José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, revelou, esta quinta-feira, que o Governo está a trabalhar numa nova proposta de projeto-lei para "promover uma atualização da lei de 1974, relativa ao exercício do direito à manifestação", a propósito da divulgação dos dados de três ativistas russos à embaixada da Rússia em Portugal.
Após ter destacado que o presidente da Câmara de Lisboa, assumiu as responsabilidades do erro, que pediu "desculpas aos promotores da manifestação" e que "exigiu à embaixada que apagasse estes dados pessoais", José Luís Carneiro sublinhou que o problema também se prendeu com a lei do exercício do direito à manifestação.
"O sucedido também resulta de uma lei de 1974, totalmente desatualizada", argumentou, em conferência de imprensa, na Federação do Porto, acrescentando que, por isso, o Governo vai trabalhar na atualização deste diploma, prevendo que a proposta esteja pronta até setembro.
PS critica PSD e Rui Rio: "Em política não pode valer tudo"
Contudo, em nome do PS, o responsável lamentou, para além da situação, os ataques levados a cabo pelas oposições políticas do partido sobre esta situação, classificando-as de "oportunismo e cinismo político", "muito particularmente do PSD".
"Oportunismo porque já foram dadas as explicações que tem que ver com um procedimento que é adotado pela Câmara de Lisboa desde que os governos civis foram extintos. (...) De cinismo porque, por um lado, o líder do maior partido da oposição vem criticar o sucedido e lamentar os efeitos para a imagem e para a reputação do país, mas, ao mesmo tempo, sabemos que os deputados do PSD, enquadrados no Partido Popular Europeu, pretendem levar um assunto desta natureza ao Parlamento Europeu", criticou.
Mas, o ataque a Rui Rio não ficou por aqui, com José Luís Carneiro a ir mais longe nas críticas ao presidente do partido 'laranja':
"Esta atitude cínica do líder do PSD rompe com um principio fundamental que diz respeito à política externa de não se utilizar matérias sensíveis de cariz diplomático ou consular para efeitos de política interna. Sabemos todos que estamos num período eleitoral para as autárquicas, mas, em política, não pode valer tudo. E fica especialmente mal a um líder político, (...), vir fazer política interna com uma matéria tão complexa e sensível como esta", atirou.
Os jornais Expresso e Observador noticiaram na quarta-feira que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.
Em conferência de imprensa, ao fim da manhã de quinta-feira, Fernando Medina admitiu que foi feita a partilha de dados pessoais dos três ativistas, pediu "desculpas públicas" e assumiu que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido".
Os três ativistas russos, cujos dados foram partilhados, anunciaram que vão apresentar uma queixa na justiça contra a Câmara Municipal.
Na conferência de imprensa, o autarca explicou que a partilha de dados resultou de "um funcionamento burocrático" da autarquia sobre realização de manifestações, entretanto já alterado em abril: Os promotores de uma qualquer manifestação devem comunicá-la à câmara até 48 horas antes da data, indicando o local, hora e dados de quem organiza.
Esses dados são partilhados com a PSP, o Ministério da Administração Interna e "as entidades onde a manifestação se vai realizar", explicou Fernando Medina. Neste caso, a entidade era a embaixada da Rússia em Lisboa.
"É aqui que há o erro da Câmara, tratando-se desta manifestação esta informação não podia ter sido transmitida", disse.
No entanto, a explicação de que a embaixada da Rússia foi informada "por ser esse o local da realização da manifestação" contradiz uma explicação dada em 2019 pela Câmara de Lisboa, de que uma embaixada é informada "sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação", independentemente do local onde se realiza.
O caso originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento da Amnistia Internacional e de partidos políticos, nomeadamente do PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, Livre e Volt Portugal.
À margem das comemorações do Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse aos jornalistas que a partilha de dados foi lamentável.
"Realmente é lamentável que isso tenha acontecido, e percebo o pedido de desculpa do senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O que ele disse é, no fundo, aquilo que todos os responsáveis sentem, que não devia acontecer, não devia ter acontecido e espera-se que não volte a acontecer", considerou.
Carlos Moedas, candidato do PSD à Câmara de Lisboa, pediu a demissão de Fernando Medina e o partido Aliança disse que vai participar o caso à Procuradoria-Geral da República.
À noite, na RTP, Fernando Medina desvalorizou os pedidos de demissão, apelidando-os de "delírio de oportunismo político": "Estamos num tempo político em que o aproveitamento político é muito evidente".
Entretanto, a Comissão Nacional de Proteção de Dados fez saber que abriu um processo de averiguações à partilha de dados pessoais dos três ativistas russos.
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