Jorge Coelho: Da esquerda radical a ministro sorridente
Jorge Coelho, que hoje morreu aos 66 anos, foi militante de extrema-esquerda, "braço direito" de António Guterres no PS, ajudou à vitória socialista em 1995, e ministro que assumiu responsabilidades na tragédia de Entre-os-Rios, há 20 anos.
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Política Jorge Coelho
Associado, desde o início, à ascensão do atual secretário-geral da ONU à liderança do PS, em 1992, e, mais tarde, já com os socialistas no poder, Coelho foi um dos membros do chamado "núcleo duro" de Guterres, onde também estavam António Vitorino e Joaquim Pina Moura.
E há 20 anos, após a queda da ponte de Entre-os-Rios, na noite de 4 de março de 2001, onde morreram 59 pessoas, assumiu as responsabilidades políticas pelo sucedido e - num gesto raro na política portuguesa - demitiu-se de imediato de ministro da Presidência e do Equipamento Social, com a tutela sobre as pontes, numa conferência de imprensa realizada madrugada dentro.
"Pelo respeito que merecem os que ali morreram e os que continuam a sofrer", porque era "preciso retirar consequências políticas" e porque "a culpa não pode morrer solteira", afirmou então, nessa madrugada, depois de conversas acaloradas com vários membros do Governo, incluindo António Guterres.
Depois disso, afastou-se da política ativa para se dedicar vida empresarial e, anos mais tarde, foi, de 2008 a 2013, presidente da Comissão Executiva da Mota-Engil, que deixou depois para abrir uma fábrica de queijo, na sua terra natal, Mangualde, a Queijaria Vale da Serra.
Natural de Contenças, concelho de Mangualde, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho nasceu em 17 de julho de 1954, e licenciou-se em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade Técnica de Lisboa.
Jorge Coelho iniciou-se na atividade política pela extrema-esquerda. Depois do 25 de Abril de 1974, militou em movimentos como os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (CCR-ML) e Partido Comunista Reconstruído PC(R), que mais tarde deu origem à formação da UDP (União Democrática Popular).
Filiou-se no PS em 1983. Nessa altura, conheceu Murteira Nabo e foi seu chefe de gabinete duas vezes, primeiro no Governo do Bloco Central, de 1983 a 1985, e depois em Macau, entre 1986 e 1991.
Dentro do PS, Coelho começou por apoiar Mário Soares, ajudando a coordenar a campanha presidencial do fundador do PS, entre o final de 1985 e 1986. E esteve ao lado de Vítor Constâncio, quando este foi secretário-geral dos socialistas.
Em 1990, começou, como Guterres, a afastar-se de Jorge Sampaio no congresso do Porto do PS e, em 1992, esteve na primeira linhada candidatura de António Guterres à liderança do partido.
Desde então, foi um dos "braços direitos" do atual secretário-geral da ONU, António Guterres, na corrida às legislativas, com a organização dos Estados Gerais para uma Nova Maioria, por oposição à "velha maioria" do PSD e de Cavaco Silva, que deixaram o poder em 1995.
O conhecimento das estruturas do PS valeu-lhe a designação de "homem da máquina" ou "homem do aparelho" e chegou a contar que saia da sede do Largo do Rato, em Lisboa, por uma porta "do lado" para evitar conversas com "candidatos a candidatos" a deputados.
Com Guterres, foi ministro Adjunto, da Administração Interna, da Presidência e do Equipamento Social, até 2001.
Depois da política, Jorge Coelho dedicou-se à gestão de empresas e foi, de 2008 a 2013, presidente da Comissão Executiva da Mota-Engil. Na vida pessoal, venceu um cancro, processo em que emagreceu muitos quilos.
Fez, porém, uma nova incursão na vida partidária do PS após a saída de Ferro Rodrigues, em 2004, e esteve ao lado de José Sócrates na campanha para as eleições que deram aos socialistas a primeiro e única maioria absoluta até hoje, em 2005.
Afastado da ribalta política, o ex-ministro tornou-se comentador político, nomeadamente na SIC, na Quadratura do Círculo, com José Pacheco Pereira e António Lobo Xavier. E dava entrevistas, como a deu ao jornal i, em janeiro de 2016, antes das presidenciais, em que atirou: "O professor Marcelo é um agente de instabilidade."
Dono de uma gargalhada aberta e sonora, reagiu assim, com humor quando lhe "apresentaram" o boneco "Coelhone", do programa de humor Contra-Informação. Ou quando soube que o ministro das Finanças Sousa Franco considerou "linguagem de cavaco e mineiro" o termo "buraco" orçamental, que ele usara horas antes no parlamento.
E foi com outra frase típica sua -- "meu caro amigo" -- que usou ao saber que o jornalista Fernando Esteves ia escrever uma biografia sobre si: "Uma biografia sobre mim por que motivo? Não tenho importância para isso, meu caro amigo!" O título é "Jorge Coelho -- o todo-poderoso".
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