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"Quase só falta dizer que a medicina causa o cancro!"

O físico Carlos Fiolhais é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Fábio Nunes
05/06/2018 09:00 ‧ 05/06/2018 por Fábio Nunes

País

Carlos Fiolhais

Carlo Fiolhais assistiu de perto às mudanças na área da ciência em Portugal. Do período antes do 25 de Abril ao período que se seguiu à Revolução, quando a ciência já registava alguma evolução, até ao momento determinante: o primeiro Ministério da Ciência e da Tecnologia.

Embora ainda haja tempo a recuperar, o professor, uma das principais referências da Física em Portugal, salienta o progresso da divulgação científica, para a qual tem contribuído. Autor de vários livros, um dos mais recentes intitula-se 'A Ciência e os Seus Inimigos' da editora Gradiva, escrito em conjunto com David Marçal.

Tal como David Marçal já havia feito em entrevista ao Notícias ao Minuto, também Carlos Fiolhais deixa duras críticas às medicinas e terapêuticas alternativas, cujos profissionais ainda esta segunda-feira protestaram junto ao Parlamento, reclamando direitos iguais.

Carlos Fiolhais quer um Serviço Nacional de Saúde ainda mais focado nos cidadãos e foi uma de 44 personalidades que assinou um documento a pedir alterações à Lei de Bases na Saúde.

Quando é que começou a interessar-se pela área da ciência?

Entre os 10 e os 16 anos. Portanto quando uma pessoa começa a interrogar-se  sobre o que é que gosta mais de tudo o que está a aprender na escola. No entanto, não estava interessado na ciência apenas por aquilo que era ensinado na escola. Das coisas que mais prazer me dão é ler e escrever. Mas eu, tendo sido muito ajudado pelos meus professores - sem eles não seria nada do que sou -, descobri o que era a ciência em jovem através de livros de divulgação científica. Não havia tantos como há hoje, mas já havia alguns bons. E pude descobrir que a ciência era um processo, não um conjunto de conhecimentos acumulados como a escola nos ensinava para decorarmos e depois termos uma profissão. Sem dúvida que os conhecimentos são importantes, mas mais importante do que isso é o processo que leva aos conhecimentos, o método científico: a dúvida, a interrogação, o espírito crítico, a observação, a experimentação, o raciocínio lógico. A ciência é isso tudo. Percebi que descobrir era uma aventura. Era um esforço humano, continuado. 

E o que o levou a ir para Física?

Tinha 16, 17 anos e escolhi ir para física. Disse ao meu pai ‘Eu vou para Física’ e o meu pai perguntou-me ‘Mas isso dá para quê?’. De facto, era uma boa pergunta. Na altura, não sabia nem me importou. A Física era algo que não aparecia nos manuais escolares tal qual era, mas que eu pressentia que era algo interessante que podia seguir. Fui atrás desses segredos da matéria, da energia, do Espaço e do tempo, e do Universo. Eu fui para física para descobrir o Universo… A descoberta do Universo é um empreendimento humano e eu, embora de forma limitada e modesta, podia ser uma parte desse processo de conhecimento. Descobri que eu próprio podia descobrir. Que eu próprio podia dizer ‘Eureka’. Não era ‘Tureka’, ou ‘Eleka’, mas sim ‘Eureka’.

Entrei na Universidade de Coimbra com 17 anos, em 1973, nas vésperas do 25 de Abril, tendo escolhido o curso de Física. E, respondendo à pergunta do meu pai, mal acabei o curso estenderam-me logo um contrato para ficar como assistente e disseram-me ‘Queremos que dê aqui umas aulas, mas depois queremos que vá fazer um doutoramento no estrangeiro, na Alemanha’. Nem me deram a escolher outro país, mas sim a cidade dentro do país... Passado um ano fui para Frankfurt, onde acabei um doutoramento em Física Teórica, com uma tese sobre a cisão do núcleo atómico. Fiz um doutoramento em Física Teórica Nuclear.

O problema que temos de pouca produtividade tem a ver com a falta de organizaçãoQue diferenças sentiu quando deixou Portugal, que tinha saído há pouco tempo da ditadura, e foi para a Alemanha?

