Inês Sousa Real, atual líder da bancada parlamentar do PAN, será eleita a nova porta-voz do partido, no próximo Congresso Nacional do PAN, que decorrerá de 5 a 6 de julho deste ano, em Tomar.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, a futura sucessora de André Silva garantiu que a sua liderança não irá traduzir-se numa fratura com a direção anterior, mas prometeu um "aprofundamento" e "uma diferença de estilo" da visão que tem sido traçada, na última década, para o partido.
Aos 40 anos, a jurista, que deu os primeiros passos no PAN enquanto ativista, deixou claro que o partido não cabe na dicotomia esquerda-direita, 'descolando-se' da esquerda e de aproximações ao Governo. Apelando à união, Inês Sousa Real sublinhou que há espaço no partido para divergências, mas não para crises, fechando, assim, as portas aos que saíram e a um passado que não se deverá repetir.
Para o Governo, fica a promessa de uma postura mais exigente e agressiva da parte do PAN nas negociações do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) e, para o país, a liderança de uma mulher que tudo fará pela defesa do ambiente, do bem-estar animal e da proteção dos direitos humanos, já de olho no arco governativo.
Acima de tudo, gosto de fazer e fazer acontecer e, por isso, não podia virar costas agora
Era um objetivo/sonho seu ser líder do PAN?
Não. Confesso que, mesmo quando era criança ou jovem, nunca me imaginei num partido político, muito menos como dirigente do PAN. Comecei a colaborar de forma voluntária com o partido nos grupos de trabalho que surgiram e que pretendiam defender os direitos dos animais e o meio ambiente, antes do partido estar oficializado. Depois, inscrevi-me como filiada, mas o meu espírito foi sempre um de missão e de estar disponível sempre que o partido precisou de mim para coadjuvar naquilo que foram os diferentes desafios que enfrentou. Nunca imaginei ou perspetivei que um dia viria a ser candidata a porta-voz do partido.
No entanto, tendo em conta que sempre me dediquei às causas públicas não podia virar as costas a este desafio, considerando que o PAN nunca teve uma líder mulher, que estamos num momento de profunda renovação e de viragem no partido após alguma crise interna, mas também numa altura em que o próprio país tem de responder a uma crise socioeconómica sem precedentes e a uma crise ambiental que não desapareceu. Acima de tudo, gosto de fazer e fazer acontecer e, por isso, não podia virar costas agora.
Já não é a primeira vez que fala da importância de uma liderança no feminino no partido. Que diferenças acredita que irá trazer à direção do PAN por ser mulher?
Independentemente do género, o importante é termos um coletivo de pessoas fortemente empenhadas com o ideário do PAN. Este aspeto tem de estar presente na liderança sejamos nós mulheres ou homens. Mas, considero que na liderança feminina há caraterísticas que efetivamente podem beneficiar não só os países, como também os diferentes coletivos, incluindo um político, como podemos verificar no caso da Nova Zelândia.
Este perfil mais cuidador das mulheres é uma característica que acredito que pode fazer a diferença. Muitas vezes, até na política, confunde-se sensibilidade com fragilidade ou a criação de pontes de diálogo e de harmonização de diferentes interesses com fragilidade. Este fenómeno ocorre porque estamos muito habituados à liderança no masculino. Mas, claramente, aquilo que as diferenças, os saltos geracionais e até civilizacionais nos têm demostrado é que precisamos de ter mais empatia e estilos comunicacionais diferentes. Espero, ainda que modestamente, contribuir com as minhas características pessoais e com uma liderança no feminino para reforçar o partido, a união interna no PAN e o caminho que temos a seguir do ponto de vista externo. Estou fortemente empenhada e animada para isso.
Não haverá uma fratura ideológica daquilo que tem sido a liderança. Haverá um aprofundamento e uma diferença de estilo
Quais considera que poderão ser os seus pontos fortes e fracos enquanto dirigente?
Quanto aos pontos fortes, sou muito resiliente. Quando estamos a dar voz a quem está no fim da linha e lidamos diariamente com tanta fragilidade e vulnerabilidade, de facto, é preciso ser-se muito resiliente para se continuar e não baixar os braços. Portanto, acredito que esta é uma característica que me marca de forma muito positiva.
