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"O conceito de hospital de proximidade acabou, é o de oportunidade"

O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), António Nunes, chamou à atenção que "se acontecer uma fatalidade dentro de uma ambulância, a responsabilidade não pode recair no corpo de bombeiros". António Nunes é o convidado desta sexta-feira do Vozes ao Minuto.

"O conceito de hospital de proximidade acabou, é o de oportunidade"
Notícias ao Minuto

09/08/24 por Joana Duarte

País António Nunes

O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), António Nunes, garante "aos portugueses que os bombeiros se mobilizarão e tentarão encontrar sempre as melhores soluções", apesar da instabilidade vivida no Sistema Nacional de Saúde (SNS). Em entrevista ao Notícias ao Minuto, António Nunes chamou à atenção que "se acontecer uma fatalidade dentro de uma ambulância a responsabilidade não pode recair no corpo de bombeiros".

 

Sobre as divergências com o INEM, o presidente da LBP referiu que os bombeiros não têm capacidade financeira para se endividarem "para prestar um serviço que é uma obrigação do Estado". Apesar disso, defende que os bombeiros não podem "conformar-se com as dificuldades e esperar melhores tempos. Isso é que não pode acontecer".

Relativamente aos fogos, António Nunes acredita que foi desde 2017 que "Portugal acordou para a problemática da prevenção dos incêndios florestais". Ainda assim, refere o responsável, Portugal está aquém na prevenção e nos combate aos fogos.

Nós não podemos ficar confortáveis com o sistema que não está a funcionar adequadamente

A Liga dos Bombeiros Portugueses tem vindo a alertar para os tempos de espera nas urgências, que refere ser, em muitas das situações, entre 20 e 30 minutos. Neste sentido, o que considera ser urgente fazer para melhorar o socorro prestado a todos os doentes?

Não lhe consigo dizer o que é preciso fazer do lado da saúde, porque compreenderá que eu não sei o que é que se passa dentro dos hospitais. O que sabemos é que as urgências hospitalares, em alguns hospitais, estão encerradas - ou na totalidade, como é o caso da obstetrícia, ginecologia e muitas das vezes pediatria ou estão suspensas em determinas especialidades, como a cirurgia ou ortopedia. E isso condiciona todo o desempenho que os bombeiros têm de ter no socorro pré-hospitalar, sendo certo que os bombeiros são um dos elos da cadeia e não são a cadeia. 

Ou seja, há aqui outros intervenientes antes dos bombeiros, que é o INEM, CODU. E depois dos bombeiros, que é a urgência dos hospitais. 

Naquilo que diz respeito ao transporte dos doentes urgentes, emergentes ou sinistrados, os bombeiros têm-se vindo a queixar que o encerramento temporário, ou periódico, de urgências perturba o normal funcionamento da prestação do socorro, porque ou demoramos bastante tempo a fazer a transferência do doente sinistrado da maca dos bombeiros para o hospital ou somos encaminhados para hospitais a 60, 70, 80 quilómetros. E tudo isso perturba aquilo que é o funcionamento e os pressupostos que sempre tivemos de que os corpos de bombeiros, sendo unidades locais, o que deveriam era prioritariamente, ou maioritariamente, transportar os doentes, no âmbito do pré-hospitalar, para as unidades mais próximas. Quando elas estão encerradas nós temos longos percursos.

Por outro lado, está a demorar muito tempo, por vezes, a indicação por parte do Centro de Orientação de Doentes Urgentes [CODU] para onde é que esse doente deve ser encaminhado. O que isto quer dizer é que nós estamos a despender demasiado tempo com cada transporte, sendo certo que quem é sempre prejudicado, e nalguns casos com maior intensidade, são os doentes e sinistrados que nós temos de transportar.

Recordo que, só no ano passado, os bombeiros transportaram para os hospitais do continente 1,2 milhões de utentes. Portanto, é um sistema complexo que precisa, talvez, de mais atenção, de mais ponderação e de que se resolva, de facto, o sistema os estrangulamentos que estão a existir.

Diria que às vezes ficamos com a sensação, não quer dizer que seja a realidade, que estamos a ficar confortáveis com o sistema. E nós não podemos ficar confortáveis com o sistema que não está a funcionar adequadamente. 

