Pela oitava – e penúltima – vez, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, dirigiu-se ao país na noite do primeiro dia de 2025. Ao longo de cerca de oito minutos, o chefe de Estado apelou ao "bom senso", tendo considerado que é preciso "renovar" o sistema democrático, além de combater a pobreza, "um problema de fundo estrutural que a democracia não conseguiu resolver". As reações não tardaram a chegar e, à exceção dos partidos da Aliança Democrática (AD), foram pautadas por críticas.
"Precisamos que o bom senso que nos levou a reforçar a solidariedade institucional e até a cooperação estratégica entre órgãos de soberania, nomeadamente Presidente da República e primeiro-ministro, prossiga, e que nos levou também a aprovar os orçamentos 2024 e 2025, continue a garantir estabilidade, previsibilidade e respeito cá dentro e lá fora", disse Marcelo, na tradicional mensagem de Ano Novo, a partir do Palácio de Belém.
O Presidente assinalou ainda que os portugueses não querem "perder nem liberdade nem democracia", mas perceberam que "um ciclo se fechou, de 50 anos, e evocar Abril é olhar para o futuro, não é repetir o passado".
"Precisamos de mais igualdade social e territorial, precisamos de ainda mais educação, de melhor saúde, de melhor habitação. Para isso, precisamos de qualificar mais os recursos humanos, inovar mais, competir com mais produtividade, continuar a antecipar - e bem - no domínio da energia limpa, no domínio do digital, na tecnologia de ponta, mas não deixar que se aprofunde o fosso, a distância, entre os jovens que avançam e os que o não podem fazer, entre os jovens que avançam e aqueles de mais de 55, 60, 65 anos, que cada vez mais entram em becos com poucas ou nenhumas saídas. Numa palavra, uma economia que cresça e possa pagar melhor e aumentar os rendimentos dos portugueses, assim corrigindo também as suas desigualdades", alertou.
O responsável não deixou de mencionar as eleições autárquicas, tendo indicado que "o povo será o juiz supremo da resposta perante tantos desafios".
"Acredito na vontade experiente e determinada do povo português. Acredito nos portugueses. Acredito, como sempre, em Portugal", garantiu.
O que disseram os partidos à Direita?
O vice-presidente do Partido Social Democrata (PSD), Carlos Coelho, assinalou haver uma "especial sintonia" entre a mensagem de Ano Novo do Presidente da República e a de Boas Festas do primeiro-ministro, Luís Montenegro, tendo notado que os recados de Marcelo se dirigem, sobretudo, à oposição.
"Na semana passada estive aqui para comentar a mensagem de boas festas do primeiro-ministro e hoje ouvimos a mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Ambas sublinham esperança no futuro e há especial sintonia entre elas", afirmou, na sede do partido, em Lisboa.
Também o vice-presidente do CDS, que faz parte da coligação no Governo, manifestou concordância com a mensagem de Ano Novo do Presidente da República, e considerou que em, Portugal, "é fundamental que haja um triunfo do bom senso", por forma a derrotar "os radicalismos".
"2024, o ano que agora terminou, foi um ano de mudança, foi um ano do fim de um longo ciclo socialista e o início de um novo ciclo para Portugal", em que "foi possível resolver problemas que se iam acumulando, problemas com profissionais de saúde, problemas com os professores que estavam mais focados na contestação do que em ensinar, problemas com os militares que tiveram uma séria valorização, problemas com as forças de segurança, e isso foi muito importante que se tivesse resolvido e criado pacificação, vontade e colaboração para ser possível para dar segurança aos portugueses", sintetizou Telmo Correia.
Por outro lado, o presidente do partido populista de Direita radical Chega, André Ventura, atirou que o discurso de Marcelo "ficou aquém", uma vez que "esperava uma mensagem que fosse capaz de apontar ao Governo os caminhos errados", mas "também de apontar ao país os caminhos errados".
"Os portugueses esperam do Presidente uma palavra sobre os temas que lhes importam, sobre o que estão a viver no seu dia a dia e, mais uma vez, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou que não consegue ou não quer transmitir essa palavra, ou por receio de confrontar o Governo, ou por estar mais confortável no domínio do politicamente correto", disse.
Também o presidente da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, criticou a "grande ausência" do tema da reforma do Estado da mensagem de Ano Novo do Presidente da República, tal como na mensagem de Natal do primeiro-ministro.
"Todos falam da necessidade de crescimento económico, todos falam na necessidade de ser competitivos num ambiente muito desafiante internacional, o senhor Presidente da República disse-o. Mas não há ninguém - mesmo nas intervenções dos outros partidos, que tive oportunidade de ouvir - que fale na reforma do Estado", observou.