Depois, sou muito empática. Apesar de esta ser uma característica positiva, por vezes, também pode, de alguma forma, constituir uma fragilidade. A injustiça e o sofrimento, seja humano ou animal, incomodam-me profundamente e, tanto como ativista como membro e deputada do PAN, estas são realidades com que me deparo no quotidiano. O mundo está tão estragado e precisa de ser tão urgentemente remediado que esta empatia, às vezes, custa-me muito gerir na esfera pessoal. Portanto, a minha empatia vira-se, por vezes, contra mim. Espero, honestamente, que o meu percurso político nunca altere esta minha característica, mas tenho a consciência de que é um bocadinho mais difícil quando nos deixamos afetar ou quando não conseguimos ficar indiferentes a certos problemas, porque há um sentimento de urgência na correção, que depois se frustra nos obstáculos criados quando se tenta encontrar respostas para estas situações.
Quais são os pontos que a aproximam e afastam da liderança de André Silva?
O PAN tem ideologicamente um ADN muito vincado, nomeadamente, no que diz respeito à questão abolicionista, o que nos aproxima enquanto líderes e que marca uma versão comum. Contudo, por exemplo, quanto às políticas mais viradas para a fiscalidade, acredito que, independentemente daquilo que possam ser as taxas aplicáveis, como a taxa de carbono para a aviação e navegação, devemos pugnar por uma mudança pela positiva. Esta mudança passa, a meu ver, por criarmos mais incentivos para que as atividades e as diferentes áreas de atuação possam, por exemplo, fazer uma transição energética ou de reconversão das atividades que recorram a animais.
Ou seja, não haverá uma fratura ideológica daquilo que tem sido a liderança. Haverá um aprofundamento e uma diferença de estilo naquilo que acredito ser também essa visão, o que espero que contribua para levar o PAN mais longe porque isso significa levar as suas causas mais longe.
Aliás, uma das questões pelas quais iremos lutar é para que os animais sejam reconhecidos também na Constituição da República Portuguesa e para que o Estado tenha o dever de proteger e salvaguardar o seu bem estar. Queremos também reforçar o combate à corrupção, a reforma da Justiça e a participação cidadã, que é algo absolutamente fundamental se queremos combater a abstenção, por exemplo, chamando as assembleias de cidadãos a participar nas várias esferas de decisão.
Não basta dizermos que não somos nem de esquerda nem de direita. É preciso que as pessoas percebam em que é que isso se materializa
E sobre o posicionamento do PAN no espectro político esquerda-direita?
Sobre uma maior proximidade à esquerda ou à direita do PAN, tema que tem sido muito discutido, nesta moção deixamos bem claro onde o PAN se situa. Claramente, o PAN, sendo um partido progressista e que vem de forma disruptiva romper com a dicotomia esquerda-direita, é um partido que não cabe nestas categorizações. O PAN é o único partido que chama para toda a sua matriz ideológica a ética ecocêntrica. Isto é, o PAN assume-se como o único partido ambientalista em Portugal. O ambientalismo é transversal às diferentes conceções ideológicas e devia estar presente em todas, ainda que não se verifique nos dias de hoje. Portanto, há também na moção que acompanha a candidatura uma clarificação sobre esta questão.
Não basta dizermos que não somos nem de esquerda nem de direita. É preciso que as pessoas percebam em que é que isso se materializa, até porque o PAN tem uma visão disruptiva não só em matéria ambiental, mas também, por exemplo, na defesa da empatia para com os outros seres.
O ano passado vários nomes de peso do partido abandonaram o PAN e um dos argumentos apresentados, na altura, prendeu-se com uma "colagem à esquerda" por parte do partido. A clarificação desta questão na sua moção pode ser vista também com uma forma de unir o partido?
