O presidente da Assembleia da República (AR), José Pedro Aguiar-Branco, recomendou, esta semana, que fosse criada a figura do voto de repúdio em casos de discursos de ódio no Parlamento.
A proposta surgiu após Aguiar-Branco se ter envolvido, na passada sexta-feira, numa polémica no plenário, ao defender que os deputados têm "liberdade de expressão", quando o presidente do Chega, André Ventura, falou da capacidade de trabalho do povo turco (entre outras nacionalidades).
A sugestão de mudança do regimento da AR, que foi feita em sede de conferência de líderes, gerou reações divididas no Parlamento, e não só. Ao Notícias ao Minuto, dois constitucionalistas deram opiniões divergentes no que toca a esta medida.
Jorge Bacelar Gouveia disse "não" concordar com a proposta, pois "a haver repúdio disto, teria de haver noutras coisas", e isso abriria a porta à criação de toda uma panóplia de novos tipos de voto, de "repúdio, pesar, morte, satisfação e alegria".
O combate ao discurso de ódio deverá ser feito, tal "como até agora", com recurso à "ação política"
Para o constitucionalista, "tem de haver limites" e "quanto mais tipos de votos" forem criados, haverá "sempre [mais] coisas que não encaixam e limitam administrativamente a liberdade".
Por isso, o combate ao discurso de ódio deverá ser feito, tal "como até agora", com recurso à "ação política", concluiu Bacelar Gouveia.
Já numa frequência de onda diferente está a constitucionalista Catarina Santos Botelho, que admitiu que "a introdução de um voto de repúdio ofereceria um interessante e inteligente compromisso entre distintos direitos e valores fundamentais".
"Por um lado, permitiria uma reação política imediata" e por outro "respeitaria a função moderadora" de Aguiar-Branco, "evitando colocá-lo no papel de supremo 'guardião da moral'", retorquiu a docente da Universidade Católica Portuguesa, não esquecendo "o inevitável risco de instrumentalização política".
"Quando postos em causa" o "civismo, a cortesia e a urbanidade", o presidente da AR "pode e deve advertir os deputados, uma vez que a dignidade da AR não pode ser menorizada ou trivializada", vaticinou, referindo, que Aguiar-Branco esteve "muito bem" ao "esclarecer que não lhe compete censurar ideias", pois "não existe um direito fundamental a não ser sujeito a opiniões que nos incomodam ou repugnam".
Não se combatem ideias preconceituosas ou ofensivas silenciando microfones e alimentando populismos
"Não se combatem ideias preconceituosas ou ofensivas silenciando microfones e alimentando populismos. As ideias combatem-se sabendo ouvir, compreendendo de onde vêm os ressentimentos e oferecendo melhores respostas", concluiu a constitucionalista. Com efeito, "em democracias constitucionais maduras, como a portuguesa, levar a democracia militante a tais extremos coloca sérios riscos à neutralidade e ao pluralismo democráticos", disse.
Na quarta-feira, o secretário da mesa da conferência de líderes, Jorge Paulo Oliveira (PSD), transmitiu aos jornalistas a proposta feita por Aguiar-Branco, que prevê a criação do voto de repúdio perante insultos ou injúrias, que seria votado de forma praticamente imediata.
A liberdade de expressão dos deputados e a compatibilização com as 'linhas vermelhas' foram temas discutidos ao longo de mais de hora e meia, acrescentou o deputado social-democrata.
A questão foi levada a conferência de líderes na sequência do incidente entre Aguiar-Branco e André Ventura, na manhã da passada sexta-feira, quando o líder do Chega disse que "os turcos não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo".
"O debate democrático é cada um poder exprimir-se exatamente como quer fazê-lo. Na opinião do presidente da Assembleia, os trabalhos estão a ser conduzidos assegurando a livre expressão de todos os deputados, não tem a ver com o que penso pessoalmente, não serei eu o censor de nenhum dos deputados", afirmou Aguiar-Branco, quando o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, pediu a palavra para criticar o comentário de Ventura.
[Notícia atualizada às 17h50]
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