E, apesar de ter encarado a mensagem do chefe do Estado como "adequada do ponto de vista do diagnóstico", considerou-a "esgotada do ponto de vista das soluções".
"Todos nós estamos fartos de ouvir dizer que é preciso crescimento económico, que é preciso resolver a saúde, a educação, a habitação, que a situação geopolítica é complicada, mas depois nas soluções creio que o senhor Presidente incorre no mesmo problema que a generalidade dos outros partidos incorrem, que são as mesmas soluções", disse.
E à Esquerda?
Mais à Esquerda, o secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, realçou que o Presidente da República "identificou um conjunto de desafios" que Portugal e os portugueses vão ter de enfrentar nos "próximos anos", adiantando que o seu partido "partilha" das mesmas preocupações. No entanto, frisou que não tem "confiança na capacidade e competência do atual Governo de enfrentar esses desafios e de os resolver".
"Infelizmente, ao longo dos últimos meses, fomos todos capazes de constatar a incompetência do atual Governo em lidar com problemas, problemas antigos, problemas complexos", disse, elencando as falhas na saúde e a falta "de uma visão estratégica para a economia".
Já o dirigente do Bloco de Esquerda (BE) Bruno Maia estranhou que o Presidente da República tivesse falado do 25 de Abril e do futuro sem abordar a saúde e educação públicas, além da habitação, tendo lamentado que Marcelo tenha esquecido a Palestina e "o genocídio" em Gaza.
"Não se pode falar de futuro e do 25 de Abril sem falar sobre saúde, sem falar sobre educação. Continuamos a ter escolas sem professores, e sem falar sobre habitação", reforçou, sublinhado que, em 2024, se continuou a "ver os números das rendas e do acesso à habitação a piorarem, sem sinais de retorno"
Para o dirigente bloquista, o Presidente "fez muito bem" em falar "de paz e de direito internacional", mas "não falou sobre a Palestina, não falou sobre o genocídio que está há 15 meses a ocorrer todos os dias" nos telemóveis e aos olhos do mundo.
Também o dirigente do PCP Rui Fernandes defendeu que é preciso "paz e cooperação" e não "uma disputa entre povos e entre Estados", tampouco "cortes de pensões e Segurança Social para investir em mais armamento".
"Portugal necessita de uma mudança de política que seja assente nos valores constitucionais e que promova aumento dos salários, pensões e que dê resposta aos problemas na saúde e habitação", sustentou.
Rui Fernandes assinalou ainda que o Orçamento do Estado para 2025 acabou de ser aprovado e "contempla orientações que não vão ao encontro" das necessidades que "o Presidente da República acabou por colocar".
"Mais do que as palavras, espero atitudes", disse, considerando que apesar, das intervenções de Marcelo sobre a necessidade de combater as desigualdades, "o tempo passa e as respostas aos problemas não são encontradas".
A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, classificou a mensagem de Ano Novo do Presidente da República como "muito derrotista", tanto no plano internacional, como nacional, já que "não deixou grandes esperanças para o próximo ciclo".
Do ponto de vista nacional, "pareceu-nos um discurso muito derrotista porque Marcelo Rebelo de Sousa considera que se fechou o ciclo dos 50 anos do 25 de Abril e não deixou grandes esperanças", apontou.
"O que percebemos é que não há vontade de mudar estas questões estruturais da parte do Governo e o que sentimos do discurso da parte do Presidente da República é que de alguma forma há aqui um derrotismo", salientou, recordando que "um dos objetivos do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa era que deixasse de haver pessoas em situação de sem-abrigo em Portugal", mas "vamos entrar no último ano do mandato com números de pessoas sem-abrigo como há muito não tínhamos em Portugal".
No plano internacional, "que foi logo o assunto de abertura do discurso, Marcelo Rebelo de Sousa basicamente disse que a Europa agora tem de esperar para perceber como os Estados Unidos se vão posicionar e que uma aliança Estados Unidos/Europa é melhor para a União Europeia, e falou também da Rússia e da China". Na ótica do Livre, esta é "uma posição estranha e errada, porque a União Europeia continua a ser uma grande potência a nível mundial e tem um peso global muito relevante, [além de que] há muito mais mundo para além dos Estados Unidos, da China e da Rússia".
Por fim, a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, afirmou esperar que o primeiro-ministro ouça os "recados do Presidente da República" quanto à necessidade de solidariedade institucional, que defendeu dever ser alargada ao Parlamento.
Só assim, sustentou, o apelo à estabilidade feito pelo Presidente da República "pode traduzir-se de facto numa ação governativa" de "um governo minoritário" que melhore a vida das pessoas, com impactos nas áreas do acesso à habitação, na educação, no combate à pobreza e às alterações climáticas.
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