Se a maioria dos partidos com assento parlamentar concorda com a realização de eleições antecipadas, as dúvidas surgem na data do sufrágio e na possibilidade de a proposta do Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) do Governo do primeiro-ministro, António Costa, ser implementada.
Da Esquerda à Direita, todos os grupos apelaram para que, caso o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, opte por dissolver a Assembleia da República (AR), o processo seja feito de forma célere, tendo em conta os obstáculos que o país (e o mundo) enfrenta.
À Direita, contudo, fala-se numa nova "esperança" e "confiança" para Portugal, que deverá sair desta crise política provocada em parte pela demissão de António Costa - com um Executivo "novo, rejuvenescido, com mais ambição, com mais autoridade política, e capaz de restabelecer o prestígio das instituições democráticas e sociais", além de "um novo capítulo na democracia portuguesa, virado para o crescimento, e para o progresso social e económico".
Eis o que disse cada partido após as audiências com Marcelo Rebelo de Sousa, esta quarta-feira:
"Experiência governativa" é possível, já que PS tem "confiança e apoio"
O presidente do Partido Socialista (PS), Carlos César, anunciou ter dito ao chefe de Estado ser possível "prosseguir uma experiência governativa", uma vez que o partido "assegura a confiança e o apoio necessário", além de "dispor de uma maioria de deputados".
"Essa situação é a que melhor salvaguarda a situação com que nos confrontamos hoje no nosso país. Vivemos um período muito difícil e muito incerto, marcado pela ascensão de um conjunto de riscos advenientes da situação internacional, em particular com a acentuação e o desfecho imprevisível da guerra no próximo Oriente, que terá consequências no plano económico com incidência no nosso país, exigindo do Governo, no futuro imediato-próximo medidas preventivas ou reativas que salvaguardem a normalidade social e o ambiente económico no nosso país. Portanto, é bom que não exista uma interrupção governativa, uma suspensão das capacidades que o Governo português possa ter para, nesse âmbito incerto, mas de risco negativo potencial, agir em conformidade", explicou.
O responsável argumentou que uma "antecipação do ato eleitoral não garante uma estabilidade política para o futuro", defendendo, por isso, que a opção "preferencial" passará pela "nomeação de um Governo com um novo primeiro-ministro". Ainda assim, e mesmo que Marcelo decida avançar com eleições antecipadas, César apontou ser "muito importante que o nosso país tenha um OE aprovado", apelando a que a "solução" não coloque "em perigo a existência desse instrumento, que é também ele fundamental para a nossa capacidade de Governo e para a defesa dos interesses do país".
"Não esperávamos, embora fosse essa a ambição de alguns partidos, que no quadro de eleições antecipadas elas fossem tão depressa que o PS pudesse não concorrer, mas transmitimos ao senhor Presidente da República os 'timings' e os procedimentos que temos de ter para que isso ocorra. Nesse contexto, no caso de existirem eleições antecipadas, indicámos que a cronologia dos atos que temos de preencher apontariam para uma data no mês de março, que lhe indicámos", revelou, ao mesmo tempo que salientou que o partido expressou a sua "profunda confiança na decisão [de Marcelo]".
No entanto, num cenário de eleições antecipadas, o partido confia, ainda, "na vitória do PS, porque ela corresponderá ao reconhecimento de um trabalho até agora feito, e à capacidade de renovo e às novas energias que associaremos certamente neste combate eleitoral". "Estamos muito à-vontade e muito tranquilos com a decisão que o Presidente da República tomar, sendo certo que, em normalidade democrática, a solução adequada é a de procurar a estabilidade política quando, no quadro institucional, essa estabilidade é possível salvaguardar sem ocorrência de uma interrupção da legislatura", salientou.
Quanto às suspeições que recaem sobre António Costa, Carlos César foi taxativo: "Não conhecemos o teor em concreto de quais são as suspeitas que possam existir na PGR e no Supremo Tribunal de Justiça. Quando se lançam suspeições daquela natureza, há um primeiro-ministro que tem uma consciência muito apurada do seu cargo e da credibilidade que deve preservar, e teve um invulgar de gesto de nobreza, reagindo da forma como o fez. Feliz do país e feliz do partido que tem um líder como António Costa."
PSD pede para "cortar o mal pela raiz", mas "não criará um obstáculo" ao OE
O presidente do Partido Social Democrata (PSD), Luís Montenegro, defendeu que "é preciso cortar o mal pela raiz, iniciar um ciclo novo, ouvir o povo português e dar a um futuro Governo a autoridade política que só o voto é capaz de conferir", para que seja possível "intervir de forma estrutural e estratégica nos grandes desígnios que Portugal tem para os próximos anos".