Importa esclarecer, antes de mais, que não considero que essa crítica seja justa. O PAN tem tido até um posicionamento mais distante daquilo que é a esquerda na atual legislatura do que teve no passado. Na minha opinião essa crítica não só é injusta como procurou justificar o injustificável em relação a uma posição de dissidência e de saída do partido. Basta olhar para o que têm sido as reivindicações do PAN ou as suas próprias conquistas. O PAN, de um ponto de vista muito paradigmático, com a responsabilidade que tem não se demite de fazer avançar as suas causas.
E, é por isso, que em momentos chave do nosso país, não só participamos no amplo debate que é o Orçamento do Estado como fazemos avançar as nossas medidas, procurando obter conquistas. Isto não deve ser confundido com uma aproximação ao Governo ou à esquerda, até porque há matérias absolutamente fraturantes que têm levado o Executivo a ter uma aproximação ao PAN e não o contrário, como por exemplo, a proibição do tiro ao voo ou até mesmo a proibição dos menores em eventos tauromáquicos, entre muitos outros exemplos que poderíamos dar, que são matérias com o ADN do PAN e que não são consensuais nas outras forças políticas. O PAN fará sempre o seu caminho para conquistar os objetivos das suas causas, mas isso não significa que não faremos oposição, muito pelo contrário.
Aliás, tendo em conta o momento que estamos a viver, quer do ponto de vista socioeconómico, quer do que vai ser a recuperação do país, já temos deixado o sinal de alerta ao Governo de que não pode estar de costas voltadas aos outros partidos políticos, que tem de negociar e de ouvir as outras forças políticas, sob pena de vir ter um problema grave em termos políticos. Sabemos que os portugueses não desejam, neste momento, uma crise política em cima de uma crise socioeconómica, mas isso não dá uma carta branca ao Governo para fazer aquilo que entende.
O PAN não está isento de fenómenos de dissidências, como tem acontecido noutros partidos. Em 10 anos, foi a primeira vez que tivemos de lidar com uma situação desta natureza
Então, o que é que falhou concretamente para que estas figuras proeminentes do partido - como o eurodeputado único do PAN Francisco Guerreiro ou a deputada parlamentar Cristina Rodrigues - tivessem saído do partido de forma tão abrupta e vocal?
Claramente, essas pessoas não estiveram disponíveis para fazer o debate interno em termos de coletivo e optaram por fazer um caminho de individualização. O PAN não está isento de fenómenos de dissidências, como tem acontecido noutros partidos. Em 10 anos, foi a primeira vez que tivemos de lidar com uma situação desta natureza, não quer dizer que não tivessem já saído antes do partido outras pessoas, mas nunca com esta dimensão, é verdade. No entanto, são pessoas que optaram por seguir uma agenda individual e projetos políticos pessoais ao invés de trabalharem em coletivo, defraudando, assim, até mesmo, aquilo que foi a confiança dos eleitores que elegeram quatro deputados e um eurodeputado do PAN.
Ainda assim, isto só demonstra que, até mesmo no futuro, é importante que saibamos ir buscar pessoas empenhadas nas nossas causas e que trabalhemos internamente para que as pessoas que são eleitas e que chegam a estes cargos estejam fortemente comprometidas com o PAN e com aquilo que é o ideário deste coletivo, para que estas situações não voltem a acontecer. Da nossa parte cabe-nos continuar a trabalhar fortemente para os nossos objetivos e para obtermos a confiança dos nossos eleitores, sem nos deixarmos perder em guerras internas, que seriam extremamente danosas não só para o PAN como também para o país, porque nós temos uma mensagem diferenciadora a passar e não há mais nenhuma força política que defenda como nós na Assembleia da República o ambiente, o bem-estar animal e até mesmo os direitos humanos.
Porém, nunca estaremos imunes a este tipo de situações porque somos um coletivo. Aquilo que não posso deixar de apelar internamente é que a diferença de opinião não pode significar fratura ou adversidade mas sim diálogo ou debate interno, pois só assim poderemos fortalecer o partido.
Admitiria que estas pessoas voltassem sob a sua liderança?