Este aumento do tempo no transporte de doentes implica, portanto, um reforço de recursos humanos?

Claro que sim, porque se nós temos uma ambulância para apoio de uma determinada população, de uma determinada comunidade, e se essa ambulância está durante uma manhã ausente dessa comunidade, se alguém precisar de uma ambulância nós ou temos de mobilizar, dentro do corpo de bombeiros, uma ambulância adicional ou temos de pedir ajuda aos vizinhos. 

Naturalmente o princípio da ajuda entre bombeiros sempre se fez e far-se-á no futuro. Só que quando o número de situações é muito elevado, a ajuda é cada vez mais distante. E por isso nós somos obrigados, muitas das vezes, a mobilizar duas, três, quatro, cinco, seis, sete ambulâncias para responder às exigências de uma comunidade. Isso causa transtorno e, nalguns casos, nós já começamos a ter dificuldade em encontrar dentro dos Bombeiros Voluntários capacidade de resposta. Porque nós não ocorremos só à situação do pré-hospitalar, por exemplo, nesta altura é preciso não esquecer que os bombeiros têm cerca de 10 mil bombeiros diariamente nos quartéis hipotecados e direcionados para uma intervenção no combate aos incêndios florestais. 

Para além de que temos de assegurar o combate aos incêndios urbanos, ou aos acidentes rodoviários, aos acidentes industriais. E, por isso, um sistema que não esteja a funcionar adequadamente, por várias razões que a nós não nos diz respeito, pode provocar desequilíbrios noutros sistemas. E nós temos de acautelar isso. Ou seja, é preciso termos alguma atenção que um corpo de bombeiros existe para responder à sua comunidade. Quando lhes estão a ser solicitadas ações para além daquilo que é, eu diria, o estado normal, cria perturbações e que nós tentamos resolver o melhor possível sempre no interesse do cidadão, que é aquilo que está em primeiro lugar. Julgo que o sistema todo também pensará assim: encontrar as melhores soluções para o cidadão. 

Nós, até ao nosso limite, vamos encontrá-las. Se na área da saúde vão ser encontradas, ou não, não sabemos. 

Aquilo que nós podemos garantir aos portugueses é que os bombeiros se mobilizarão e tentarão encontrar sempre as melhores soluções

Os Bombeiros das Caldas da Rainha denunciaram esta semana o caso de uma grávida a quem foi negada assistência, após ter sofrido um aborto espontâneo. Perante a irregularidade no fecho das urgências o que está ao alcance dos bombeiros fazer para o socorro do doente?

Nós podemos fazer muito pouco. Aquilo que nós podemos garantir aos portugueses é que os bombeiros se mobilizarão e tentarão encontrar sempre as melhores soluções para responder com qualidade ao transporte dos doentes que nos for solicitado. Seja por via direta, ou por via dos sistemas de emergência. 

Naturalmente que o encerramento de urgências, sejam elas quais forem, e neste caso estamos a falar das urgências obstétricas num hospital de um distrito que, eu diria, causa fortes perturbações a todos os corpos de bombeiros desse distrito que tenham como unidade de referência Leiria, ou as Caldas da Rainha, ou o que for. 

Portanto, eu julgo que talvez valesse a pena pensar-se que, pelo menos, ao nível de cada distrito haja capacidade de resposta. Se não, vamos ter dificuldades acrescidas. E naturalmente que os bombeiros têm o contacto direto com as populações, têm aqui um custo acrescido. O custo é um transporte com uma pressão emocional maior e, portanto, é preciso entender que quando estas situações ocorrem nós estamos a lidar não só com a utente, mas estamos também a lidar com os familiares que muitas vezes estão presentes. E que nos perguntam, que nos confrontam e “porque é que a ambulância está parada”, “e porque é que não vai para o hospital”. 

Se acontecer uma fatalidade dentro de uma ambulância a responsabilidade não pode recair no corpo de bombeirosHá uma situação que nós não queremos que aconteça e por isso nós temos também vindo aqui ou além a chamar à atenção, que se acontecer uma fatalidade dentro de uma ambulância a responsabilidade não pode recair no corpo de bombeiros e nesse bombeiro. 

