"A Câmara Municipal do Porto está viciada em propaganda"

Tiago Barbosa Ribeiro, candidato pelo Partido Socialista à Câmara do Porto, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Filipa Matias Pereira e Melissa Lopes
06/09/2021 09:30 ‧ 06/09/2021 por Filipa Matias Pereira e Melissa Lopes

Política

Autárquicas

O socialista Tiago Barbosa Ribeiro, de 38 anos, tem em mãos talvez a missão mais difícil da sua carreira política: reconquistar a cidade do Porto para o PS 20 anos depois. Em entrevista ao Notícias ao Minuto, a menos de um mês das eleições autárquicas, garante que o partido está de corpo e alma na disputa eleitoral na Invicta e destaca o "facto objetivo" de a sua candidatura ter sido votada por unanimidade nos órgãos do PS. 

Aponta a habitação como o problema número um, dois e três do Porto, o qual pretende resolver com um programa de arrendamento acessível, com  "valores adequados aos salários dos portuenses". Para isso,  pretende mobilizar terrenos e imóveis do município; continuar a converter imóveis do Estado Central; utilizar fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para financiar nova construção e habitação e ainda criar parcerias com privados. 

O líder do PS/Porto acusa Rui Moreira, atual presidente da Câmara Municipal do Porto, de "estar viciado em propaganda", considerando que o seu projeto está "esgotado" e em "fim de ciclo". Observa que a Invicta é uma "cidade em perda" em vários domínios e lamenta que o Porto tenha vindo a perder "a capacidade de ser, de certa forma, a cabeça da região devido a uma visão mais paroquial que o Dr. Rui Moreira tem da autarquia". 

Em matéria de ambiente, o socialista propõe que o Porto antecipe em 10 anos as metas de neutralidade carbónica que estão estabelecidas para o país em 2050. 

A candidatura do PS à Câmara do Porto saiu 'a ferros', depois de o secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro, ter desistido e de José Luís Carneiro se ter autoexcluído. O PS está nesta corrida ao Porto de corpo e alma? Sente-se totalmente apoiado pelo partido?

Sim, absolutamente. Foi um processo que teve a sua complexidade como em todos os partidos. Em relação a todos estes processos de escolha, muito do que foi dito não corresponde ao que estava a acontecer. Eu próprio li, com humor, algumas notícias, que me referiam [como candidato] já desde abril.

São processos que vão sendo discutidos na comunicação social sem que se perceba efetivamente quem é que o está a discutir. O facto objetivo é que foi uma candidatura votada por unanimidade nos órgãos do Partido Socialista, tem apoio de todo o PS e mobiliza todo o PS e muito além dele, nomeadamente muitos portuenses, muitos cidadãos da cidade que se têm vindo a associar a esta candidatura, como é o caso do meu mandatário, o Engenheiro José António Barros, e que me deixa muito satisfeito. 

A discussão interna não abalou a candidatura?

Num partido democrático, as discussões internas não abalam, fortalecem. Aquilo que muitas vezes se transmite sobre as discussões é que tem pouco a ver com aquilo que efetivamente aconteceu. Isso teve o seu tempo, teve a sua fase, hoje em dia é extemporâneo ter esse debate. 

De que forma pensa conseguir resolver o problema da falta de habitação acessível na cidade?

Em primeiro lugar, é preciso perceber a gravidade do problema da habitação na cidade do Porto. Tenho designado a questão da habitação como os problemas número 1, 2 e 3 que queremos atacar, porque o Porto tem sido a cidade do município em que os preços da habitação mais têm aumentado. Foi o município onde mais aumentou o preço médio da habitação no final do ano passado.

O Porto é uma cidade que está socialmente dividida pelo preço da habitação

Já no primeiro trimestre deste ano, voltou a ter esse aumento e, para termos ideia do que falamos, entre o primeiro trimestre de 2016 e de 2021, o valor mediano por metro quadrado na cidade do Porto aumentou 105%. Portanto, o Porto é uma cidade que está socialmente dividida pelo preço da habitação. E isto diz respeito não apenas àqueles que vivem em casas arrendadas no Porto e têm receio - legítimo - de deixar de poder pagar em breve o seu arrendamento e deixar de poder viver na cidade, mas também a muitos daqueles portuenses, filhos e netos de portuenses que querem viver na cidade e que não conseguem por causa do preço da habitação. Temos de encarar este problema de frente ou corremos o risco de ter uma cidade profundamente dividida entre os moradores dos bairros sociais, cerca de 13% da população, e aqueles que conseguem pagar casas milionárias na cidade do Porto.

Temos um Porto elitista?