É evidente que não. Parece-me que ficou bem claro que estas pessoas não têm respeito pelo coletivo do PAN. Independentemente daquilo que pudessem ser as divergências políticas ou internas, optaram pelo caminho da difamação. Há aqui uma clara tentativa de fazer dano ao partido, que ao longo dos anos os acolheu e que os permitiu ser eleitos. Acredito que em política não vale tudo. Não existiu um compromisso com o PAN, que ficou expresso ao não entregarem os mandatos, quando o deveriam ter feito. Não temos de estar todos de acordo ou numa mesma lista, mas temos de estar todos comprometidos com o PAN. Por isso, penso que não há lugar para quem não tenha esse compromisso.
No PAN temos uma elevada responsabilidade de estar a lutar por causas que, até aqui, não eram levadas a sério pelo nosso espectro político. Se não tivermos a maturidade e a resiliência para lidarmos com as adversidades que possam existir internamente, vamos estar a prejudicar as próprias causas. No final do dia, o nosso compromisso é sempre com aquilo que é o nosso ideário. É irrevogável. A meu ver, seguimos claramente caminhos diferentes.
O PAN de hoje não é o mesmo PAN que foi fundado e a organização interna não acompanhou este crescimento do partido
Foi também por estes casos que apostou na reorganização do partido?
A questão da reorganização interna não está diretamente relacionada com estes casos, mas, sem prejuízo das lições que temos a tirar, até porque foram pessoas que trabalharam durante anos para o partido, propomos uma separação nos nossos estatutos em relação ao peso que tem a participação de quem é trabalhador numa comissão política nacional. Criámos este limite de que só até um quarto pode ser funcionário, à semelhança de outros estatutos.
Mas, acima de tudo, esta reorganização, deve-se a um facto muito simples: O PAN de hoje não é o mesmo PAN que foi fundado e a organização interna não acompanhou este crescimento do partido. Atualmente, importa sublinhar que temos representação parlamentar, políticos eleitos em diferentes autarquias, um deputado na região autónoma dos Açores e, ainda que tenhamos perdido o lugar no Parlamento Europeu, sabemos que no futuro próximo iremos lutar para reconquistar esse lugar.
Portanto, a estrutura interna tem de ter uma orgânica que acompanhe este crescimento do partido, o que não estava a acontecer. Esta restruturação é essencial até para podermos dar um apoio diferenciado aos nossos eleitos ou para garantir que os órgãos políticos não estão sobrecarregados com tarefas que não são políticas.
O mesmo argumento se impõe sobre a proposta da criação de uma juventude partidária. No PAN, esta 'jota' não será uma semelhante à dos outros partidos porque será sempre um órgão interno e não externo. Mas, tendo em conta que os jovens cada vez se reveem mais na agenda política do PAN, não faria sentido não lhes darmos voz dentro do próprio partido. Aquilo que nos propusemos é de dar esta norma estatutária que permite, depois, à Comissão Política Nacional auscultar as bases internas e também os nossos jovens para que, já depois do Congresso Nacional, em conjunto com os mais novos, se proceda à criação desta estrutura.
E como é que encara a falta de outras candidaturas na disputa da liderança?
Mesmo sendo lista única, fizemos questão de ir visitar diferentes pontos do país e de estar com as nossas bases para apresentar a lista e moção. Aquilo que temos sentido nestas visitas, até agora, embora existam pontualmente diferentes opiniões e visões para o partido, é que há efetivamente um sentido de união e que há muitas pessoas que se identificam com esta candidatura. Aliás, não teria concorrido se não tivesse sentido, desde o primeiro momento, um forte apoio interno e externo em relação à candidatura. Porém, lamento que não tenham surgido outras candidaturas, penso que teria sido benéfico para o partido.
Ainda assim, temos já o registo de inúmeras moções que foram apresentadas do ponto vista sectorial ao Congresso Nacional, o que significa que os filiados e filiadas estão bastantes ativos e atentos à vida interna do partido. Ou seja, embora não exista outra lista acredito que este Congresso Nacional vá ser fortemente participado. Considero que há uma vontade muito expressiva dos nossos filiados em participarem, o que é muito saudável e desejável.
Com esta pandemia, ficou bem claro que o Governo não tem uma visão a médio e longo prazo para o país, no sentido de o tornar mais resiliente do ponto de vista social ou ambiental Há pouco referiu que o PAN já alertou o Governo para o facto de não poder virar as costas aos outros partidos, num momento em que "o país vive uma crise socioeconómica sem precedentes e uma crise ambiental que não desapareceu". Vão ser estas as matérias que vão dar o mote às negociações para o OE2022?
