O seu percurso no Parlamento Europeu começou em 2014, mas antes disso já Fernando Ruas havia marcado a história de Viseu, onde foi autarca durante 24 anos. Esteve 11 anos à frente da Associação Nacional de Municípios e conhece como poucos as assimetrias entre o Litoral e o Interior de Portugal.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o atual eurodeputado social-democrata acusa PCP e Bloco de Esquerda de populismo, critica os sucessivos governos por darem pouca autonomia às autarquias e vaticina que Portugal tem mais a perder com a saída do Reino Unido do que a própria União Europeia.
O PSD enviou para o Tribunal Constitucional (TC) alterações ao IMI. Revê-se neste posicionamento? Considera provável que venham a ser declaradas inconstitucionais?
Acho normal o procedimento de enviar para o Tribunal Constitucional, tal como o PSD foi sujeito a isso. Não faço ideia se são constitucionais ou não. Vamos aguardar que o Tribunal Constitucional se pronuncie. Quero confiar naquilo que são as análises do meu partido, mas não tenho ideias definidas sobre a matéria.
Sobre o IMI, que é um imposto municipal, gostaria de dizer que, sendo os municípios o sujeito ativo do imposto, não os vejo pronunciar muito sobre isso. Não me consta que tenham tido decisões determinantes sobre esta matéria.
Posso concluir que, no seu entender, deveria haver uma maior ação do atual presidente da Associação Nacional de Municípios, Manuel Machado?
Não queria chegar aí. Não faria nenhuma crítica ao dr. Manuel Machado porque agora estou noutras funções e por uma questão de ética, é um amigo e colega de curso. Não o fiz no passado a nenhum dos meus antecessores. Tudo aquilo que tem a ver com o IMI deveria ter uma posição forte dos municípios. E não tem tido agora nem no passado. Quando eu fui presidente também não teve muito.
Sendo os municípios o sujeito ativo do IMI, não os vejo pronunciar muito sobre isso
Como é que olha para a proposta do Bloco de Esquerda e PCP de repor as freguesias?
Eu tive sempre uma posição contra a reforma levada a cabo pelo meu partido, mas acho que neste momento é populismo, pura e simplesmente. Passou tão pouco tempo, deixem assentar a poeira e ver se há algum movimento de fundo, que ainda não vi. Não vi nenhuma vantagem na reforma, mas com tão pouco tempo de existência não deve ser revertida apenas porque é do governo anterior. Espere-se, então, para ver se há muitas queixas e depois atua-se.
A ação do Executivo PSD/CDS, bastante centralizadora, não se refletiu num maior isolamento do interior do país?
Gostava de saber porque é que foi centralizadora. Eu assisti e fui até um dos protagonistas do lançamento dos territórios de baixa densidade, o que demonstrava uma preocupação com o nosso interior, que é sempre injustiçado.
Repor freguesias: É populismo, pura e simplesmente. Um país não se pode dar ao luxo de andar a brincar com reformas
Uniram-se freguesias, fecharam-se tribunais que passaram a funcionar em centros maiores. Isto não é centralizar?
Não é centralizar, é redimensionar. Se esse raciocínio fosse assim tão linear tínhamos o país centralizado em termos de aviação, porque não há um aeroporto em cada terra. Isto é uma questão de dimensão, de escala. Foi uma questão de economia de meios. Pode ser que o tempo venha a demonstrar que repor as freguesias tem utilidade, mas eu gostaria que as uniões de freguesias viessem a terreiro dizer se tiveram algum prejuízo latente ou não. Um país não se pode dar ao luxo de andar a brincar com reformas.
O Governo português dá autonomia suficiente às autarquias em termos de poder local e regional?
Eu acho que nem este Governo nem nenhum. Está comummente aceite que quem tem o poder o larga com dificuldade. Eu diria que os governos são normalmente descentralizadores no discurso, mas são centralizadores na ação. Por aquilo que vou ouvindo, não se descentralizou absolutamente nada, tudo continua na mesma.
Continuamos sem dar às autarquias o poder que estas merecem?
E que mudaria o país. Por vezes não fazemos essa justiça, mas o investimento público democratizou-se com a ação das autarquias. Os grandes investimentos públicos nacionais são todos localizados nos sítios do costume, no litoral. Foram as autarquias que, com a sua ação, foram democratizando o investimento, senão haveria partes do país onde não se havia investido um cêntimo sequer.
Se não fossem as autarquias, haveria partes do país onde não se havia investido um cêntimo sequer
Que mais faz falta passar para a alçada das autarquias?
Faz falta um conceito com o qual as pessoas enchem a boca constantemente, mas que depois não aplicam, que é a subsidiariedade: faz melhor quem está mais perto. Já reparou na quantidade enorme de conselhos que temos de baixa densidade? Salvo erro, são 168 em 308 municípios. Qualquer dia temos um país apenas de baixa densidade, é um país a funcionar nitidamente a duas velocidades.
Este é um dos temas que eu trato no Parlamento Europeu. Se nós nos batemos aqui para que haja políticas de coesão em termos europeus – a União Europeia não se desenvolve se não se forem aplanando as assimetrias – , naturalmente que não faz sentido que a nível de cada Estado-membro não tenhamos o mesmo discurso.
Falta também à União Europeia ter uma ação menos centralizadora, percebendo melhor as assimetrias entre cada um dos países?
Isso está definido. Eu tenho feito muitas intervenções públicas e é algo sobre o qual faço ênfase. Além disso, faço ênfase em algo que ouvi do dr. Durão Barroso, que dizia que temos o hábito de nacionalizar os sucessos e de europeizar os fracassos. Esse é o grande problema. Boa parte dos investimentos que temos no nosso país foram feitos com dinheiro da União Europeia. E nem sempre dizemos isso. Ficamos calados à espera que achem que o mérito é só nosso. Nós recebemos 11 milhões de euros por dia, não nos podemos queixar da política de coesão.
Boa parte dos investimentos foram feitos com dinheiro da União Europeia. Ficamos calados à espera que achem que o mérito é só nosso
E porque falamos em fracassos e sucessos da União Europeia, como é que olha para a saída do Reino Unido?
Não é um momento bom para a União Europeia, mas também não é um momento nada bom para a Grã-Bretanha. Acho que ficaram muito mais aflitos, sem saber o que fazer, do que propriamente a União Europeia. Não sendo bom para a União Europeia, não é melhor para o Reino Unido. Veja-se o que está a acontecer com a desvalorização da libra. E não se vislumbra que tenham a situação dominada para saber antecipadamente o que queriam fazer ao pedir a saída. Faz-me lembrar alguém que pede o divórcio e que, depois de este ser aceite, não quer sair de casa.
Fizeram-no de forma iludida?
Acho é que foi um somatório de situações. O antigo primeiro-ministro [David Cameron] tem culpas no cartório, andou anos a dizer mal da União Europeia e só na parte final é que foi contra a saída. Possivelmente, fizeram uma avaliação errada da situação.
Que impacto é que pode ter para Portugal?
Para a União Europeia é menos um membro de prestígio e para Portugal o impacto é ainda mais forte, por ser o nosso mais velho aliado e um país atlântico com quem temos relações fortes. Mas não acho que seja algo que faça cair a União Europeia e que seja o prelúdio do fim.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.