Temos um Porto socialmente dividido e, portanto, precisamos de ter um programa para a habitação para a classe média e perceber que a habitação é uma questão de política pública, é um direito constitucional, um direito fundamental. E é sobre isso que queremos intervir. Nós não acreditamos que se possa deixar o mercado a funcionar livremente sem intervenção dos poderes públicos perante este problema e aqui a Câmara Municipal do Porto tem muito a fazer. 

Portanto, o que propõe é?

Apresentaremos o nosso programa eleitoral esta semana, mas posso antecipar várias medidas que queremos que mudem significativamente esta realidade. Em primeiro lugar, vamos lançar um programa de arrendamento acessível, com valores adequados aos salários dos portuenses, e mobilizar para o mesmo terrenos e imóveis do município. Em segundo lugar, vamos utilizar fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para financiar nova construção e habitação no âmbito do programa de arrendamento acessível. Não sei o que a Câmara Municipal do Porto está a fazer a este nível, há muito pouca iniciativa neste âmbito do PRR, não especificamente na habitação mas também. 

Em terceiro lugar, queremos converter imóveis do Estado Central, sobretudo na área da Segurança Social e da Defesa, como aliás tem vindo a acontecer. O Governo tem feito a sua parte, com a transferência do Monte Pedral aqui na cidade ou mais recentemente alguns imóveis que foram reconvertidos do Ministério da Defesa, nomeadamente na Avenida de França e noutras zonas da cidade, e que permitiram criar cerca de 200 fogos de habitação acessível. Portanto, o Governo está a fazer a sua parte, é importante o diálogo e a iniciativa do município para ter mais imóveis disponibilizados para o programa de arrendamento acessível. 

Vamos também criar parcerias com parceiros privados e com outros. Por exemplo, a Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) - com quem já tive oportunidade de reunir - é o maior senhorio da cidade do Porto e o maior proprietário não público e está muito disponível para entrar num programa de arrendamento acessível dirigido e mobilizado pelo município. Mas o município, até hoje, não teve conversas com a Santa Casa relativamente a esta matéria. E quem diz a SCMP - da qual tenho luz verde-, diz outros parceiros que iremos mobilizar para este programa.

Vamos apoiar a reconversão do alojamento local em alojamento residencial de longa duração. A CMP tem um programa para isso que não funciona, chamado ‘Porto com Sentido’. Mais valia chamar-se ‘Porto sem Sentido’ 

E qual a sua visão ao nível do alojamento local?

Ao nível do alojamento local, que se relaciona muito com o crescimento dos preços na cidade do Porto, dou o exemplo da freguesia que mais tem alojamento deste tipo registado, Cedofeita, na união de freguesias que engloba o centro histórico do Porto. 73% das unidades de alojamento local registadas em 2021 no Porto estavam em Cedofeita. Ora, esta é precisamente a freguesia que, segundo os censos, entre 2011 e 2021, mais alojamentos residenciais perdeu. Falamos de 12,6% dos alojamentos residenciais, o que se compreende porque passaram para alojamento local. E o valor da mediana por metro quadrado em Cedofeita, entre 2016 e 2021, aumentou 155%, enquanto na cidade aumentou 105%. Temos aqui uma evidência da relação entre o que é uma expressão muito significativa e desequilibrada do alojamento local em conflito com o alojamento residencial.

Vamos apoiar a reconversão do alojamento local em alojamento residencial de longa duração. A Câmara Municipal do Porto tem um programa para isso que não funciona, chamado ‘Porto com Sentido’. Mais valia chamar-se ‘Porto sem Sentido’, porque não tem tido qualquer tipo de impacto positivo relativamente aos seus objetivos. Vamos definir então como zona de contenção de novas unidades de alojamento local todo o centro histórico do Porto, que é onde mais significativamente se faz sentir a pressão imobiliária ao longo dos últimos anos. Vamos ainda penalizar fiscalmente os imóveis devolutos. Estes não só não estão no mercado de arrendamento ou de venda residencial de imóveis, como contribuem para a degradação da cidade. Vamos ter uma política muito dinâmica de penalização fiscal destes imóveis. 

Vamos fazer com que uma percentagem dos licenciamentos urbanísticos na cidade do Porto para habitação sejam convertidos no programa de arrendamento acessível. E, por último, não só vamos estimular as cooperativas de habitação que têm uma grande tradição na cidade do Porto e que têm vindo a perder-se ao longo dos últimos anos, como também vamos reconverter algumas ilhas.  Entendemos que, com a conjugação de todas estas medidas, e outras que teremos, vamos conseguir inverter esta realidade e deixar que o município do Porto seja o município onde os preços mais têm subido no país. 

Falou em vários parceiros disponíveis, designadamente a Santa Casa, para colaborar no tema do arrendamento acessível. Porque é que a autarquia do Porto ainda não se lançou para explorar essa estratégia?

