É importante que haja um robustecimento jurídico dessa capacidade do Governo, visto que, tratando-se de uma pandemia, em que o essencial é evitar contactos entre pessoas e impedir aglomerações, o recurso à limitação da liberdade de deslocação será frequente", justificou.
O Executivo pretende também, adiantou Costa, eliminar dúvidas "sobre a legitimidade para se imporem medidas de controlo da temperatura, seja no acesso a locais de trabalho, seja no acesso a locais públicos". "O controlo de temperatura, não sendo um elemento determinante da avaliação de risco, é um fator complementar e pode ser útil para a avaliação de risco", defendeu.
De acordo com António Costa, a proposta de Estado de Emergência também visa "robustecer" a ação do Executivo para que, eventualmente, se possa proceder à utilização de recursos e meios de saúde, seja no setor privado, seja no setor social". Além disso, acrescentou, "não pode haver dúvidas de que se podem mobilizar recursos humanos, seja no setor público ou no privado, designadamente elementos das Forças Armadas, ou servidores públicos que, não estando infetados ou impossibilitados de trabalhar, se encontram em situação de recolhimento por integrarem setores de risco, mas que podem ser devidamente utilizados".
Esses trabalhadores, na perspetiva do Governo, podem reforçar o esforço extraordinário ao nível de "equipas de saúde pública, ou equipas de medicina geral e familiar e de saúde comunitária dos cuidados de saúde primários, ou, ainda, no rastreamento de casos positivos de Covid-19 e de contactos de risco".
IL avisa ser "improvável" apoiar Estado de Emergência
Após ter sido recebido pelo Presidente da República, o deputado único do Iniciativa Liberal (IL) contestou em particular a possibilidade de, ao abrigo do Estado de Emergência, haver requisição civil de meios do setor privado da saúde, garantindo que não passará "cheques em branco" e que a probabilidade de vir a apoiar um Estado de Emergência "é remota", mas que irá "aguardar o decreto e a sua redação".
"Como é sabido não gostamos de estados de emergência, mas em especial não gostamos de estados de emergência que contenham cheques em branco, como é o recurso sem qualquer espécie de limitação a bens privados, cooperativos ou sociais sem saber em que termos", afirmou Cotrim Figueiredo, esperando que o assunto possa ser debatido no Parlamento ainda esta semana.
Há áreas que permanecem "demasiado em aberto e são riscos para as liberdades dos portugueses", como o recurso aos cuidados de saúde privados, pelo que espera que o decreto do Estado de Emergência não repita "o erro dos decretos de abril".
Chega recusa "confinamento total" e quer Estado a pagar perdas das empresas
O líder e deputado único do Chega remeteu para mais tarde a posição, em concreto, do partido quanto a um novo Estado de Emergência, mas excluiu alguns cenários. "Não pode implicar um novo confinamento, como aconteceu em março e tem que ser bem explicado. Um novo confinamento mais alargado pode ser fatal para toda a estrutura empresarial portuguesa, para a classe média, para todos os negócios e a economia em geral", disse André Ventura.
"Caso contrário, o que vamos ter em Portugal é uma verdadeira tragédia, com falência atrás de falências e com os principais sectores da atividade económica a entrarem em derrocada" (André Ventura)Se em março foi possível pedir "às empresas que mantivessem os postos de trabalho, apesar das restrições, desta vez não" é possível "pedir a mesma coisa" e, afirmou, o Estado "tem que avançar com um plano, como está a ser feito na Alemanha e noutros países, para cobrir as perdas destes sectores", em "50%, 60% ou 70%".
Verdes com "reservas e dúvidas" sobre necessidade de Estado de Emergência
"Nós temos reservas e fundadas dúvidas sobre a necessidade de estado de emergência. As medidas previstas têm cobertura constitucional e legal". A afirmação foi proferida pelo líder parlamentar do PEV, José Luís Ferreira, no final da audiência com o Presidente.
Acompanhado da deputada Mariana Silva, José Luís Ferreira sustentou que o partido "ainda não vislumbrou as vantagens" da declaração do Estado de Emergência em março, defendendo que as medidas mais relevantes - como o encerramento das escolas ou o confinamento voluntário dos portugueses - aconteceram "antes ou à margem" desse período. "E tem outro problema associado: quando é o momento de acabar o Estado de Emergência, fica a perceção de que está tudo resolvido", alertou, reservando, contudo, uma decisão final para quando for conhecimento um eventual decreto do Presidente da República sobre a matéria.
