O antigo presidente do Partido Social Democrata (PSD), Rui Rio, considerou, na sexta-feira, que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, deveria propor a exoneração da procuradora-geral da República, Lucília Gago, ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tendo em conta “a situação da Justiça” em Portugal.
O chefe de Estado, por seu turno, deveria convocar o Conselho de Estado para analisar a matéria que, na ótica do social democrata, “merece uma atenção especial”.
Confrontado com notícias que indicavam que, a seu ver, Luís Montenegro já deveria ter exonerado Lucília Gago, Rui Rio foi taxativo em negar e esclarecer as alegadas declarações.
“Tenho uma experiência enorme nisso. Um canal disse uma coisa que eu não disse e, depois, comenta-se em cima do que eu não disse, [mas] passei a dizer. Nunca disse que o primeiro-ministro devia demitir a PGR, até por uma simples razão: o primeiro-ministro não tem poderes para demitir a PGR. O primeiro-ministro pode é propor ao Presidente da República a sua exoneração”, disse, em entrevista à CNN Portugal.
O economista, que integra o grupo de 50 personalidades de diversos quadrantes que assinaram um manifesto em defesa de um "sobressalto cívico" que acabe com a "preocupante inércia" dos agentes políticos relativamente à reforma da Justiça apontou ainda que, caso não o venha a fazer, o chefe do Governo “há-de ter uma razão”, quanto mais não seja o final do mandato da responsável, que chegará em outubro.
“O Governo anterior, ‘atacado’ pela PGR, estava obviamente impedido de pedir a demissão da senhora procuradora. Este Governo é diferente. O que digo é, se não o faz, há-de ter uma razão”, indicou.
De qualquer modo, Rui Rio esclareceu que Marcelo, por seu lado, deveria convocar o Conselho de Estado “a analisar o estado da Justiça em Portugal”, cujos problemas “merecem uma atenção especial do Presidente da República”.
“Tem de fazer alguma coisa. […] O que acho que deveria acontecer [é] pôr o Conselho de Estado a analisar o estado da Justiça em Portugal e, se o Conselho de Estado entender que a senhora procuradora não tem condições para continuar e que se devia demitir, coloca-lhe uma pressão em cima ainda maior do que a que já tem”, esclareceu.
Nessa linha, o social democrata recordou o processo da Operação Influencer, no qual o antigo primeiro-ministro, António Costa, foi implicado, e que levou à queda do Governo maioritário dos socialistas, mas que, ao fim de seis meses, mostrou poucos avanços.
“O anterior primeiro-ministro anunciou a sua demissão há seis meses. Durante estes seis meses, não se dignaram chamá-lo, ouvi-lo, fazer nada. É por falta de meios? É porque não têm uma sala onde não chove que não ouviram o ex-primeiro-ministro? Não há um funcionário para o convocar? Não há um procurador para o interrogar? Parece que querem que comamos gelados com a testa”, atirou.
“Fui arguido oito vezes. Oito vezes. Não deu acusação, não deu nada; deu espetáculo”
Quanto ao porquê do manifesto em si, Rui Rio justificou que, “se o poder político não faz nada, se mostra falta de vontade, falta de coragem, deve a sociedade civil provocar esse sobressalto cívico”, já que “quando nos candidatamos a um cargo [político] é para resolver os problemas”.
“Pergunto o que é que a Justiça conseguiu nestes 50 anos do 25 de Abril, ou seja, 50 anos de democracia. Nestes 50 anos, aquilo que a democracia tem de principal problema, um problema de regime, é a Justiça. Conseguiu autoreformar-se, modernizar-se? Nada. O poder político, o que é que fez por isso? Praticamente nada. Se o poder político não faz nada, se mostra falta de vontade, falta de coragem, deve a sociedade civil provocar esse sobressalto cívico que leve o poder político a perceber que tem de fazer alguma coisa, sob pena de ficar mal na fotografia e a continuar surdo, a não fazer nada”, justificou.
Ainda que tenha ressalvado que “há diversos [signatários] que tiveram, efetivamente, mais oportunidade de [tomar medidas] do que outros”, o economista argumentou que “as pessoas normais também podem ter hoje uma posição e, face à evolução das coisas, verificar que tem de ser diferente da posição que tinham”.
“Fiquei sensibilizado para o problema quando vi à minha volta, e comigo, situações absolutamente aberrantes. Quando fui presidente da Câmara do Porto, fui arguido oito vezes. Oito vezes. Não deu acusação, não deu nada; deu espetáculo, notícias de jornal. Fizeram-me muito mal? Algum mal, mas acho que acabaram a perder”, considerou.
Saliente-se que o documento defendeu ser "necessária uma reforma que, embora não desconsiderando as legítimas aspirações dos agentes de Justiça, não seja desenhada à medida dos interesses corporativos dos diversos operadores do sistema, mas que tenha o cidadão e a defesa do Estado de Direito democrático como eixo central das suas preocupações", por forma a combater o "óbvio desgaste no regime" e o "descontentamento popular", que "abre as portas ao populismo e à demagogia".
"As montagens do já habitual espetáculo mediático, nas intervenções do Ministério Público contra agentes políticos, a par da colocação cirúrgica de notícias sobre investigações em curso, têm confundido intencionalmente a árvore com a floresta, formatando a opinião pública para a ideia de que todos os titulares de cargos públicos são iguais e que todos são corruptos até prova em contrário", indicou.
Assinaram a petição, entre outros, os ex-presidentes do parlamento Augusto Santos Silva, Ferro Rodrigues e Mota Amaral, os anteriores líderes do PSD e do CDS, Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, os ex-ministros Leonor Beleza, David Justino, Fernando Negrão, António Vitorino, José Vieira da Silva, António Barreto, Correia de Campos, Alberto Costa, Pinto Ribeiro, Maria de Lurdes Rodrigues, e o ex-presidente do Tribunal Constitucional, João Caupers.
Também subscrevem o texto o almirante Melo Gomes e o general Pinto Ramalho, o ex-governador do Banco de Portugal Vitor Constâncio e a juíza-conselheira Teresa Pizarro Beleza, tal como Isabel Soares, Manuel Sobrinho Simões, Álvaro Beleza e os sociais-democratas Paulo Mota Pinto, André Coelho Lima e Pacheco Pereira.
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