É uma boa pergunta e creio que há, nesta área e não só, uma grande inação do município. A inação também se vê na mobilidade, no apoio à economia e noutros domínios da cidade que estão a necessitar de intervenção e o município não tem energia, vontade e projeto para intervir na cidade.

Para além disso, no caso da habitação, há aqui uma questão ideológica. O Dr. Rui Moreira é apoiado por partidos e ele próprio terá uma visão mais liberal sobre a vida social e em particular sobre a habitação. Não será considerada um direito social, não será considerada um direito constitucional. E, portanto, tem deixado ao mercado a gestão das políticas de habitação na cidade do Porto. Comigo, quem vai gerir as políticas de habitação na cidade do Porto é mesmo o município, em articulação com os instrumentos e a legislação do Governo e do Estado Central. 

No domínio da habitação, há aqueles para quem o mercado tudo deve determinar e há outros, como eu, que acreditam que as políticas públicas devem corrigir aquilo que está errado.

A Câmara Municipal do Porto, que vive muito de propaganda e está viciada em propaganda, consegue transformar o preto no branco e o branco no preto

Além desta questão da habitação, que outras propostas tem previstas para contrariar a perda de população a que se tem assistido, no Porto, nos últimos anos?

Esse é um dado: o Porto tem vindo a perder habitantes. A Câmara Municipal do Porto, que vive muito de propaganda e está viciada em propaganda, consegue transformar o preto no branco e o branco no preto. Mas, de facto, a população no Porto tem vindo a decair. O número de eleitores nos últimos quatro anos caiu mais do que a perda de residentes, o que demonstra aqui outro tipo de tendências que deve ser analisada de forma mais fina. Ao longo dos últimos anos, o Porto tem sido uma cidade em perda, em perda de habitantes, em perda de economia, em perda de qualidade de vida. É uma cidade em que há muitas necessidades que não têm vindo a ser salvaguardadas.

No caso da perda de habitantes, eu creio que a habitação é o problema fundamental. As pessoas têm saído da cidade porque os preços da habitação são proibitivos para a carteira da generalidade da classe média. Os portugueses de classe média não conseguem viver na cidade do Porto e isso é o problema número um que temos de ultrapassar para voltar a ter habitantes.

Mas há outros, naturalmente. Nós vemos que o Porto é uma cidade com pouca qualidade de vida em diferentes áreas. Ao nível da mobilidade, no Porto existem enormes estrangulamentos de mobilidade que retiram qualidade de vida. Esta é uma cidade estrangulada em que se perdem horas em deslocações diárias e as intervenções que a Câmara tem feito têm sido erradas, agravando o problema. 

Já ao nível da economia, a cidade tem vindo a perder a dinâmica económica que já teve noutras épocas. O Porto tem estado essencialmente dependente do setor turístico, e muito pouco relacionado com os setores mais dinâmicos, com a universidade, com a nossa academia, com o Instituto Politécnico do Porto (IPP), com 'startups' tecnológicas, com o setor industrial de toda a região Norte. A Câmara do Porto tem vindo a perder essa capacidade de ser, de certa forma, a cabeça da região devido a uma visão mais paroquial que o Dr. Rui Moreira tem da autarquia.

Por outro lado, se queremos que os jovens venham viver para a cidade, inverter a trajetória de envelhecimento do Porto, temos de ter não só condições para as pessoas viverem, mas para terem qualidade de vida. Falamos, por exemplo, de um programa público de creches. Vou lançar um programa de creches por parte do município em articulação com o Estado Central e com o setor solidário. 

Já tive oportunidade de apresentar este programa à CNIS [Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade] e ao seu responsável, o Padre Lino Maia, e estes ficaram muito entusiasmados, considerando que este programa faz falta na cidade. Esta estratégia irá permitir que mais casais jovens possam viver no Porto e ter perto de casa uma creche.

O que vemos do outro lado [na candidatura de Rui Moreira] é um projeto esgotado, um projeto em fim de ciclo e que não se percebe muito para quê nem em nome de quê se candidata

Destacou que a cidade está em “perda”, nomeadamente ao nível “económico”. Como planeia, portanto, atrair mais investimento para a cidade? E o que fará para ultrapassar o que já apelidou de “inferno burocrático” que os investidores enfrentam quando tentam dialogar com a autarquia?

Enfrentam, é verdade. A autarquia tem tido um discurso de autossuficiência e de autossatisfação, por exemplo em relação ao setor turístico, sem perceber as necessidades de reequilíbrio do próprio setor. 