O líder parlamentar dos Verdes pediu ainda que a discussão sobre o combate à pandemia "não se reduza ao estado de emergência", defendendo a necessidade de "robustecer o Serviço Nacional de Saúde" e de uma melhor explicação das medidas por parte do Governo. "Se o Governo diz que as pessoas não podem estar reunidas em família, mas podem ir a espetáculos, é preciso explicar que nos espetáculos há distanciamento social", exemplificou, considerando que, se as pessoas não compreenderem as medidas, "tenderão a desvalorizá-las e não as levar tão a sério".
PAN acompanha "genericamente" as preocupações do Governo
"Genericamente, acompanhamos aquele que é o sentido do documento entregue pelo senhor primeiro-ministro que visa decretar o Estado de Emergência. Temos noção daquilo que são as condições epidemiológicas e o contexto sanitário e, naturalmente, é importante que se tomem novas medidas", disse o porta-voz do PAN, André Silva, em declarações aos jornalistas à saída de Belém.
O deputado não se quis, contudo, comprometer-se com o sentido de voto do partido, dizendo querer esperar pelo conteúdo concreto do decreto que Marcelo Rebelo de Sousa - se entender decretar o Estado de Emergência - enviará à Assembleia da República, mas revelou que "exprimiu" ao chefe de Estado duas preocupações: a primeira, que seja reavaliada a decisão do Governo de encerramento de feiras e mercados e, a segunda, relacionada com direitos políticos em vésperas de eleições presidenciais, previstas para janeiro.
"Este Estado de Emergência não pode coartar ou restringir a atividade normal dos candidatos, nomeadamente na recolha de assinaturas ou nas mais diversas atividades políticas", alertou o porta-voz do PAN.
CDS disponível para um Estado de Emergência "minimalista"
O presidente do CDS-PP manifestou à saída do encontro com Marcelo a disponibilidade do partido para votar a favor de um Estado de Emergência "minimalista" e que acautele dúvidas jurídicas, mas acusou o Governo de "transformar a pandemia num pandemónio". "O CDS terá de conhecer os termos do Estado de Emergência, mas temos disponibilidade para votar a favor", afirmou Francisco Rodrigues dos Santos, no final de uma audiência em que esteve acompanhado pelo vice-presidente Filipe Lobo d' Ávila.
Apesar de o partido entender que o Governo teve "uma gestão desastrosa" da pandemia e que deveria ter agido mais cedo em áreas como a contratualização com os setores privado e social da saúde ou o reforço do rastreamento, não é "negacionista" e participará "no esforço nacional de salvar vidas".
"O CDS, entendendo o Estado de Emergência jurídico, para acautelar as inconstitucionalidades hipotéticas, e minimalista, com medidas cirúrgicas, localizadas e zona a zona, entendemos participar neste esforço nacional. Sendo certo que temos de criticar o Governo porque permitiu que o país chegasse ao estado a que chegou", disse.
PCP é contra um novo Estado de Emergência: "É desnecessário"
Em sentido contrário às posições manifestadas pelos restantes partidos, o secretário-geral do PCP afirmou que o partido é contra uma eventual declaração do Estado de Emergência, defendendo que o importante é reforçar os meios no Serviços Nacional de Saúde (SNS).
"Obviamente, não acompanhamos por sentir que é desnecessário. Se alguém pensa que criando o estado de emergência os problemas vão ser resolvidos estão enganados, a questão não se resolve pela repressão, é pela proteção", afirmou Jerónimo de Sousa, que foi a Belém acompanhado do líder parlamentar, João Oliveira.
"Não acompanhamos, por sentir que é desnecessário. Se alguém pensa que criando o Estado de Emergência, os problemas vão ser resolvidos, estão enganados. Não é pela repressão, é pela via da proteção" (Jerónimo de Sousa)Ao longo da pandemia foram tomadas muitas "medidas erradas", como a recente decisão de proibir feiras e mercados, ou operações policiais de fiscalização da restrição da circulação que provocaram longas filas na passada sexta-feira, apontou o líder comunista vincado que: "Não são precisas mais barreiras automóveis, são precisas mais camas, mais meios por parte do SNS, aí é que está a resposta e não em medidas que não têm sentido nem aplicabilidade".
BE só tomará uma decisão quando conhecer o decreto
Mais contida quanto a uma decisão, a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) adiou para mais tarde uma decisão. O Estado de Emergência "não é o instrumento mais adequado" para o atual momento da pandemia, mas Catarina Martins manifestou-se disponível para analisar o texto que for proposto ao Parlamento.