Sim, e também a questão da proteção animal. No entanto, neste momento, a nossa primeira preocupação antes de começarmos com a negociação do OE2022 é de perceber qual o ponto de execução das medidas do OE2021, até porque tínhamos medidas de extrema relevância que ainda não foram para frente, como por exemplo o reforço dos inspetores do SEF para o combate ao tráfico de seres humanos. Por outro lado, tínhamos conseguido o reforço de 10 milhões de euros para os canis, mas apesar de já termos interpelado a ministra da Agricultura relativamente aos despachos, os mesmos ainda não saíram, que se trata, na realidade, de um problema anual. Há uma inércia da Agricultura que é absolutamente incompreensível quando depois, em contramão, vão dar 10 milhões de euros ao setor da caça e para isso já os despachos saem, são céleres e eficazes a promover este tipo de medidas. Há também um conjunto de outras medidas, como por exemplo, referentes aos programas de 'housing first' para o apoio de pessoas sem-abrigo que fazem parte de medidas que ainda têm de ser concretizadas neste orçamento. O Governo tem também de dar resposta a outras medidas votadas no Parlamento, porque muitas destas visam contribuir para a transição em matéria climática. Só assim poderemos partir para uma mesa de diálogo em relação ao OE2022.
Depois, em relação ao OE2022 concretamente, temos a consciência de que este não é um orçamento qualquer. É fundamental que seja um orçamento que lance as bases para que, a médio e longo prazo, se recupere o país. Sabendo que vem aí tanto dinheiro da União Europeia, o investimento terá de ir para onde faz falta e isso não é possível se continuarmos a tapar buracos do Novo Banco, da aviação ou até mesmo a investir e a permitir as borlas fiscais que até aqui têm acontecido, por exemplo, para a indústria petrolífera.
Temos de fazer chegar este dinheiro à nossa economia e às nossas empresas, para as incentivarmos a levarem a cabo uma transição económica. A transição energética ou transição verde tem de apostar fortemente no empreendedorismo verde e isso não tem acontecido. Sabemos o enorme potencial do emprego verde para o país, considerando que pode gerar muitos postos de trabalho, mas, infelizmente, continuamos a ver aplicadas as mesmas velhas fórmulas que já estão gastas e não dão soluções ao país. Com esta pandemia, ficou bem claro que o Governo não tem uma visão a médio e longo prazo para o país, no sentido de o tornar mais resiliente do ponto de vista social ou ambiental.
O dinheiro não vale tudo e o bem-estar das populações e de todos os seres vivos não pode estar subjugado à economia. A economia é que tem de estar alicerçada e alinhada com aquilo que são opções políticas em matéria ambiental, de proteção animal e dos direitos humanos
Então, pode dizer-se que, em relação ao próximo orçamento, a posição do PAN será mais exigente e agressiva?
Terá de ser inevitavelmente. Não podemos desperdiçar esta oportunidade única em relação aos fundos europeus e isso não é compatível com a injeção de dinheiro nos suspeitos e interesses do costume. Precisamos de reforçar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), de apostar nos modelos educativos para uma reforma do sistema de ensino, de garantir o acesso a todos à habitação. Não podemos ignorar que há cada vez mais pessoas e famílias a enfrentarem perdas de rendimentos ou que os despedimentos coletivos estão a aumentar no país. É imprescindível que consigamos garantir a criação de novos postos de trabalho que acomodem estas pessoas. Temos também de apostar na reconversão profissional, travar atividades altamente poluentes, como por exemplo, a indústria pecuária e, de uma vez por todas, ter uma visão que permita a transição destas atividades para outros modelos produtivos que respeitem o meio ambiente e os direitos dos animais.
O dinheiro não vale tudo e o bem-estar das populações e de todos os seres vivos não pode estar subjugado à economia. A economia é que tem de estar alicerçada e alinhada com aquilo que são opções políticas em matéria ambiental, de proteção animal e dos direitos humanos. Temos uma visão diferenciadora e não nos furtaremos de a levar para a mesa das negociações com o Governo quando falarmos do OE2022.