Para isso, de responsabilidade, já chega o nosso comandante Augusto Arnaut* que há sete anos está no sistema de justiça sobre os fogos de 2017. E é o único que lá está, mais ninguém está. Portanto nós não queremos que isso aconteça e por isso é que frequentemente temos vindo a chamar a atenção dos poderes políticos e também das instituições que nós somos parceiros do sistema, somos fundamentais para o sistema. Mas, o sistema não nos pode criar uma dificuldade que a determinada altura se transforma num drama. 

Os bombeiros quando atuam, atuam sempre num princípio maior que é salvar vidas.

*Comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, que foi absolvido em 2022 de todos os crimes de que estava acusado no processo sobre os incêndios de junho de 2017

Foi referido pelo comandante dos Bombeiros das Caldas da Rainha que esta mulher acabou por ser assistida devido à insistência dos operacionais que prestaram inicialmente socorro à grávida. Perante muitas incertezas no Serviço Nacional de Saúde, o papel dos bombeiros no socorro dos pacientes tem ganhado cada vez mais relevo?

Eu não sei se o caso foi exatamente conforme descreveu e se, por ventura, essa causa/efeito foi tão imediata. O que eu sei é que os bombeiros quando atuam, atuam sempre num princípio maior que é salvar vidas. É salvar os bens em segundo lugar e em terceiro lugar contribuir para que as causas ambientais também estejam em cima da mesa. 

No princípio de salvar vidas é evidente que quando se sentem desconfortáveis com uma situação insistem e tentam encontrar o melhor caminho para que não haja nenhuma dúvida que fizeram tudo para salvar essa vida. Nessa circunstância, ou noutras quaisquer, certamente que as equipas de bombeiros estarão sempre na primeira linha ao lado das suas comunidades. 

É preciso entender que os bombeiros, e a maioria são bombeiros voluntários, provêm das suas comunidades. E estão todos os dias com as suas populações: vão ao mesmo café, têm os filhos na mesma escola, vão ao mesmo supermercado, ao mesmo cabeleireiro, ao mesmo centro comercial, ao mesmo cinema, cruzam-se na mesma rua. Portanto, fruto dessa situação estão a ajudar o próximo, mas um próximo muito próximo que é o seu concidadão e que tem uma estima muito elevada pelos seus bombeiros. E nós não podemos defraudar em algum momento essa estima, essa consideração. Eu diria esse interesse maior que os bombeiros têm de ter na defesa das suas comunidades.

O conceito de hospital de proximidade deixou de existir, para ser o hospital de oportunidade

Muito se tem falado nos últimos dias no fecho dos serviços de ginecologia e obstetrícia. Estas são realmente as especialidades mais afetadas com os constrangimentos na saúde?

Essa é uma situação que até do ponto de vista de organização do encerramento eu diria que está um pouco melhor organizado. Isto é, há encerramentos mas raramente nós encontramos um serviço encerrado sem previamente ser anunciado que o serviço está encerrado. Pode acontecer alguma situação esporádica, mas normalmente essa situação tem um pré-aviso às vezes curto, mas tem um pré-aviso.

O nosso problema é que muitas das vezes as urgências estão encerradas não na totalidade, mas na especialidade. Por exemplo, encerrar a cirurgia, ou encerrar a ortopedia. Isso muitas das vezes provoca a deslocação do sinistrado ou o doente para outro hospital. Portanto, o conceito de hospital de proximidade deixou de existir, para ser o hospital de oportunidade. Isto é: onde é que o doente pode ser atendido.

No sistema de saúde em rede fará sentido, mas também é preciso olhar para quem presta este serviço à comunidade e eventualmente fazer algumas reformas que permitam garantir que este serviço é feito dessa forma. 

Eu recordo que há uns anos atrás foram encerrados um conjunto de serviços em Trás-os-Montes. E foi como alternativa lá colocado um helicóptero porque haveria que fazer transferências inter-hospitalares se necessário. Eu recordo que no Algarve existe um helicóptero e que o encerramento de serviços na área da neurologia ou neurocirurgia coloca o helicóptero a fazer transportes para Lisboa. 