Fui para a Alemanha porque havia interesse em alargar a cooperação científica com a Europa, muito em particular com a Alemanha, com a qual não havia grande tradição de contactos. Eu sou resultado do ensino superior pós 25 de Abril. Sou um filho do 25 de Abril nesse aspeto. Faço parte da circulação europeia na ciência que teve lugar antes de Portugal entrar na União Europeia. Apercebi-me, de facto, de diferenças culturais muito nítidas.

A ponte cultural que percorri entre Portugal e a Alemanha fez-me muito bem. Fez-me perceber que nós em Portugal temos coisas boas, mas também outras más. Por exemplo, a desorganização, o atraso, a falta de estrutura em muitos trabalhos que fazemos. Se os alemães querem organizar uma festa começam um ano antes, têm o plano A, o plano B e o C. O português não começa um ano antes: se faltarem 15 dias, ainda faltam 15 dias. Se faltar um dia ainda falta um dia. E não há planos B e C. O problema que temos de pouca produtividade tem a ver com a falta de organização.

A sociedade alemã é uma sociedade que, à custa de planeamento, é mais estável e fiável. Mas o que é engraçado é que nós, portugueses, sendo diferentes, integramo-nos bem, como eu fiz. Conheci bem a primeira e a segunda geração dos emigrantes portugueses e integravam-se perfeitamente. A nossa desorganização não é, portanto, uma fatalidade. 

Se dividirmos o número de publicações científicas pelo número de habitantes, nós temos números muito semelhantes aos da Alemanha

Em termos de ciência especificamente. Na Alemanha esta área estava mais evoluída, já se tinham registado mais avanços.

Sim. Havia mais gente, mais equipamentos, tudo funcionava na universidade, exceto talvez a comida na cantina. A ciência alemã tem tradição. Na altura da Física Quântica, a língua comum para transmitir a ciência era o alemão, não era o inglês. Isso só mudou depois da Segunda Guerra Mundial e com a ascensão dos Estados Unidos. Eu escrevi a minha tese em alemão, por exemplo.

Na ciência estão mais desenvolvidos, hoje como no passado, os índices não enganam. Embora em Portugal, desde que eu lá estive em 1982 haja uma diferença enorme, da noite para o dia. No ano em que me doutorei tínhamos cerca de 200 doutorados dos quais 90% lá fora. Hoje em dia formam-se milhares de doutorados e 90% formam-se cá. Portanto nós tivemos, utilizando um jargão da economia, um processo de convergência muito rápido na ciência. Se tivesse sido assim na economia à mesma velocidade que foi na ciência… Estamos a formar muitas mais pessoas, estamos a publicar muito mais. Se dividirmos o número de publicações científicas pelo número de habitantes, nós temos números muito semelhantes aos da Alemanha neste momento.

Pode-se dizer que a ciência em Portugal estava estagnada até ao 25 de Abril e depois é que começou a evoluir?

A mudança mais nítida da ciência em Portugal foi posterior ao 25 de Abril. Aconteceu com a entrada na Comunidade Económica Europeia e, mais acentuadamente, em 1995, quando surgiu o Ministério da Ciência e da Tecnologia com José Mariano Gago. Antes do 25 de Abril havia ciência mas não em medida suficiente. O Estado Novo teve uma relação muito difícil com a ciência.

Uma coisa é certa: a ciência de nada vale se não for uma propriedade de todos. E há dois instrumentos fundamentais para que isso aconteça

Algo que faz muito atualmente é comunicação da ciência. Sente que há essa necessidade de criar uma ponte com as pessoas e contribuir para a divulgação científica?

O José Mariano Gago percebeu e nós percebemos com ele e fomos solidários nisso, eu entendia-me bem com ele, que a ciência não é só dos cientistas: a ciência é de todos. Portanto, quando falamos de apoiar a ciência, não se trata apenas de apoiar os cientistas ou de apoiar a investigação científica. É acima de tudo reconhecer e apoiar a ciência na sociedade. E, para isso, a ciência tem de dialogar com todos os setores da sociedade. Tem de dialogar com a cultura, com a religião, com todas as dimensões do ser humano.

