Em outubro do ano passado, o secretário-geral das Nações Unidas lançou um órgão consultivo multissetorial de alto nível sobre IA, que junta representantes do Norte Global, Sul Global, academia, setor privado e decisores políticos, para ajudá-lo nas questões da IA e o futuro da sua governação global.
O relatório final, publicado a poucos dias da "Cimeira para o Futuro", em Nova Iorque, constata, sem surpresa, "o défice na governação global em questões de IA" e a quase exclusão dos países em desenvolvimento das discussões sobre um assunto existencial.
Dos 193 Estados-membros da ONU, apenas sete fazem parte de sete grandes iniciativas ligadas à governação da IA (no âmbito da OCDE, do G20 ou do Conselho da Europa), e 118 estão completamente ausentes, principalmente países do sul.
No entanto, a própria natureza "transfronteiriça" destas tecnologias "requer uma abordagem global", insiste o órgão consultivo.
"A IA deve servir a humanidade de forma justa e segura", reiterou António Guterres esta semana. "Se não forem controlados, os perigos representados pela inteligência artificial poderão ter implicações graves para a democracia, a paz e a estabilidade".
Os especialistas destacam o papel "crucial" dos governos nesta matéria.
Neste contexto, o comité de especialistas apela aos Estados-membros da ONU para que implementem ferramentas para uma melhor cooperação global, incentivem o progresso da humanidade e evitem retrocessos, porque "ninguém" pode hoje prever a evolução destas tecnologias e quem toma as decisões não é responsável pelo desenvolvimento e utilização de sistemas "que não compreende".
Nestas circunstâncias, "o desenvolvimento, a implantação e a utilização de tal tecnologia não podem ser deixados apenas aos caprichos dos mercados", advertem, sublinhando o papel "crucial" dos governos e das organizações regionais.
Sugerem a criação de um grupo internacional de peritos científicos em IA, inspirado no modelo dos peritos climáticos da ONU (IPCC) cujos relatórios são uma referência no tema.
Estes cientistas esclareceriam a comunidade internacional sobre os riscos emergentes, áreas onde é necessária investigação adicional ou identificariam como certas tecnologias poderiam ajudar a cumprir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (eliminação da fome, pobreza, igualdade de género, clima).
Esta ideia é retomada no projeto do Pacto Digital Global, ainda em discussão, que deverá ser adotado no domingo pelos 193 Estados-membros da ONU durante a "Cimeira do Futuro".
Os especialistas sugerem ainda o estabelecimento de um diálogo político intergovernamental regular sobre o assunto e de um fundo para ajudar os países mais atrasados.
Para interligar as diferentes ferramentas, os especialistas apelam à criação de uma estrutura leve no seio do secretariado da ONU em vez da ideia de criar uma agência de governação global, referida por Guterres, tendo como modelo a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).
Embora o mandato exigisse que explorassem esta possibilidade, "não recomendamos nesta fase a criação de uma agência deste tipo", referem.
"Se os riscos da IA se tornarem mais graves e mais concentrados, poderá ser necessário que os Estados-membros considerem uma instituição internacional mais robusta, com poderes de monitorização, comunicação, verificação e aplicação", afirmam.
Mesmo que observem que a elaboração de uma lista exaustiva de riscos é uma "causa perdida" num setor em rápido desenvolvimento cuja evolução ninguém pode prever, enumeram, no entanto, certos perigos identificados: desinformação que ameaça a democracia, 'deepfakes' mais pessoais (sexuais em particular), violações dos direitos humanos, armas autónomas, utilizadas por grupos criminosos ou terroristas.
"Dada a velocidade, autonomia e opacidade dos sistemas de IA, esperar que surja uma ameaça pode significar que já é tarde demais para responder", admitem, contando com a avaliação e constantes intercâmbios científicos e políticos para que o "mundo não seja tomado de surpresa".
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