Carlos Costa. "Raramente na minha vida recebi um telefonema tão agreste"

Carlos Costa volta a falar sobre telefonema que diz ter recebido de António Costa. Um telefonema "muito curto", mas muito "irritado".

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© Reprodução Twitter / @antoniocostapm

Carmen Guilherme com Lusa
18/11/2022 22:41 ‧ 18/11/2022 por Carmen Guilherme com Lusa

Política

Carlos Costa

Carlos Costa, antigo governador do Banco de Portugal (BdP), reiterou, esta sexta-feira, que o primeiro-ministro, António Costa, o contactou para que não retirasse Isabel dos Santos do BIC, recordando esse telefonema como muito "curto", mas "agreste", tendo, por isso, ficado na sua memória.

Em entrevista à CNN, Carlos Costa começou por dizer que não esperava que o livro 'O Governador' se transformasse num facto político, mas admite que as atenções em torno do livro foram causadas, sobretudo, pela revelação que fez sobre António Costa.

"É muito simples, o que se passa é que eu relatei no livro, um telefonema, para o meu telemóvel, que foi feito pelo senhor primeiro-ministro, cerca de duas horas depois da reunião que eu tinha tido com a engenheira Isabel dos Santos e com o doutor Fernando Teles, em que lhes tinha explicado que, sendo acionistas do BIC, não reuniam, no entanto, condições para ser administradores. E, incentivei-os, a procurar administradores independentes, com idoneidade necessária para gerir o banco. Este é um facto", começou por dizer, reiterando o que já havia dito anteriormente.

"É um facto, que ficou marcado na minha memória, porque o telefonema do senhor primeiro-ministro foi muito curto, mas muito, eu diria, muito irritado. Achando que eu não podia tratar a senhora dessa forma. As palavras foram estas: 'Não admito que se trate mal a filha do presidente de um pais amigo de Portugal'. E foi só isto. O telefonema foi muito curto, muito, eu diria, agreste, para não usar outra palavra, mas ficou muito marcado, porque raramente na minha vida recebi um telefonema tão agreste e não estava habituado a receber telefonemas tão agrestes, por isso, fica na minha memória", acrescentou.

Na opinião do antigo governador do BdP significa que "seguramente", horas depois, "alguém foi dar parte ao senhor primeiro-ministro" que a reunião que tinha havido entre si e Isabel dos Santos "tinha sido, também, agreste, na medida em que Isabel dos Santos não reconhecia o primado do estado de direito português".

Carlos Costa reafirmou depois o que disse na apresentação do livro, referindo que António Costa lhe enviou uma mensagem após a publicação da obra.

"Sejamos muito mais claros. O que me surpreende ainda mais é a mensagem que eu recebi do senhor primeiro-ministro depois da publicação do livro. Dá por natural que possa haver uma troca, uma moeda de troca entre idoneidade e outras negociações que estão em curso, ou que estavam em curso respeitantes a uma outra instituição", disse, referindo-se ao BPI.

"Ora a idoneidade ou se tem ou não se tem e a idoneidade não é objeto de moeda de troca. O que significa que não vale a pena puxar para discussão, as discussões que eram legitimas e em curso no BPI, para argumentar que era necessário fazer cedências em matéria de idoneidade no BIC. E tanto não era necessário, que não houve cedência de nenhuma natureza", referiu.

"Fica muito claro que o Banco de Portugal exerce o seu dever de analisar a idoneidade dos gestores dos bancos, sem sujeitar esse poder a qualquer tipo de transação de outra natureza, porque não é uma matéria que possa ser objeto de moeda de troca", notou.

O antigo governador defendeu depois que António Costa "não interveio" na sua competência, porque tomou a "decisão com toda a autonomia".

"O que é importante aqui realçar é que o telefonema podia ter tido lugar, o que não era necessário era disparar sobre o ex-governador por ele relatar que o telefonema teve lugar. Porque o telefonema teve lugar é uma circunstância que cabe ao próprio que faz o telefonema justificar. A minha atitude de resistir, nem é resistir, é pura e simplesmente não ouvir, é própria de quem exerce a função. A minha memória desse telefonema permite caracterizar um período e umas circunstâncias em torno de determinas pessoas que se moviam no sistema financeiro português", completou.

Na mesma entrevista, Carlos Costa garantiu ainda que irá responder pelo que afirmou "onde quer que seja".

"Mantenho o que disse e responderei onde quer que seja por aquilo que disse", garantiu.

Carta a Bruxelas

Questionado sobre a carta de António Costa enviada para Jean-Claude Juncker, na altura presidente da Comissão Europeia, e para Mario Draghi, então presidente do Banco Central Europeu (BCE), em dezembro de 2015, Carlos Costa afirmou: "Seria bom que tivéssemos falado, que tivéssemos ponderado os termos da carta, sei que a carta fazia parte de uma outra luta política sobre a saída 'limpa' ou não [do programa de ajuda externa]".

"O relacionamento entre as autoridades de supervisão europeias e o sistema bancário naturalmente ficou condicionado por esta ideia", disse, acrescentando que a missiva "causou surpresa [entre as autoridades europeias] e surpresa é um termo diplomático para algo de mais importante".

Quando questionado sobre as declarações de alguns dos responsáveis dos bancos portugueses esta semana de que não tencionam ler o livro, o antigo governador foi perentório: "Eu julgo que seria muito interessante que os banqueiros lessem o capítulo relativo à entrada da 'troika' e ao programa de estabilização do sistema financeiro. O Banco de Portugal evitou uma nacionalização do sistema bancário se tivéssemos seguido o modelo que estava a ser preconizado", afirmou.

"Tenho a certeza de que os banqueiros deviam ler pelo menos esse capitulo para perceberem que estiveram à beira do precipício", acrescentou.

Carlos Costa disse ainda "ter pena" pela ausência de figuras socialistas com as quais contava na apresentação do livro - no qual estiveram nomes da direita como Cavaco Silva e Ramalho Eanes, o antigo primeiro-ministro Passos Coelho e vários seus ex-ministros, assim como o presidente do PSD, Luís Montenegro, entre outros --, considerando que "desequilibrou" a audiência.

Recorde-se que o livro 'O Governador' resulta de um conjunto de entrevistas do jornalista do Observador Luís Rosa a Carlos Costa, que liderou o Banco de Portugal entre 2010 e 2020. O livro tem gerado polémica e António Costa já garantiu que vai processar o antigo governador por ofensa à honra.

[Notícia atualizada às 23h40]

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