A cultura científica. consiste na comunicação da ciência à sociedade, na partilha da ciência para ela ser um bem comum. E esse processo, que a Agência Ciência Viva tem feito, a par com editoras como a Gradiva que têm apostado em bons livros de divulgação científica, tem de ser continuado. Nós olhamos para os países mais desenvolvidos como a Alemanha, e eles têm várias revistas científicas nos quiosques. O mesmo se passa em França e no Reino Unido, onde há meia dúzia de títulos à venda. Também têm vários programas de rádio e televisão sobre ciência, coisa que nós quase não temos. 

Mas seremos cientificamente cultos? É difícil medir a cultura científica de uma população. A União Europeia fez estudos no quadro do Eurobarómetro e os nossos resultados não foram muito bons, o que é natural. Os países mais desenvolvidos têm pessoas com maior riqueza económica e cultural, uma coisa vai com a outra, e nós ainda não estamos no mesmo patamar de desenvolvimento.

Uma coisa é certa: a ciência de nada vale se não for uma propriedade de todos. E há dois instrumentos fundamentais para que isso aconteça. O primeiro é a escola, que é fundamental e eu interrogo-me se a nossa escola está a cumprir o seu papel de dar ciência a todos, se dá a todos a ciência como método, como capacidade de dúvida e crítica. Eu gostava que estivesse a fazer mais. Julgo que há que começar mais cedo, no jardim de infância e no primeiro ciclo do ensino básico. O segundo são os media, incluindo não só a imprensa escrita, mas também a televisão e a internet, que são resultado da ciência. A ciência mudou o mundo! Mas repare-se no paradoxo: na internet vemos uma quantidade incrível de pseudo-ciência e anti-ciência. É difícil medir, mas diria que a maior parte das coisas que encontramos na internet tem muito pouco a ver com a ciência, entendida como conhecimento validado. Virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Os cientistas colocaram a internet ao serviço das pessoas e as pessoas colocaram a internet ao serviço de tudo e mais alguma coisa, incluindo as maiores irracionalidades.

David Marçal que escreveu consigo o livro ‘A Ciência e os Seus Inimigos’ apontou as medicinas e as terapias alternativas como sendo dos principais inimigos da ciência neste momento, concorda?

Há muitos inimigos da ciência. No nosso livro distinguimos categorias, mas pode haver sobreposições. Falamos dos ditadores, dos ignorantes (Trump é mais um ignorante do que um ditador, se estivesse noutro país seria talvez mais perigoso), dos vendilhões, isto é, os vendedores de banha da cobra, dos obscurantistas, que todos querem confundir. Os vendilhões e os obscurantistas sobrepõem-se nas medicinas chamadas alternativas, que não são de facto alternativas reais. As medicinas alternativas querem vender qualquer coisa e querem gerar confusão, dizendo por exemplo que as vacinas causam autismo ou que a medicina convencional é extremamente perigosa. Quase só falta dizer que é a medicina que causa o cancro. Em Portugal persiste uma certa crendice irracional. Se alguém diz que ‘esta mezinha é da China e tem tradições milenares”, ganha uma aura mesmo que seja um mero vendedor. A tradição não tem nada de científico.

Não há muitos países na Europa em que se venda banha da cobra sem pagar IVA!

Esse tipo de argumentos costumam resultar muito bem, não é? Quando se diz que é algo muito utilizado noutros países há muitos anos.

Exatamente. E depois dizem que ‘Trata-se de uma outra ciência, ainda melhor do que a ciência’. Há todo o tipo de argumentos, mas que não são verdadeiramente argumentos lógicos, não têm sustentação científica. Essas pessoas não querem sujeitar os seus produtos às provas que os  outros produtos são sujeitos para se averiguar se são eficazes e seguros. Qualquer medicamento que tomamos, qualquer alimento, tem de ter um certo controlo. No caso das medicinas e terapêuticas alternativas, a única coisa que têm de provar é que são inócuos. Em muitos casos até são. Eu e o David Marçal já tomámos uma embalagem inteira de comprimidos homeopáticos para a gripe, algo que não poderíamos fazer com medicamentos convencionais. Não ficámos altamente intoxicados. Confiámos na afirmação de que eram altas diluições. E, de facto, não nos aconteceu nada.

