Fernando Medina está, desde quarta-feira à noite, 'debaixo de fogo', com 'balas' a serem disparadas de todas as direções. O motivo? O envio de dados pessoais de três ativistas russos pró-Navalny à embaixada de serviços consulares da Rússia pela Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Desde que o caso chegou a público, pelo Expresso, muita 'tinta' correu na imprensa. Propomos-lhe, por isso, um retrocesso na fita do tempo.
Na quarta-feira, o semanário denunciou que os dados enviados pela autarquia tinham sido obtidos na sequência da organização de uma manifestação contra a prisão do opositor russo Alexei Navalny, que decorreu no passado dia 23 de janeiro, em frente à embaixada da Rússia, na capital.
O caso foi descoberto por uma das ativistas russas em causa, Knesia Ashrafullina, que, por acaso, numa troca de emails sobre as regras da manifestação, reparou numa mensagem reencaminhada, com o seu nome e email, juntamente com um ficheiro PDF anexado, no qual se encontravam os dados das três pessoas que estavam a organizar o protesto.
Ora, na manhã de ontem, o executivo camarário reagiu em comunicado enviado às redações. A Câmara Municipal de Lisboa assumiu o envio de dados dos ativistas russos à embaixada, mas garantiu que entretanto estes já foram apagados. A autarquia rejeitou ainda, "de forma veemente, quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo".
Na mesma nota, a Câmara explicou que recebeu os dados dos organizadores das manifestações, como prevê a lei, e os remeteu "para a PSP/MAI e à entidade/local de realização da manifestação (no caso, embaixada de serviços consulares da Rússia), conforme procedimento geral adotado para manifestações".
Este procedimento, porém, foi alterado depois deste caso e nas manifestações que se realizaram seguidamente já que "não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas".
Ao final da manhã de quinta-feira, Fernando Medina fez uma comunicação à imprensa, apresentando um "pedido de desculpas público" (feito também pessoalmente) aos três ativistas que viram os seus dados partilhados com a embaixada da Rússia. O autarca classificou a situação como "um erro lamentável na CML que não podia ter acontecido".
Mais tarde, Medina voltou a prestar esclarecimentos sobre o caso, garantindo que está a ser feita "uma averiguação completa sobre aquilo que se passou" e que serão tiradas "as responsabilidades internas, do ponto de vista da reorganização dos serviços que se vierem a impor".
O autarca da capital aproveitou ainda para mandar 'farpas' ao candidato do PSD a Lisboa, Carlos Moedas, que 'abriu a porta' à sua demissão. Para Fernando Medina, este pedido configura "um aproveitamento político muito simplório" e um "delírio desesperado" do social-democrata.
Apesar de a embaixada da Rússia em Portugal ter assegurado que a "'ativista' pode voltar tranquilamente para casa", os promotores da manifestação anunciaram que vão apresentar uma queixa na justiça contra a Câmara Municipal de Lisboa para que tal "não volte a acontecer" com cidadãos portugueses.
O ministro dos Negócios Estrangeiros não ficou imune aos 'estilhaços' deste caso, já que Rui Rio anunciou que ia chamar ao Parlamento não só Fernando Medina, mas também Augusto Santos Silva. O governante, apesar de defender que a questão não cabe na sua esfera de competências, manifestou disponibilidade para ser ouvido na Assembleia da República.
O Comité de Solidariedade com a Palestina (CSP) afirmou entretanto na quinta-feira à noite que a partilha de dados pela Câmara de Lisboa com embaixadas "é uma rotina", denunciando que situação idêntica ocorreu em 2019 com a Embaixada de Israel.
Neste seguimento, o jornal Público de hoje revela precisamente que a CML "também enviou dados a Israel, China e Venezuela".
As reações
Na Madeira a propósito das manifestações do Dia de Portugal, o Presidente da República considerou "efetivamente lamentável" a partilha de dados sobre ativistas russos com as autoridades daquele país, afirmando que estão em causa "direitos fundamentais".
Marcelo Rebelo de Sousa considerou, para lá disso, que há procedimentos administrativos, porventura em toda a Administração Pública, que não acompanharam a evolução dos dados pessoais e direitos fundamentais.
O dirigente socialista Pedro Nuno Santos saiu hoje em defesa do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), afirmando que Fernando Medina não pactua com desrespeito dos direitos humanos e criticando quem tem tentado "obter ganhos políticos".
O Bloco de Esquerda também reagiu, pela voz de Catarina Martins, exigindo conhecer todos os casos em que a Câmara de Lisboa, assim como outras autarquias do país, forneceram dados pessoais de promotores de manifestações a países estrangeiros ou a empresas.
O presidente do CDS-PP sustentou que a partilha de dados de três ativistas anti-Putin residentes em Portugal entre a Câmara de Lisboa e as autoridades russas "representa um ato de terrorismo político e subserviência".
O PAN, pela voz de Inês Sousa Real, repudiou que a Câmara de Lisboa tenha partilhado dados e pediu um "cartão vermelho" ao presidente da autarquia, Fernando Medina, nas próximas eleições.
O presidente do Chega disse, em Santarém, que o Ministério Público deve investigar se existiram pressões para que tenham sido facultados dados pessoais de ativistas russos a Moscovo e pediu que Fernando Medina tire "consequências políticas desta situação".
Carlos Moedas voltou ontem ao 'ataque' e insistiu que Fernando Medina tem de assumir as responsabilidades políticas e demitir-se do cargo de presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
O partido Aliança partilha do entendimento de Moedas e defendeu que Medina deveria apresentar a "sua imediata demissão do cargo".
Antes das explicações de Medina, já havia reações
Rui Rio, antes de a Câmara e de Medina se terem pronunciado, considerou que o envio de dados pessoais de três manifestantes à Rússia é "gravíssimo" e tinha "que ser esclarecido".
Por sua vez, a delegação do PSD no Parlamento Europeu (PE) questionou várias instituições da União Europeia (UE) sobre o impacto do alegado envio para Moscovo pelo presidente da autarquia lisboeta de informações sobre cidadãos que protestaram junto da embaixada russa.
O CDS tinha também questionado o presidente da Câmara de Lisboa sobre o envio de dados pessoais de três manifestantes, classificando a situação como "inaceitável".
O secretário-geral do PCP tinha afirmado, em Santarém, que, a confirmar-se, "tem gravidade" a prestação, pela Câmara de Lisboa, de informação à Rússia sobre cidadãos daquele país.
O partido Livre condenou e exigiu o "cabal e público esclarecimento" sobre a "involuntária ou voluntária" partilha de dados de três ativistas anti-Putin residentes em Portugal.
A Iniciativa Liberal (IL) exigiu que o presidente da Câmara de Lisboa assumisse as responsabilidades políticas perante o caso.
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