Uma nova polémica a envolver titulares de cargos políticos deixou, esta quarta-feira, o país em alvoroço, sobretudo a Região Autónoma da Madeira. Mas como tudo começou e o que está em causa?
O caso 'estalou' quando foi conhecido que a Polícia Judiciária estava a levar a cabo mais de uma centenas de buscas na Madeira, nos Açores e em várias regiões do continente..
Entretanto, o Ministério Público revelou que as investigações que levaram à realização destas buscas envolvem titulares de cargos políticos do Governo da Madeira e Câmara do Funchal por suspeita de favorecimento indevido de sociedades/grupos.
De acordo com o MP, em causa estão factos ocorridos a partir de 2015, "suscetíveis de consubstanciar crimes de atentado contra o Estado de direito, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, abuso de poderes e de tráfico de influência".
No âmbito das buscas, foram detidas três pessoas: O presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado (PSD), e dois gestores ligados ao grupo de construção AFA. Segundo avançaram a CNN Portugal e o Observador, estes gestores são o presidente do Conselho de Administração do grupo AFA, Avelino Farinha, e o líder do grupo AFA em Braga, Caldeira Costa.
Mas a polémica adensa-se, uma vez que o presidente do governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, também foi um dos visados nas buscas. Já ao início da noite e na sequência de diversas reações, incluindo do próprio, veio a saber-se que Albuquerque tinha sido constituído arguido, de acordo com a CNN Portugal. Sabe-se que a megaoperação policial tem origem em três inquéritos distintos, que contemplam algumas das mesmas personalidades, dirigidos pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Partidos reagem. Os pedidos de demissão e as associações com a 'Operação Influencer'
À medida que a informação era conhecida, começavam a surgir reações. Um dos primeiros a fazer-se ouvir sobre o caso foi o presidente do Chega, André Ventura, que considerou que "a mesma bitola que se aplicou" ao primeiro-ministro, António Costa, no brotar da 'Operação Influencer', deveria aplicar-se ao presidente do governo regional da Madeira.
Por sua vez, o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, pediu explicações a Albuquerque. Para a Iniciativa Liberal "a exigência e o padrão ético é aplicável a todos, independentemente dos partidos e das pessoas que estão em funções". Mas Rui Rocha ia mais longe, além de pedir também a palavra do presidente do PSD, Luís Montenegro, sobre o caso, desfaiava também o PAN a "manifestar a sua posição", uma vez que o partido estabeleceu um acordo com o PSD após as últimas eleições regionais, em setembro.
Já o secretário-geral do PCP afirmou que o presidente do governo regional da Madeira deve ponderar se tem condições para continuar no cargo e considerou que o caso é "um exemplo concreto" da subordinação do poder político ao económico.
A coordenadora do BE, Mariana Mortágua, recusou ponderações e defendeu que Miguel Albuquerque "não tem condições para se manter à frente" do governo regional da Madeira, acusando-o de ser o responsável político de um "regime de favorecimento a negociatas privadas".
O secretário-geral do JPP e líder parlamentar do partido na Assembleia Legislativa Regional defendeu que Miguel Albuquerque devia dar o exemplo ao país e suspender "de imediato" a sua imunidade.
"Miguel Albuquerque diz que não se demite, mas devia dar o exemplo ao país, suspendendo de imediato a sua imunidade [enquanto governante]. Já diz o povo que quem que não deve não teme e deveria ser o presidente a dar o exemplo, semelhante ao que foi exigido a António Costa [primeiro-ministro] perante as suspeitas relacionadas com a Operação Influencer", afirma Élvio Sousa, em comunicado.
O Partido da Terra, por seu turno, numa nota enviada à comunicação social, pede que os presidentes do governo regional e da Câmara do Funchal, ambos do PSD, renunciem aos cargos, argumentando que "as razões invocadas são as mesmas que levaram à demissão de António Costa: precária legitimidade política para exercer cargos públicos e o exercício do cargo não é compatível com a existência de suspeitas".
Mais tarde, foi a vez do líder do Partido Socialista na Madeira, Paulo Cafôfo, reagir, afirmando que "Pedro Calado não tem quaisquer condições de continuar como presidente da Câmara do Funchal depois desta megaoperação".