Mas, nas próximas legislativas, admite uma possível formalização de acordo com o PS para a formação de Governo?
Neste momento, estamos a falar de forma precoce desta questão. Não sabemos o que nos reserva estes próximos dois anos de mandato. O PAN concorre para ser Governo, portanto, é um partido que não foge às suas responsabilidades e às que o país lhe queira depositar. Mas, é também importante vincar que o PAN tem um cariz identitário muito próprio e que, nesse sentido, só após uma análise das condições políticas, que poderão existir na altura, é que poderemos fazer essa avaliação.
Aquilo de que não nos demitimos é fazer pontes de diálogo para fazer avançar as nossas causas. Aliás, deveria ser sempre assim em política, que todos trabalhássemos em conjunto para um bem comum. Contudo, existe alguma resistência, até do ponto de vista cultural, no nosso país, em relação a esta forma de fazer política. Há muito aquela perspetiva de que na política se deve fazer oposição por fazer.
Considera que um partido de causas tem perfil para Governar?
Sim, essa tendência tem-se verificado a nível europeu. Basta ver a onda verde em França, ou até mesmo na Alemanha. Cada vez há mais pessoas que se reveem nesta visão ambientalista. Estamos numa era que tem de pautar pela transformação e pela mudança de paradigma. A nossa ação, até agora, tem sido absolutamente destrutiva e devastadora para os ecossistemas, pondo em causa a nossa própria sobrevivência. Felizmente, as pessoas estão cada vez mais conscientes disso. Por isso, acreditamos que esta procura em forças políticas que vêm dar respostas aos desafios do nosso tempo têm se traduzido, por exemplo, também no crescimento do PAN. Ainda que possa ter sido mais lento ao longo do tempo, a verdade é que o PAN tem reforçado sempre a sua presença, ao longo dos anos.
Acreditamos que vamos conseguir reforçar a nossa presença nas autarquias e conquistar uma vereação, ainda que sejam objetivos ambiciosos, tendo em conta os constrangimentos
Por falar em reforço político, com as eleições autárquicas à porta, quais são as metas concretas que o PAN quer atingir na próxima corrida às urnas?
Uma das metas a atingir é conseguirmos uma primeira vereação. Contudo, temos a consciência de que estas são umas eleições em que estamos mais condicionados pela crise sanitária e por uma realidade política diferente, com uma maior pluralidade de forças partidárias. No entanto, acreditamos que vamos conseguir reforçar a nossa presença nas autarquias e conquistar uma vereação, ainda que sejam objetivos ambiciosos, tendo em conta os constrangimentos.
Nestas eleições, esperamos também que os portugueses, como aconteceu em França, mostrem o cartão vermelho aos nossos autarcas no que diz respeito à preservação ambiental, que é um problema gravíssimo local em Portugal. De Norte a Sul, as autarquias têm tratado as árvores como se fossem meros objetos, penhorando aquilo que é a qualidade de vida nas nossas cidades e também das gerações futuras. O PAN recebe quotidianamente queixas e denuncias precisamente sobre a forma como o arvoredo é tratado, a nível autárquico. Isto não pode acontecer e tem de haver uma viragem nas políticas públicas locais em matéria ambiental.
Assim, esperamos ainda que, nestas eleições autárquicas, a população participe, que vote em segurança e que sejam criadas condições para que também possa haver campanha eleitoral dentro daquilo que seja o contexto sanitário na altura. Temos de começar a mudar as autarquias, que são absolutamente imprescindíveis para garantir o apoio à população, ainda para mais depois desta crise.
Há uma grande antecipação para quem serão os candidatos do PAN às Câmara de Lisboa e do Porto. Já algum nome que possa avançar ou quando é que vão ser anunciados os candidatos?
Brevemente, vamos anunciar. Não será hoje que vou quebrar esse silêncio em relação aos nossos candidatos [risos]. Aguardamos com expectativa o momento em que o vamos fazer porque acreditamos que são pessoas que vão certamente fazer a diferença em todo o país, incluindo nas áreas metropolitanas como Lisboa e Porto. Estamos muito confiantes.