No final do ano havia, para além de todos os empreendimentos turísticos que já existiam, 98 empreendimentos novos [afetos a esta atividade] em licenciamento na Câmara do Porto, dos quais 84 hotéis e a maioria no centro histórico. É importante perceber que tudo isto desequilibra o setor turístico e tira-lhe qualificação. 

Adicionalmente, os investidores que querem investir no setor turístico ou noutro enfrentam um inferno burocrático. Quem quer criar postos de trabalho na cidade tem de ter a capacidade de se relacionar com a Câmara Municipal do Porto para licenciar os seus investimentos e esta, por sua vez, tem de ser ágil. Não se pode estar meses ou anos à espera da resposta da Câmara, como tem acontecido ao longo dos últimos meses. Tenho tido muitas queixas nesse sentido. Nós vamos criar uma verdadeira 'via verde' para o investimento na cidade do Porto.

Por outro lado, os setores do comércio e da restauração, que são fundamentais na cidade, foram abandonados pela autarquia durante a pandemia. A Câmara investiu menos ou apoiou menos a economia e as famílias do que municípios menores como Sintra, Vila Nova de Gaia ou Matosinhos. Já em comparação a Lisboa, o Porto investiu 15 vezes menos. Isto é intolerável. E portanto, a CMP, que tem um discurso de valorização do turismo, do comércio e de todos os setores associados, deixou-os ao abandono durante a pandemia. Não permite, para lá disso, investimentos com celeridade na cidade, nem equilíbrios com os portuenses que já cá vivem, no caso de licenciamentos para substituição de habitação residencial. 

No domínio do investimento, é muito importante mobilizar fundos do PRR e do [Portugal] 2030. Vamos criar uma equipa especificamente dedicada à elaboração de projetos que sejam elegíveis no âmbito do PRR. Esta é uma oportunidade que é criminoso perder e a CMP tem estado muito pouco ágil no desenvolvimento de projetos e na captação de investimento ao abrigo destes instrumentos. É inaceitável que isto assim seja e é importante criar esta dinâmica para os próximos anos. O que vemos do outro lado [na candidatura de Rui Moreira] é um projeto esgotado, um projeto em fim de ciclo e que não se percebe muito para quê nem em nome de quê se candidata.

Por fim, neste âmbito, vamos  criar uma estrutura permanente da CMP em Bruxelas para dialogar diretamente com as instituições europeias no âmbito de projetos que sejam elegíveis para a CMP e para o município se candidatarem, em articulação com a CCDRN, com o Eixo Atlântico e com as grandes instituições da região, com a Universidade do Porto, o IPP e com o setor empresarial. A ideia passa, no fundo, por criar uma agência de captação de investimento para a cidade e este é um trabalho que não tem sido feito de forma sistemática, coordenada, diplomática. 

Equiparou, na apresentação da sua candidatura, o Porto a um 'donut', considerando que foi outrora um grande centro social e político e já não o é. O que levou a Invicta a este declínio? É culpa direta de Rui Moreira?

O que temos visto são más lideranças na CMP. Quando falamos do Porto 2021, neste dia, vemos o que os projetos que ainda hoje marcam a cidade, os que ainda hoje são distintivos, são os que foram feitos quando o Partido Socialista governou a CMP na década de 90.

Como por exemplo?

Dou vários exemplos: capital Europeia da Cultura, que permitiu aliás, com todos os investimentos da Porto2001, antecipar e revolucionar a procura turística na cidade com as obras que foram feitas nomeadamente na baixa da cidade. O Porto Património Mundial da Humanidade. A recuperação ou reconstrução, consoante os casos, do Rivoli, da Casa da Música, do Teatro do Campo Alegre, do Coliseu, a construção das ETAR do Freixo e de Sobreiras que foram fundamentais para a despoluição do Rio Douro e para a procura turística. A criação do grande pulmão verde da cidade, o Parque da Cidade, mas também o Parque da Pasteleira, a eliminação de três mil barracas na cidade numa altura em que estas existiam um pouco por toda a parte, o alargamento por exemplo do saneamento a toda a cidade. E o projeto mais paradigmático desse período, creio eu, foi o Metro do Porto, que hoje em dia está com uma nova fase de expansão e que é essencial para as políticas de descarbonização e de proteção ambiental. Estes são projetos que marcam o Porto para as épocas subsequentes e nós, ao longo dos últimos 20 anos, não tivemos uma liderança, não tivemos visão e não tivemos projeto. Pergunto qual é o projeto que os portugueses identificam durante os 12 anos do Dr. Rui Rio. Vai ser difícil encontrá-lo.