Não podemos é conformarmo-nos com as dificuldades e esperar melhores tempos. Isso é que não pode acontecerPortanto, nós temos que encontrar soluções. Não podemos é conformarmo-nos com as dificuldades e esperar melhores tempos. Isso é que não pode acontecer. Se há um sistema que não está a responder e, por vezes, não é responsabilidade de ninguém em particular e tem a ver com as circunstâncias de momento, mas temos de ter a capacidade para saber responder com o sistema e os vários parceiros do sistema serem tocados todos eles com medidas que minimizem a carga adicional que uma parte do sistema vai ter para que, na globalidade, se possa responder com eficácia, eficiência e, acima de tudo, prestar um bom serviço ao cidadão. 

Não temos capacidade financeira para nos endividarmos na praça para prestar um serviço que é uma obrigação do Estado

As divergências com o INEM são conhecidas. Há cerca de uma semana surgiu a notícia de que o INEM iria regularizar os pagamentos aos bombeiros que estavam em falta. Estes pagamentos são relativos a quê?

Os corpos de bombeiros têm protocolos assinados com o INEM para manterem uma rede de ambulâncias para o socorro pré-hospitalar e isso pressupõe um pagamento mensal para a manutenção desses postos de emergência médica. O INEM por razões administrativas, até porventura de mudança de administração, falhou esses pagamentos. 

Isso é complicado para os corpos de bombeiros porque as associações humanitárias têm um subfinanciamento crónico. Nós já alertamos os vários poderes, de vários partidos políticos com assento na Assembleia da República, que os bombeiros estão subfinanciados em todos os aspetos, incluindo a área do pré-hospitalar e do transporte dos doentes para as consultas. Portanto, quando um destes parceiros falha mesmo que seja por um mês, a situação que já é complexa, agrava-se. E nós não temos capacidade financeira para nos endividarmos na praça para prestar um serviço que é uma obrigação do Estado. É preciso entender que a obrigação é do Estado e o Estado faz parcerias conosco para nós executarmos as suas missões. E nós estamos disponíveis e queremos fazer, sempre o fizemos, há mais de 150 anos que o fazemos de forma organizada. Queremos continuar a fazer, mas o Estado tem de cumprir os seus compromissos. E o Estado por vezes falha os seus compromissos e deixa as associações humanitárias numa situação aflitiva.

Por outro lado, o Estado não quer compreender, porque as contas estão-lhe apresentadas, que os acordos que faz com os bombeiros para o transporte de doentes é, do ponto de vista, das compensações monetárias negativa. As verbas transferidas são insuficientes e os bombeiros têm que, todos os meses, socorrer-se doutras rubricas do seu orçamento, sejam as quotas dos seus sócios, sejam os apoios das autarquias, sejam os apoios dos beneméritos. Nós entendemos que o Estado tem que pagar o justo valor por aquilo que nos pede para os bombeiros fazerem o seu trabalho com qualidade para os cidadãos. 

Foram regularizados?

Uma parte sim, outra parte não. 

Portanto não há soluções milagrosas, nós temos de ser ressarcidos dos valores

Chegou publicamente a recusar “subsidiar o INEM ou a fazer trabalho para o INEM”. Mais tarde acabaram por chegar a um acordo, ao final de oito semanas de negociações, para melhorar o transporte de doentes e financiamento de meios. Os bombeiros tinham realmente este sentimento de que estavam a trabalhar para o INEM?

Os bombeiros trabalham para as populações. Aqui a questão é que o Estado entendeu e tem um organismo criado já há mais de 50 anos que depois, em 1980, passou a INEM que faz o interface entre a necessidade do cidadão e o transporte para os hospitais. O que nós temos vindo sempre a dizer é que o serviço tem sido deficitário.

Mas, é preciso entender que nós transportámos, como referi, 1,2 milhões de utentes para os hospitais públicos, para as urgências dos hospitais públicos. Portanto, é percetível que quem faz isto tem que ser ressarcido das despesas, porque se não o próprio sistema de resposta vai ruir. 

Ou vai ruir porque nós não temos ambulâncias, ou como o INEM, neste momento, deve aos bombeiros 250 ambulâncias. Portanto, não há soluções milagrosas, nós temos de ser ressarcidos dos valores. 