É absolutamente injustificável que, em pleno século XXI, se torturem animais numa arena e se tente elevar isso a espetáculo. O PAN não vai parar de trabalhar enquanto houver touradas no país, como fez até aqui
A moção que acompanha a sua candidatura propõe um limite máximo de três mandatos de dois anos para o porta-voz do partido. Acredita que ainda vai ver a abolição dos eventos tauromáquicos em Portugal durante a sua liderança?
Não sabemos em que momento vamos conseguir essa vitória, mas acredito que o país irá dar esse passo. Temos tardado na abolição destes eventos. É absolutamente injustificável que, em pleno século XXI, se torturem animais numa arena e se tente elevar isso a espetáculo. O PAN não vai parar de trabalhar enquanto houver touradas no país, como fez até aqui. Até agora, já conseguimos retirar as isenções, do ponto de vista fiscal, que a atividade tinha, terminar as transmissões televisivas - que foi uma das condições para o OE2021- e impedir a presença de menores nestes eventos, embora esta seja uma medida que o Governo terá ainda de executar.
Acredito piamente que, nos próximos anos, iremos dar esse salto civilizacional, espero que seja ainda durante o meu tempo.
Tenho a noção de que faço parte da última geração de políticos que tem o verdadeiro poder para travar o declínio vertiginoso que estamos a assistir em termos ambientais, no planeta
E que outras conquistas gostava de alcançar durante o seu mandato?
Essa é sempre uma pergunta difícil, são tantas as conquistas que quero alcançar. Mas, para além da abolição da tauromaquia e de outras formas de divertimento cruel à conta dos animais, considerando uma visão mais estratégica, penso que seria fundamental termos uma tutela própria de proteção animal no nosso país.
Mas, para além das questões de proteção animal, tem de existir uma transição para um modelo mais sustentável na forma como vivemos e nos relacionamos. Transitarmos para um modelo económico mais justo, parece-me que é uma medida necessária e que se materializa em questões como a garantia da existência de uma maior conciliação entre o trabalho e família. Isso passa por uma licença de maternidade e paternidade equiparada - proposta que já foi apresentado no Parlamento -, por uma forte aposta em empregos e empreendedorismo jovem verde, por um tratado para os nossos oceanos ou pela lei do clima.
Do ponto de vista humanitário, há que traçar um caminho mais eficaz no combate à pobreza. Verificámos, mais uma vez agora com esta pandemia, que as pessoas mais vulneráveis são as que continuam a ficar para trás, incluindo as mulheres. Por isso, gostava muito de, até ao final deste mandato, ver mais avanços no combate à pobreza. Quanto aos fenómenos do assédio sexual e da violação, tem havido muita resistência para mudarmos o código penal nestas matérias, quer no âmbito da proteção das vítimas, com o estatuto das vítimas das próprias crianças, quer ao nível do assédio sexual, nos prazos de prescrição e depois dos próprios tipos criminais. Temos um atraso civilizacional nos direitos humanos das mulheres e, de facto, se conseguirmos alterar a legislação nesta dimensão sentir-me-ia bastante feliz.
Em relação àquilo que são as conquistas do partido, sabendo que quando terminar este mandato vamos estar perante o desafio de uma nova eleição legislativa, a consolidação do nosso grupo parlamentar é um objetivo prioritário para mim, sendo que o seu aumento seria, obviamente, ainda melhor. Deixar-me-ia também muito realizada se conseguíssemos um deputado regional na Assembleia da Madeira e uma maior representação local, após as autárquicas.
Ainda assim, acima de tudo, infelizmente, tenho a noção de que faço parte da última geração de políticos que tem o verdadeiro poder para travar o declínio vertiginoso que estamos a assistir em termos ambientais, no planeta. Se não dermos um passo atrás agora estaremos a penhorar o bem-estar da nossa sociedade e das gerações futuras. Espero contribuir, ainda que modestamente, para este combate. Tenho a certeza de que a história demonstrará que estamos do lado certo.
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