E qual é o grande projeto do Dr. Rui Moreira? Passados oito anos, continua a anunciar as mesmas obras para os próximos quatro, o que é algo verdadeiramente notável e já passou quase uma década. E, portanto, o que é preciso demonstrar é que a política faz diferença, as lideranças políticas fazem diferença e os projetos fazem diferença. É preciso um projeto e uma ambição para a cidade do Porto, percebendo o que está mal, o que é preciso mudar, e o que está bem e no qual não é preciso mexer, como é o caso da identidade do Porto que é sempre muito forte. 

Aponta o ‘dedo’ à campanha de Rui Moreira por não contemplar o combate à crise climática. Esta é também uma das suas bandeiras? O que propõe nesta área?

A emergência climática é a verdadeira ameaça existencial da nossa vida. Vivemos uma pandemia com muitas dificuldades, estamos felizmente a sair dela, mas vemos as disrupções brutais que têm existido por todo o mundo com as alterações climáticas e aquilo que nos espera, se não fizermos nada, é um cenário verdadeiramente dantesco.

As cidades por todo o mundo são, basicamente, as linhas avançadas do combate às alterações climáticas porque é ali que se concentra o maior número de atividades poluentes, de população e a maior capacidade de invertermos o ciclo. É muito importante que a cidade do Porto dê um sinal relativamente a isso. Temos visto, ao nível da mobilidade, o investimento que está a ser feito pelo Governo no âmbito da expansão do Metro do Porto, que será um aliado fundamental na transição das mobilidades poluentes para não poluentes ao longo dos últimos anos, mas é preciso fazer muito mais. A proposta que tenho no programa com base num conjunto de medidas será que o Porto antecipe, em 10 anos, na cidade, as metas de neutralidade carbónica que estão estabelecidas para o país em 2050.

E como se alcança esse desígnio? 

Implica que até 2040 a cidade reconverta tudo o que sejam atividades emissoras, a necessidade de eficiência energética dos edifícios, as componentes térmicas, as componentes de mobilidade, os postos de carregamento elétrico que, neste momento, são inexistentes dentro da cidade e um conjunto de investimento que, desde logo, têm de ser feito ao nível dos edifícios, da gestão e das 'smart cities', em articulação com a nossa academia e com as empresas. 

Para que o Porto seja uma cidade de emissões zero nas suas atividades, na sua vivência diária, na gestão e separação de resíduos, em todas as componentes da nossa vida diária, a CMP tem de apresentar um conjunto de medidas que procurem apoiar a transformação da cidade. Esta temática também tem uma componente forte de criação de emprego e dinamizadora da economia. 

Estas medidas representam investimentos para os quais existirão verbas, ao abrigo de fundos de transição energética, que permitem intervir sobre o património, o edificado, a eficiência térmica e energética, dando mais qualidade de vida às pessoas que vivem nas suas habitações, mas também ao nível da mobilidade e de outro tipo de investimentos que têm de ser feitos para a criação de mais jardins, telhados verdes e gestão de tráfego, por exemplo. 

Foi surfar a onda [do turismo] que não é propriamente nenhuma estratégia a não ser que sejamos surfistas, coisa que não me consta que o Dr. Rui Moreira seja

O Porto, à imagem de outras cidades, surfou a onda do turismo. Foi uma aposta errada do atual líder do executivo camarário? O que faria diferente?

Eu diria que não é uma aposta porque foi basicamente o 'laissez-faire'. Não houve qualquer tipo de estratégia. Foi surfar a onda que não é propriamente nenhuma estratégia a não ser que sejamos surfistas, coisa que não me consta que o Dr. Rui Moreira seja. O que assistimos nos últimos anos foi uma enorme procura pelo setor turístico na cidade do Porto. Isto não é mau, gostaria de deixar isto absolutamente claro. Qualquer discurso anti-turismo é absurdo e não faz sentido. O turismo é um setor muito importante da economia portuguesa e, naturalmente, da cidade do Porto, no qual muita gente investiu nos anos antes da anterior crise, e tudo isso é de valorizar.

Mas temos de perceber que a forma como a CMP se demitiu de fazer política pública também em torno do turismo levou àquilo que hoje em dia vemos: a uma cidade que não tem qualquer tipo de contenção do alojamento local. Levou também ao esvaziamento absoluto, por exemplo, do centro histórico do Porto, à descaracterização da identidade de partes substanciais do Porto que são fundamentais para os turistas procurarem e se interessarem pela cidade. Levou ainda a um turismo muitas vezes de baixa qualidade e de baixo valor acrescentado.

Temos de investir num turismo de elevado valor acrescentado. Não é, passo a expressão, no turismo Mcdonalds. Precisamos de investir no turismo de congressos, da saúde e nos turistas que querem fazer o pequeno city break, vir ao fim de semana ao hotel, ao restaurante, ao Douro. O que não tem acontecido, ao longo dos últimos anos, é uma estratégia que permita articular, em primeiro lugar, o próprio setor turístico, porque o que temos visto ao longo dos últimos anos é a retirada de valor ao setor pela inexistência de políticas públicas. São os representantes do setor turístico que dizem isto.