O social-democrata deu conta de que o partido teve oportunidade de expressar junto de Marcelo Rebelo de Sousa os seus "argumentos" para a necessidade de eleições antecipadas, "que legitimem, através da vontade política do povo, um Governo com capacidade reformadora, transformadora e de diálogo com o país".
"É muito importante que os portugueses saibam que o nosso propósito não é de confrontação. Com certeza que as eleições trarão a confrontação política e partidária, mas o nosso propósito é o contrário, é unir o país. É preciso unir o país para resolver problemas tão prementes para vida quotidiana dos portugueses", disse, ressalvando que "se for mais útil ter um orçamento do que não ter, o PSD não criará um obstáculo".
Para Montenegro, a capacidade de diálogo a que se referiu "envolve, sobretudo, a sociedade", a quem se dirigiu. "Queremos agregar aqueles que têm ideias políticas diferentes da nossa, para enfrentarmos com responsabilidade, mas com muita ambição, os desafios muito relevantes que temos pela frente", complementou, atirando que "este ciclo que agora acaba é marcado por uma palavra: empobrecimento", disse, uma vez que "estamos mais pobres em 2023 do que aquilo que estávamos em 2015".
Ainda que tenha defendido que as eleições devem realizar-se rapidamente, Montenegro considerou que o calendário deverá dar tempo ao PS para se organizar, para que, no final, "o país tenha um Governo novo, rejuvenescido, com mais ambição, com mais autoridade política, capaz de restabelecer o prestígio das instituições democráticas e sociais".
Chega pede eleições em "meados de fevereiro ou início de março"
O líder do partido de extrema-direita Chega, André Ventura, apontou que, dentro do quadro da dissolução da AR, o partido aceitará "qualquer solução que garanta que temos instrumentos orçamentais para começar o ano", assim como "a rapidez suficiente para não deixar o país num marasmo político e de conflitualidade política".
"Tendo havido demissão do senhor primeiro-ministro, o PS terá de fazer o seu congresso de reeleição, e isso penso que é compreensível por parte dos adversários", disse, tendo manifestado a sua compreensão ao Presidente da República. Nesse quadro, o Chega manterá a data do seu congresso, partindo para eleições antecipadas com a reunião já realizada.
O responsável apelou, assim, para que as eleições antecipadas se realizem em meados de fevereiro ou no início de março. Ventura assegurou ainda que o seu partido está "pronto", mas rejeitou um acordo com o PSD, tal como fez o líder dos sociais democratas, Luís Montenegro, na terça-feira.
"Crises políticas desta natureza resolvem-se com eleições", defende BE
A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, reiterou também a sua preferência "pela convocação de eleições antecipadas", uma vez que, na sua ótica, "qualquer outra alternativa significaria arrastar uma situação que é insustentável e que não trará nenhuma clarificação, nem nada de bom para aquilo que importa para o país, que são soluções concretas".
Defendeu, por isso, que o "critério mais importante é resolver rapidamente a crise política", ao mesmo tempo que recordou não ser "segredo para ninguém que o BE já anunciou o voto contra o Orçamento".
No que diz respeito às acusações que recaem sobre o primeiro-ministro, Mortágua apelou a que a investigação seja célere, “pela gravidade das suspeitas”.
Eleições antecipadas são, para IL, a "única solução neste momento"
O líder da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, transmitiu a Marcelo Rebelo de Sousa que, na visão do partido, "a única solução neste momento é a convocatória de eleições", chamando, assim, "os portugueses de novo a pronunciar-se sobre os destinos do país", idealmente no final de janeiro.
Quanto ao OE2024, Rui Rocha indicou que o partido continuará a considerar que o documento "é mau" e votará contra, caso chegue a votações, mas ressalvou não querer que "a discussão se centre no OE". "Queremos que a discussão se centre no essencial, e o essencial é mesmo que os portugueses sejam chamados a pronunciar-se sobre uma nova solução política para o país", complementou, dirigindo aos cidadãos "uma mensagem de esperança e de confiança".
"António Costa chegou ao fim do seu trajeto político ontem, sobretudo com soluções políticas completamente esgotadas. Sabemos que a solução governativa do PS estava em absoluta ruína e, além das situações concretas que ditaram o desfecho que todos conhecemos, há uma situação de decadência, de estagnação, de erosão irreversível da solução política do PS. Portanto, o que aconteceu abre uma oportunidade de esperança, de confiança, de abrirmos um novo capítulo na democracia portuguesa, virado para o crescimento, para o progresso social e económico. Queremos que os portugueses tenham um país diferente", disse.