"Por essa razão, não vemos o Estado de Emergência necessariamente como o instrumento mais adequado para este momento. A nossa preocupação é o reforço da capacidade do Serviço Nacional de Saúde e teremos disponibilidade para ler o que nos for pedido" (Catarina Martins)"O BE só tomará decisão sobre o estado de emergência quando conhecer o texto exato, como sempre fez. É nossa convicção que boa parte dos mecanismos necessários podem ser tomados com recurso a legislação aprovada pelo parlamento que não exigem o estado de emergência. Em todo o caso, analisaremos com cuidado aquilo que for proposto ao parlamento", afirmou Catarina Martins, em declarações aos jornalistas no parlamento.
Estamos disponíveis para viabilizar estas e outras medidas que sejam necessárias no parlamento. Sempre seguindo os critérios da ciência e do interesse público, no combate a uma pandemia que durará meses. Dissemos isto mesmo, esta tarde, na audiência com o Presidente da República.
— Catarina Martins (@catarina_mart) November 2, 2020
Mas a coordenadora do BE congratulou-se que "o Governo venha finalmente dar uma palavra" sobre a necessidade de utilizar os recursos dos setores privado e social da saúde, como já tinha defendido o partido sob a forma de requisição civil. Catarina Martins recordou, por outro lado, que o partido já tinha manifestado ao Governo a sua disponibilidade para alterações legislativas consideradas necessárias no combate à pandemia, nomeadamente para dar maior segurança jurídica às restrições à circulação, por exemplo.
Novo Estado de Emergência? "O PSD nada tem a opor"
Depois de o líder do PSD, Rui Rio, ter vincado durante a manhã desta segunda-feira (e já após António Costa ter proposto ao Presidente um novo Estado de Emergência), que o PSD está sempre “do lado da solução e não do problema”, e que, “em nome do interesse nacional, apoia a declaração do Estado de Emergência”, coube a Morais Sarmento reforçar esta posição à saída de Belém.
"O pedido/proposta do Governo" ao Presidente da República tem dois objetivos, acrescentou. "Legitimar e dar segurança jurídica a medidas já tomadas e dar cobertura a medidas que, em termos de rastreio e de circulação, só podem ser tomadas com estado de emergência em vigor (...) A esse pedido/proposta, o PSD nada tem a opor", disse Morais Sarmento.
O vice-presidente do PSD salientou, porém, que o aval não compromete os sociais-democratas com medidas concretas nem com a sua duração. "Aquilo que a lei diz é claro, a temporalidade é a que conhecem [15 dias], a renovação é obrigatória findo o prazo previsto. Se o primeiro-ministro anseia por uma duração superior à que está prevista na lei, nós pronunciar-nos-emos quando a renovação for colocada em cima da mesa. Não temos nenhum anseio que o estado de emergência dure dois, três, quatro meses, pelo contrário. A nossa posição é que deve existir apenas na justa medida em que seja necessário", defendeu.
Na audiência com o Presidente da República, Morais Sarmento esteve acompanhado presencialmente pelo presidente do Congresso do PSD Paulo Mota Pinto, enquanto o presidente do partido, Rui Rio, entrou por videoconferência.
PS favorável ao Estado de Emergência e espera "maioria confortável" na AR
Por último, o Presidente da República recebeu o PS. No final, em declarações aos jornalistas, secretário-geral adjunto José Luís Carneiro, que se fez acompanhar pela líder parlamentar Ana Catarina Mendes, afirmou que "o PS é favorável à proposta de adoção do Estado de Emergência, uma proposta que seja naturalmente limitada às necessidades e que não deixe de garantir as condições para que o Governo possa conformar medidas de política tendo em vista o controlo da pandemia".
O dirigente socialista defendeu ainda a proporcionalidade das futuras medidas a adotar pelo Governo. "O PS é favorável à adoção de medidas limitadas no tempo, adequadas e proporcionais às necessidades. Somente assim poderemos salvaguardar direitos, liberdades e garantias", considerou José Luís Carneiro, sublinhando que depois das audiências hoje realizadas pelo Presidente da República, "é possível vislumbrar uma maioria bastante confortável" no Parlamento.
Ouvidos os partidos, seguem-se os parceiros sociais...
Terminados os encontros com os nove partidos com assento parlamentar, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai reunir-se com os parceiros sociais entre amanhã e quarta-feira. De acordo com a agenda do chefe de Estado, as centrais sindicais UGT e CGTP-IN serão recebidas na terça-feira, às 15:00 e 16:00, respetivamente.
A Confederação do Turismo de Portugal (CTP) será também recebida na terça-feira, às 17:00, e as audiências às restantes confederações patronais acontecerão na quarta-feira. No mesmo dia, o Presidente da República irá receber a CIP - Confederação Empresarial de Portugal, às 15:00, a CCP - Confederação do Comercio e Serviços de Portugal, às 16:00 e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), às 17:00.
[Notícia atualizada às 19h01]