Em segundo lugar, vimos um desequilíbrio enorme nos direitos ao uso da cidade, nomeadamente a viver nela, pela inexistência de equilíbrio entre os licenciamentos hoteleiros, os licenciamentos de alojamento local e as residências. E, em terceiro lugar, temos visto uma enorme desarticulação da estratégia de procura e de promoção turística do Porto em articulação com toda a região norte. 

Se há alguém que tem uma visão colonialista dos outros é mesmo a atual liderança da Câmara Municipal do Porto e deveria ter um bocadinho mais de modéstia

Alinha com Rui Moreira na crítica que faz relativamente ao trabalho da TAP no Porto? O autarca afirmou, e passo a citar, que a "TAP é uma empresa que tem uma visão colonial do país. É a última empresa colonial e, portanto, trata o resto do país como uma colónia. E sempre foi assim [na gestão privada como na pública]. É assim em Faro, é assim nos Açores, na Madeira e no Porto. A TAP não é contra o Porto. (...) A TAP acha que Lisboa é que é importante".

Sobre a TAP e outras questões, o Dr. Rui Moreira já disse um pouco de tudo e o seu contrário e, portanto, é difícil acompanhar uma posição coerente sobre essa matéria. O Dr. Rui Moreira, neste tema, fala em nome de outras regiões do país quando ele próprio não consegue articular-se com a Área Metropolitana do Porto (AMP) para trabalhar temas que dizem respeito ao Porto e à Área Metropolitana e a toda a região Norte. Se há alguém que tem uma visão colonialista dos outros é mesmo a atual liderança da Câmara Municipal do Porto e deveria ter um bocadinho mais de modéstia e mais capacidade de diálogo na relação com os outros municípios e as outras regiões porque isso seria benéfico para todos.

No caso da TAP, entendo que esta não tem servido devidamente o aeroporto do Porto e não tem servido devidamente outros aeroportos do país. E portanto entendo que, chegando-se a um entendimento que é importante numa companhia aérea de bandeira, que deve merecer o esforço dos contribuintes, essa tem de servir todo o país e todas as regiões de forma equitativa.

Devo dizer também que não tenho nada aquela posição em que o Dr. Rui Moreira quase transforma a Câmara do Porto numa espécie de agência da Ryanair. Parece um absurdo estar a comparar companhias aéreas de bandeira com outras que não o são. Companhias que pagam os seus impostos em Portugal, que respeitam a legislação, que criam postos do trabalho não precários no aeroporto do Porto nas suas rotas, como é o caso da TAP. Comparar isso com outro tipo de companhias, que de um dia para o outro levantam âncora e não articulam políticas públicas com a procura e as necessidades do país e dos aeroportos da região, parece-me profundamente errado.

Também seria importante, neste cenário, que o Dr. Rui Moreira tivesse capacidade de diálogo na Euroregião. Já tive oportunidade, no âmbito da expressão do Porto, para além das suas fronteiras, de ter uma reunião na Galiza, com o Eixo Atlântico, com a autarquia de Santiago de Compostela, tenho vindo a fazer esse trabalho em rede e há uma enorme crítica e um desalento por a CMP não participar nesta estrutura, não estabelecer pontos de diálogo e não intervir na Euroregião, em relação à qual o Porto evidentemente tem de ser uma voz ativa.

O Porto tem de ser uma das cabeças da Euroregião, onde se incluiu o Norte e a Galiza, e isso implica uma forma descomplexada de olhar para estes assuntos, não paroquial, e uma capacidade de dialogar com todos sem colonialismos como muitas vezes parece existir a partir dos discursos do Dr. Rui Moreira. 

Criticou o facto de o Porto ter gastado muito menos no combate à pandemia do que outros municípios. Que avaliação global faz da ação da CMP neste domínio?

Numa componente de comunicação e propaganda, a nota é positiva. Naquilo que é o concreto, e que muitas vezes é difícil de distinguir daquilo que é propaganda - porque a CMP, como uma autarquia viciada em propaganda, propagandeia muito de coisas que acaba por não fazer ou que não lhe dizem respeito - teve as responsabilidades que teve e que se valorizam como todos os municípios, na medida em que terá tido intervenção articulada com as autoridades de saúde. Teve muitas intervenções que excederam largamente aquilo que era necessário, desejável, expectável e que não contribuiu em nada para soluções de combate à pandemia e que, aliás, gerou muitas vezes ruído desnecessário e desconfiança nas autoridades de saúde. 