Calendário de há 2 anos "deveria de servir como referência" para eleições
O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, defendeu, na mesma linha, que “a única solução que existe é a dissolução da AR e a convocação de eleições”. Neste último cenário, o responsável considerou que o calendário de há dois anos "deveria de servir como referência", tendo apelado, assim, à realização de eleições antecipadas em janeiro, tal como aconteceu após o chumbo do OE, em novembro de 2021.
Quanto ao OE2024, Paulo Raimundo lembrou a "avaliação negativa" do partido ao documento, uma vez que "não responde a nenhum dos problemas" do país, ao mesmo tempo que equacionou que, "indo para eleições antecipadas, o que se exige é criar todas as condições para que na futura AR haja um reforço do PCP/CDU, de maneira a contribuir para um Orçamento bom".
No que diz respeito às acusações contra membros do Governo, o secretário-geral do PCP indicou ser preciso que, "dentro do tempo da justiça", estes processos sejam "rapidamente esclarecidos, investigados, e que se cheguem a conclusões". "Isso é importantíssimo para a credibilidade da própria democracia, é importantíssimo do ponto de vista da justiça, e é também importantíssimo do ponto de vista da credibilidade política. Posso transmitir que é uma preocupação que o Presidente da República também partilha", disse.
PAN pede que seja salvaguardada "conclusão do Orçamento do Estado"
Já a porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Inês Sousa Real, disse que, a seu ver, deve ser "salvaguardada a conclusão do OE", ao mesmo tempo que ressalvou que Marcelo partilha dessa preocupação. A responsável assegurou ainda que o PAN está preparado "para qualquer circunstância", mas manifestou preocupação por um primeiro-ministro se ter demitido "por força de uma investigação sem que haja conhecimento dos factos e sem que haja constituição como arguido".
Sousa Real considerou, nessa linha, que caso se venha a comprovar que "não existia nada de fundamentado sobre o processo", terá de haver "as devidas conclusões e o devido escrutínio por parte do Conselho Superior de Magistratura" e a "devida reflexão por parte da própria Procuradora-Geral da República".
"Não interessa ao país que se prolongue uma situação de incerteza"
Por fim, o co-porta-voz do Livre, Rui Tavares, equacionou que, caso Marcelo Rebelo de Sousa opte pelo cenário de eleições antecipadas, essas eleições devem ser "marcadas o mais rapidamente possível", idealmente no final de janeiro ou no início de fevereiro. "Não interessa ao país que se prolongue uma situação de incerteza e que estejamos muito tempo sem um Parlamento democraticamente escolhido que clarifique os caminhos de futuro para o país", disse, ao mesmo tempo que considerou que as negociações orçamentais estão "completamente esvaziadas".
Ainda assim, se o chefe de Estado optar por outro cenário, "dentro da maioria parlamentar que existe", Rui Tavares indicou ser "muito importante" que o Presidente "comunique ao país com que critérios e de que formas é que o cenário poderia ser outro que não de eleições antecipadas". O responsável garantiu ainda que o Livre está "pronto para ir a eleições", tendo sublinhado que os dados indicam que o partido poderia passar de ter um deputado único para um grupo parlamentar.
Sobre a atuação da Justiça, Rui Tavares defendeu que todos os portugueses merecem conhecer "melhor os contornos" do caso que levou à demissão de António Costa e perceber porque é que o país passou de uma situação de rotina para algo "de absoluta excecionalidade política".
Sublinhe-se que os oito partidos com representação parlamentar passaram esta quarta-feira por Belém, antes de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ouvir o Conselho de Estado, na quinta-feira.
Face aos acontecimentos do último dia, no qual o primeiro-ministro, António Costa, apresentou a sua demissão, que foi aceite, depois de o Ministério Público ter revelado que é alvo de uma investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre projetos de lítio e hidrogénio, Marcelo vê-se a par com duas opções: nomear outro primeiro-ministro ou dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições.
Na manhã de terça-feira, as buscas da Polícia de Segurança Pública (PSP) e do Ministério Público culminaram com a detenção de cinco pessoas, incluindo o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária. Já o ministro das Infraestruturas, João Galamba, foi constituído arguido.
Por seu turno, António Costa recusou a prática "de qualquer ato ilícito ou censurável" e manifestou total disponibilidade para colaborar com a justiça "em tudo o que entenda necessário", numa declaração a partir do Palácio de São Bento.
[Notícia atualizada às 21h11]
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