"A confiança em Miguel Albuquerque e Pedro Calado ficou irremediavelmente comprometida e não vai voltar", afirmou, alertando que "os madeirenses exigem e merecem um total esclarecimento desta situação".
Albuquerque recusa demitir-se e Montenegro pede investigação "com rapidez"
A meio da tarde, Miguel Albuquerque vinha dar as aguardadas explicações, mas sem corresponder ao pedido de alguns. O presidente do governo regional da Madeira afastava a demissão, mesmo que viesse a ser constituído arguido. Além disso, assegurou colaborar "de forma ativa com a justiça".
"O Governo Regional e eu próprio estamos a colaborar de forma ativa e consistente com os senhores agentes da polícia judiciária e com os senhores procuradores, no sentido de fornecermos todos os elementos necessários ao esclarecimento desta situação", afirmou o líder do executivo regional (PSD/CDS-PP), em declarações aos jornalistas na Quinta Vigia, numa altura em que ainda não se sabia que tinha sido constituído arguido.
O líder da Madeira, que disse estar de "consciência tranquila", deu mais alguns detalhes, referindo que estão a ser investigados o concurso relativo ao teleférico do Curral das Freiras, o licenciamento da Praia Formosa e o concurso dos autocarros da região autónoma.
Menos de meia hora depois desta declaração, o presidente do PS, Luís Montenegro, que se preparava para a apresentação pública do programa económico da Aliança Democrática, acabou por se pronunciar, dizendo esperar que a investigação em curso "decorra com rapidez".
"Espero que esta investigação decorra com rapidez, com diligência, e que o quadro de suspeita que foi hoje levantado possa ser alterado e esclarecido, de maneira a que não haja responsabilidade por parte do presidente do governo regional, nem do presidente da câmara municipal do Funchal e de outros agentes políticos que possam estar envolvidos", afirmou.
"É evidente que ninguém está acima da lei e não é por estas pessoas exercerem funções em representação do PSD que há um princípio diferente aplicado a todos os demais", acrescentou ainda. Por outro lado, rejeitou comparar as investigações que atingem o presidente do governo da Madeira e o primeiro-ministro, defendendo que "as diferenças são mais do que muitas".
"Neste momento, com a informação que dispomos, do ponto de vista político, nada se altera", reforçou, explicando que tinha falado com Miguel Albuquerque, que lhe transmitiu o mesmo que havia dito aos jornalistas.
Marcelo também reagiu. "A Justiça deve exercer a sua função". "Não tem calendários"
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou, em reação ao caso, que a Justiça deve "exercer a sua função" e investigar, destacando que a mesma "não tem calendários".
"Como nos vários processos que eu não comento tem sido dito pelos intervenientes ou chamados a intervir, ou considerados como possíveis protagonistas nesses processos, eu diria como eles têm dito todos. A Justiça deve realmente exercer a sua função, a sua missão, que é uma missão constitucional, deve investigar. A investigação surge quando surge, não tem calendários que sejam calendários que tenham a ver com a política, com a economia, com outra realidade social, portanto, isso deve desenvolver-se como uma atividade natural", defendeu.
Marcelo recusou ainda a existência de um clima de intranquilidade. "Não, não, não. Há uma tranquilidade, uma estabilidade institucional", disse.
De notar que, no total, foram executadas 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias na Madeira (Funchal, Câmara de Lobos, Machico e Ribeira Brava), na Grande Lisboa (Oeiras, Linda-a-Velha, Porto Salvo, Bucelas e Lisboa), em Braga, Porto, Paredes, Aguiar da Beira e Ponta Delgada (Açores).
Na operação policial participaram dois juízes de Instrução Criminal, seis magistrados do Ministério Público do DCIAP e seis elementos do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria-Geral da República, bem como 270 investigadores criminais e peritos da PJ.
Os detidos serão presentes à autoridade judiciária competente, no Tribunal Central de Investigação Criminal, em Lisboa, para serem ouvidos em primeiro interrogatório judicial e posterior aplicação de medidas de coação.
[Notícia atualizada às 20h19]
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