(...) Este é o modelo de funcionamento do Dr. Rui Moreira, que é um modelo ora de desresponsabilização, ora de vitimização

Em que casos é que isso aconteceu?

Quando o Dr. Rui Moreira decidiu tirar a confiança à diretora-geral da Saúde [Graça Freitas] e à Direção-Geral da Saúde, que tem feito um trabalho consensualmente notável. Felizmente ninguém lhe ligou. Depois, o exemplo das estruturas de recuo para idosos, que foram feitas em todo o país no âmbito da Pousadas de Juventude, integradas e dirigidas pela Movijovem e pelo Governo, e que o Dr. Rui Moreira foi rapidamente a correr aparecer na fotografia.

Ou, mais recentemente, com a situação do Queimódromo, em que o Dr. Rui Moreira, se não as apagou, tem dezenas de notícias no site da CMP a pressionar ativamente as autoridades de saúde e o Governo para a abertura daquele centro que teve os problemas que são conhecidos. Era o único centro gerido por uma empresa privada no país, que teve um conjunto de vacinas que foram administradas à margem dos protocolos e relativamente ao qual a CMP fez uma propaganda tremenda. De janeiro até julho, fez pressão sistemática sobre as autoridades, sobre a Task Force para abrir esse centro e, quando houve um problema, desapareceu. Este é o modelo de funcionamento do Dr. Rui Moreira, que é um modelo ora de desresponsabilização, ora de vitimização.

E quando aparece a falar sobre o assunto, fala sobre uma posição que o PS tomou sobre essa matéria, cerca de sete/oito dias depois de o problema ter acontecido. Veio falar, uma vez mais, substituindo-se à Task Force e ao seu coordenador, dizendo que aquele centro era absolutamente determinante para o sucesso absoluto da vacinação no Porto e no país. Eu não me substituo à Task Force, não sei se é ou se não é. Ouvi, uns dias depois, o vice-almirante Gouveia e Melo dizer que o centro não era manifestamente necessário. Resta saber se uma vez mais não foi um exercício permanente de propaganda e de autocontemplação do Dr. Rui Moreira. Dei vários exemplos do ruído tremendo que foi provocado neste processo em vários momentos por uma autarquia viciada em propaganda e por uma autarquia viciada em criar factos de comunicação e de colocar uns contra os outros. 

No âmbito do dossier ‘Afeganistão’, enviou a Rui Moreira uma carta apontando o silêncio sobre a crise humanitária no Afeganistão. Como analisa a resposta do autarca, que deixou o tema, essencialmente, nas mãos do Governo? 

Interpreto como o exemplo perfeito do modelo de funcionamento do Dr. Rui Moreira: é que nada é com ele. Nenhum assunto lhe diz respeito, nenhum problema do mundo passa pela sede da autarquia a não ser assuntos que não dizem respeito à autarquia e sobre os quais ele entende intervir. É um exemplo paradigmático da forma como a CMP se comporta nestes temas e noutros. 

Neste caso, deveria ter sido um exemplo simbólico de como a CMP, assim como outras autarquias e instituições acabaram por fazer, se deveria ter disponibilizado publicamente para articular a receção de alguns refugiados, pessoas que estão a fugir de um drama humanitário, que colaboraram com o Estado português no Afeganistão e com a NATO e que estão em risco. 

Estes refugiados têm estado a chegar a Portugal e a Santa Casa da Misericórdia do Porto tomou uma posição pública nessa semana, disponibilizando-se para recebê-los. 

No momento em que estavam várias instituições do país e da cidade a manifestar essa disponibilidade, sendo o Porto uma cidade aberta, tolerante e plural, teria sido muito positivo que o Dr. Rui Moreira a tivesse manifestado também. Isto porque o tema também conta no espaço público, conta quando os responsáveis políticos intervêm publicamente, nem que seja de forma simbólica. Não foi o caso, lamenta-se e há uma desresponsabilização e uma vez mais o assunto não é com a CMP, tal como não seria com nenhuma das outras câmaras que manifestaram - e bem - essa disponibilidade e que ajudaram o Alto Comissariado e as autoridades que estão a trabalhar sobre esta matéria. Foi uma oportunidade perdida para mostrar o Porto nesse âmbito. 

A ‘sondagem’ que eu quero ganhar é a do dia 26. Essa é a grande sondagem da urna, digamos assim. É nisso que estou focado e empenhado


Uma sondagem para a TSF, JN e DN dá uma vitória muito expressiva a Rui Moreira com 74% dos votos. E aponta para um empate entre o PS e a CDU (Ilda Figueiredo), com 27%. A confirmarem-se estes resultados, será uma grande derrota para os socialistas? Acha que ainda vai a tempo de fazer diminuir essa diferença para Rui Moreira e surpreender nas urnas?