Aquilo que nós temos pedido sempre ao INEM é que nós sentamo-nos à mesa, apresentamos as contas e o INEM não tem que distender os bombeiros, nem mais um cêntimo do que aquilo que for necessário para compensar os bombeiros pelo serviço que fazem à comunidade. É só isso que nós pedimos. 

E mais, não somos só nós que pedimos. A Assembleia da Republica já por duas vezes que fez determinações ao INEM de que o INEM deve liquidar todos os serviços prestados pelos bombeiros solicitados pelo INEM pelo seu justo valor. E o INEM não cumpre, não cumpriu até agora e provavelmente não vai cumprir no futuro. 

Mas isso é uma desresponsabilização até perante aquilo que é uma deliberação dos senhores deputados.Nunca podemos dizer que estamos totalmente preparados

Entrámos, há algumas semanas, no período mais crítico do ano relativamente aos incêndios. Portugal está preparado para responder de forma eficaz aos fogos?

Nunca podemos dizer que estamos totalmente preparados, porque as alterações climáticas e os fenómenos meteorológicos espontâneos, mas recorrentes, criam-nos uma incerteza. Portugal tem os meios que pode ter e esses estão disponíveis e estão preparados para combater os incêndios florestais.

Mas é preciso entender que temos um limite. Portugal tem 28 mil bombeiros disponíveis e, portanto, isso vai depender das condições em que cada um dos dias nós podemos ter para ocorrer a todos os incidentes que nos sejam relatados.

Diria que do ponto de vista teórico, sim, Portugal tem meios preparados para responder às solicitações de emergência. É evidente que no caso dos fogos florestais ainda estamos a trabalhar com veículos, alguns deles, com mais de 30 anos de idade. Precisamos de renovar, mas quem vai determinar isto, no final, é a capacidade que os bombeiros tiveram para ocorrer em simultaneidade a todas as situações que lhe sejam solicitadas.

Vamos ver. Até agora temos conseguido, de uma forma eu diria coordenada, capacitada, resolver todas as situações que nos colocaram até ao momento. Vamos ver se no resto do mês de agosto e setembro vamos continuar a ter essa capacidade de responder a todas as chamadas.

Existem zonas do país especialmente vulneráveis?

Naturalmente que sim, todas as zonas do interior do país estarão um pouco mais vulneráveis até pela tipologia da sua floresta e também pela ocupação do território e a forma como da desertificação que se assiste em muitas das nossas parcelas do território do continente. Tudo isso condiciona aquilo que é a vulnerabilidade do território. 

Mas, eu diria que Portugal na sua globalidade está exposto aos incêndios florestais. Temos um problema em algumas zonas que é um interface muito próximo entre a floresta e as habitações e os povoados, que muitas das vezes obriga os bombeiros a dispersar meios e a não concentrá-los no combate às chamas, mas na proteção das habitações e dos meios, levando mais tempo a combater o incêndio por via destas técnicas que têm que ser usadas para, em primeiro lugar, defender as vidas e, em segundo lugar, os bens. 

Nós temos vindo a chamar à atenção é que nós queremos ser comandados pelos nossosJá declarou publicamente a importância de os bombeiros serem comandados por bombeiros. Esta reivindicação deve-se a alguma falta de articulação entre os meios de combate e os de coordenação?

Não, isso deve-se a que todos nós temos direito, nas várias estruturas, a que sejamos liderados por quem sabe da estrutura. E os bombeiros sabem dos bombeiros, a Proteção Civil saberá de Proteção Civil. A Proteção Civil será a entidade coordenadora e, por isso, a lei de base da Proteção Civil definiu claramente quais são as ações da Proteção Civil e quais são as ações dos agentes de Proteção Civil. 

Se todos os agentes da Proteção Civil têm a sua cadeia hierárquica, como a GNR, a PSP, as Forças Armadas, a saúde têm a sua cadeia hierárquica, porque é que os bombeiros não têm? Não se entende.

O que nós temos vindo a chamar à atenção é que nós queremos ser comandados pelos nossos, a bem da melhor articulação e da melhor capacidade de resposta ao sistema. Nós não queremos estar fora do sistema, queremos estar dento do sistema. Mas comandados por elementos dos bombeiros. 