As pessoas acreditam nestas medicinas porque alguém próximo lhes disse que eram boas ou porque estão desesperadas e tendem a acreditar em qualquer coisa. Há, porém, muita gente a beneficiar com a irracionalidade alheia. O que mais me custa é que em Portugal – e o David sabe mais sobre isso do que eu – há um movimento de legalização, de normalização, de aceitação desse tipo de produtos e atividades. Os medicamentos alternativos não estão hoje sujeitos a IVA, o que significa que se trata de um negócio muito rentável para quem o faz mas que não redunda em benefício económico para o Estado, para todos nós. Não há muitos países na Europa em que se venda banha da cobra sem pagar IVA!

Outra das questões abordadas no livro é a liberdade. A liberdade é fundamental para a ciência?

Sim, porque a ciência começa por ser livre pensamento. Interrogarmo-nos sobre o mundo, podermos ouvir também as livres interrogações dos outros, trocar as nossas interrogações uns com os outros. A comunidade científica faz-se à escala global. A ciência não é o que faz um indivíduo. Às vezes dizem ‘Descobriu-se’. Não se descobriu nada. Havemos de descobrir juntos daqui a uns anos se está certo. Uma descoberta não é um artigo. A ciência é um acumular de provas que se faz à medida em que outras pessoas vão repetir os mesmos procedimentos e verificam que aquilo de facto é como lá está. E a ciência não dá certezas. O que a ciência dá é menos incerteza.

O processo de discussão é próprio da ciência. Haver um indivíduo que contradiz o outro não tem mal nenhum. Por exemplo, no caso das alterações climáticas. O que é mau é quando 97% dos cientistas concordam que há alterações climáticas provocadas pelo Homem e alguém se quer agarrar aos 3% que querem mais provas. É muito mais provável que a maioria tenha razão.

A ciência não é verdade mas é o método que nós temos para detetar erros e a liberdade é essencial para este processo. A ciência é questionamento, é de, algum modo, o desprezo da autoridade. Já aconteceu um cientista dizer uma coisa e o outro dizer outra, mas nunca nenhum cientista vai dizer que não é nada disso. O que pode dizer é ‘uma parte do que estão a afirmar não é assim’. É esta compreensão do que é a ciência, que é o resultado das respostas que vamos adquirindo e acumulando e que se baseia na liberdade e no espírito crítico. É este processo que leva ao que chamo de progresso da ciência. É difícil falar de progresso noutras áreas. Não sei se na moral há progresso, por exemplo.

Na ciência hoje sabemos mais do que ontem e amanhã saberemos mais do que hoje. A liberdade é de resto algo que une a ciência e a democracia. No livro ‘A Ciência e os Seus Inimigos’ associamos a ciência à sociedade aberta do Popper, que é como quem diz a democracia. O Popper dizia que ‘ Na ciência nós descartamos os erros’. Nós podemos melhorar, podemos eliminar os erros. Em democracia nós podemos mudar os maus governos. Eu sei que o método é diferente do científico mas o método que está definido permite eliminar erros na condução da sociedade. É portanto mais um parentesco entre democracia e ciência.

O facto de ser o Estado o garante dos cuidados de saúde da população, não quer dizer que seja o Estado o prestador de todos os cuidados de saúde

Foi uma de 44 personalidades que assinou um documento no qual é proposto um sistema de saúde com uma maior articulação entre serviço público, privado e social, de forma a estar centrado no cidadão. É imperativa esta alteração à lei de bases na saúde?

A saúde é das coisas mais preciosas que temos. É algo inestimável e as sociedades democráticas têm de assegurar isso à população. Em Portugal conseguiu-se isso a seguir ao 25 de Abril com o Serviço Nacional de Saúde, que, ao contrário de outros países, é um serviço universal. O Estado comprometeu-se a prestar cuidados de saúde independentemente das posses das pessoas. Mas a saúde cada vez é mais cara porque utiliza meios maiores até porque cada vez dá mais resultados. Temos uma acumulação de dívida na saúde. Temos um problema de sustentabilidade no Serviço Nacional de Saúde. Essa sustentabilidade não devia ser vista a curto prazo, deve ser vista a médio e até a longo prazo porque nós vamos viver muitos anos. Não é uma questão do próximo orçamento da saúde. Como é que os orçamentos plurianuais de saúde vão funcionar para que a saúde seja a melhor possível para todos? A questão é o serviço público que é prestado a todos.