Recomendava que as sondagens fossem analisadas sempre com muita prudência. Isto é válido para todas as sondagens mas especificamente no Porto, onde ao longo dos anos as sondagens são muitas vezes desmentidas no dia das eleições. E, portanto, a ‘sondagem’ que eu quero ganhar é a do dia 26 [de setembro]. Essa é a grande sondagem da urna, digamos assim. É nisso que estou focado e empenhado. Tenho sentido apoio na cidade e muitas pessoas têm vindo a agrupar-se em torno do projeto do PS. Muita gente que não se reconhece neste município, não se reconhece até no autoritarismo com que muitas vezes este executivo [camarário] se relaciona com a cidade. Creio que o PS será uma surpresa muito positiva na noite das eleições. Cá estaremos para ver no dia 26 esses resultados.

Acredita que ainda vai a tempo de ser a surpresa da noite eleitoral?

O PS é um grande partido que entra em todas as eleições para ganhar. Obviamente que sabemos que há eleições mais difíceis e outras mais fáceis. Mas, como Mário Soares disse, não há vitórias antecipadas e não há derrotas antecipadas, muito menos antes de o povo se pronunciar e ir votar. É com esse espírito que nós encaramos um combate cujas dificuldades não se ignoram. Irei apresentar a minha comissão de honra no mês de setembro com muitas personalidades de todos os setores de atividade da cidade do Porto. O meu mandatário não é militante do PS, o Engenheiro António Barros, um grande dirigente do associativismo empresarial, e muitas outras pessoas que estão nas listas e que têm vindo a apoiar esta candidatura. O PS tem vindo a passar a sua mensagem dia a dia e assim vamos continuar. 

Que impacto está a ter o caso Selminho na perceção dos portuenses em relação a Rui Moreira? Qual a sua perceção, uma vez que tem andado em campanha na rua?

Sobre isso já houve também sondagens e será interessante que também possam ser avaliadas. Mas, sobre a questão Selminho, gostava de ser muito claro: não faço nenhum comentário sobre essa matéria que é do conhecimento de todos, toda a gente sabe o que está em causa. Eu privilegio dois princípios, que não mudo consoante a pessoa em causa e sou defensor do princípio da separação de poderes e da presunção de inocência. Há um processo, o julgamento iniciar-se-á em breve e a justiça decidirá. Politicamente não tenho nada a comentar. 

Espero, com toda a firmeza, que o sucessor do Dr. António Costa seja o Dr. António Costa para bem do país e do PS


Terminamos com o tabu de que tanto se tem falado nestes dias - a sucessão de António Costa no PS, em 2023, quando este mandato chegar ao fim. O que lhe apraz dizer sobre o painel de possíveis candidatos? Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva, Ana Catarina Mendes e Marta Temido? 

Apraz-me dizer que, tal como referi quando começámos a entrevista, existem alguns temas mediáticos que têm muito pouco a ver com aquilo que é a realidade. Neste momento, o PS tem um grande secretário-geral que acabou de ser reeleito, tivemos um grande congresso de unidade e espero, com toda a firmeza, que o sucessor do Dr. António Costa seja o Dr. António Costa para bem do país e do PS, que tem estado a liderar, e muito bem, o Governo nesta fase tão difícil. O Dr. António Costa tem o meu apoio desde o primeiro momento, desde o primeiro minuto, tem sido um grande secretário-geral e um grande primeiro-ministro e espero que ele seja sucessor dele próprio. Essa não é uma questão no PS. Acompanhei as infindáveis notícias e cobertura televisiva sobre o tema, mas não foi matéria que estivesse presente no congresso onde eu estive. 

Rui Rio disse que no dia em que António Costa sair do PS, o PS parte-se todo.

O Dr. Rui Rio deveria estar em frente a um espelho nesse momento porque o que temos visto são seríssimas dificuldades do PSD para se afirmar na sociedade e para fazê-lo de uma forma que preserve os valores democráticos. O PSD, como está um pouco perdido ao longo dos últimos anos, começou por querer conquistar o centro e agora já faz entendimentos com a extrema-direita ou tem candidatos que mais parecem saídos da extrema-direita.

Portanto, o PSD tem de encontrar o rumo e deve fazer destas eleições autárquicas não qualquer tipo de referendo interno a lideranças como infelizmente parece ser o caso, mas um processo de afirmação de uma alternativa política nas autarquias. Espero que o PSD resolva rapidamente os problemas em que tem estado e encontre um rumo e uma liderança porque isso é importante para todo o sistema democrático. 

Gostava de, um dia, chegar a secretário-geral do PS? Tem essa ambição a médio longo prazo?

Quem, eu? Nunca esteve nem estará nos meus horizontes [risos].

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