O facto de ser o Estado o garante dos cuidados de saúde da população, não quer dizer que seja o Estado o prestador de todos os cuidados de saúde. A experiência mostra, não só em Portugal, que o setor privado é muito mais eficaz a fazer mudanças para adaptar-se a novas situações que existem devido aos desenvolvimentos da ciência. Consegue ir buscar mais facilmente um medicamento, um tratamento, etc., porque as leis no setor público estão extremamente burocratizadas, estão muito pesadas.

Atualmente, no Serviço Nacional de Saúde há uma boa parte do serviço que é fornecido não necessariamente pelo Estado, mas por vários setores. O que dizemos nesse documento é que essa diversidade de participação no fornecimento do Serviço Nacional de Saúde deve ser preservada. É um engano pensar que os privados ficam apenas para os ricos e que o setor cooperativo fica desligado de qualquer compromisso com o Estado. Uma sociedade funciona melhor se estes setores com funcionamentos diferentes se puderem ajudar. O que queremos é chamar a atenção para o facto de a saúde ser um bem comum e que pode ser algo com que todos beneficiamos se o Estado não for o único fornecedor.

Stephen Hawking? O seu poder de comunicação devia-se paradoxalmente ao facto de ele não poder falar e estar preso no seu corpo

Estamos na iminência de alguma grande descoberta na área da Física ou algum avanço científico?

Na Física teórica, que foi a área que me atraiu quando era jovem e onde tenho trabalhado, há muitas perguntas que permanecem há muitos anos sem resposta. A questão de haver uma teoria unificada, uma força única. Nós temos um quadro de unificação de algumas forças mas falta unir a teoria da gravidade às outras forças, como a teoria quântica unificada. É uma espécie de sonho de Einstein. Essa força única teria presidido ao Big Bang e, enfim, nós não temos aceleradores com energia suficiente para poder recriar o Big Bang nos momentos iniciais. Portanto temos propostas de teorias unificadas, umas dão pelo nome de supercordas. Já há bastantes anos, há décadas até, não só não têm tido confirmação mas, pior do que isso, não há nenhuma evidência da sua utilidade. De não ser apenas matemática, de estar relacionado com a realidade. Além disso, será muito difícil fazer experiências pois é muito caro. No CERN já vamos até ao limite e há muitos anos que já não dá nada. Consolida os resultados existentes mas não dá partículas novas.

Há mistérios que identificámos no cosmos, há motivos para estarmos satisfeitos do ponto de vista teórico mas com os instrumentos que temos disponíveis não tem havido progressos. Mas há coisas muito interessantes que se estão a passar. A descoberta recente das ondas gravitacionais que deu o Prémio Nobel foi uma previsão do Einstein quase há 100 anos. 

Depois há desenvolvimentos muito interessantes dos planetas extra-solares. Andamos à procura de outras Terras, parecidas com a nossa, eventualmente com vida. Mas a Física não é só a Física do fundamental das fronteiras. É a Física de sistemas complexos, da nanotecnologia. Hoje em dia quase podemos fazer materiais por desenho. Uma das fronteiras da ciência é fazer simulações com o cérebro. Vamos também entrar no capítulo da Inteligência Artificial. Na genética também já registámos grandes avanços.

Este ano fica marcado pela morte de Stephen Hawking. Que legado deixou ele?

O Stephen Hawking era talvez nesta altura o cientista mais conhecido, não pela ciência que fazia, que é uma ciência de ponta mas com muitos aspetos não provados. Mas devido talvez à sua grande capacidade de comunicação. Os livros que fez e as suas intervenções. Ele não passa os níveis do Einstein, mas, até há pouco tempo, era dos cientistas vivos mais conhecidos. E o seu poder de comunicação devia-se paradoxalmente ao facto de ele não poder falar e estar preso no seu corpo. Ele não perdeu a vontade de viver, não perdeu o humor, não perdeu o amor. O Hawking não nos vai sair da memória coletiva. Vamos sempre lembrar-nos daquela pessoa que estando na Terra diminuído pela doença conseguia pensar o cosmos, os mistérios dos buracos negros, o Big Bang. O cérebro humano tem este poder de desbravar o desconhecido mesmo quando está preso a uma vida contingente neste pequeno planeta.

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