Não tem que haver um elemento da Proteção Civil que num momento coloca o chapéu da Proteção Civil, no momento seguinte coloca o chapéu dos bombeiros e manda nos bombeiros, mas não manda em mais ninguém que não seja nos bombeiros. E a seguir, volta a colocar o chapéu da Proteção Civil para coordenar todos os outros. Nós não concordamos e achamos que temos todo o direito, como já tivemos no passado, de [termos] bombeiros a comandar bombeiros. 

Não vamos desistir de encontrar este objetivo de voltar a ter a identidade que os bombeiros sempre tiveram e isso é no bem e para que os cidadão tenham a certeza que têm um sistema melhor, mais articulado, mais adequado aquilo que é a realidade.

Mais, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil se quer arrogar de comandar bombeiros e, até, toma atitudes inadequadas face aos bombeiros, de falta de respeito muitas das vezes pelos bombeiros, no seu seio tem uma força especial de Proteção Civil que é oriunda dos bombeiros. E tem um comandante. 

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas criou um grupo de Sapadores de Bombeiros e antes de ter esse grupo já tem um comandante. Portanto, se todos têm um comando, se todos têm as suas próprias estruturas de comando porque é que os bombeiros não podem ser respeitados, não podem ter a sua própria identidade e não têm o seu comando de bombeiros a comandar bombeiros. Eu não entendo isso, os bombeiros não entendem isso e vamos lutar para que, o mais rapidamente possível, bombeiros sejam comandados por bombeiros e a Proteção Civil tenha o seu papel de coordenação global de todos os agente de Proteção Civil e os bombeiros respeitarão sempre as missões que lhes forem atribuídas pela Proteção Civil.

Desde 2017 que Portugal acordou para a problemática da prevenção dos incêndios florestaisÉ no início de cada verão que mais ouvimos falar dos bombeiros, naturalmente devido ao maior risco de incêndio. Considera que trabalho de prevenção tem sido feito de forma adequada para impedir situações de incêndios reiteradas a cada ano?

Desde 2017 que Portugal acordou para a problemática da prevenção dos incêndios florestais, talvez de uma forma diferente daquela que, eu diria que já olhava, mas não praticava. Naturalmente que houve melhorias na área da prevenção. Se essas melhorias foram todas aquelas que em 2017 e 18 se previam concretizar neste espaço de tempo, eu julgo que não. Julgo que ficámos aquém. O que não quer dizer que não se tenha feito projetos interessantes, na área da prevenção. Pensamos que, porventura, do ponto de vista teórico o sistema pode querer ir muito além das nossas capacidades financeiras porque nós não vamos nunca conseguir ter uma floresta totalmente imune aos incêndios florestais, ou com capacidade para contribuir para que o trabalho dos bombeiros seja facilitado. 

Há de haver sempre zonas que vão ser mais difíceis de limpar, de organizar, de mudar o mosaico da paisagem. Portanto, é um tema bastante complexo. 

Em resumo, o que nós podemos dizer é que há trabalho feito. Talvez o trabalho que tenha sido feito não tenha aquele alcance que se pensava que poderia fazer em quatro ou cinco anos, de situação que nós já tínhamos dito que na nossa opinião tudo o que se estava a fazer era para uma década, ou mais. 

Estamos aquém na prevenção e estamos aquém no combate

Portanto, nós não podemos descurar o combate porque nós, neste momento, estamos aquém na prevenção e estamos aquém no combate, porque não conseguimos resolver as duas situações ao mesmo tempo. Daí a nossa proposta de reforçar os meios de combate até que a prevenção atinja o grau de satisfação que nos permita diminuir. 

Julgo que tenha havido uma boa vontade em apostar muito na prevenção, pensado que se fazia muito mais na prevenção do que aquilo que se conseguiu. 

Disse já que se o Governo cumprir o seu programa, no final da legislatura, os "bombeiros estarão muito melhores" que agora. O que é para os bombeiros essencial fazer?

Se o Governo cumprir com o seu plano de Programa Eleitoral e, agora, com o seu plano de Governo, nós vamos ter uma Proteção Civil diferente, adequada à lei de base da Proteção Civil. 

Vamos ter um setor dos bombeiros, onde nós vamos ter um comando de bombeiros. Vamos ter bombeiros com uma carreira e com um estatuto remuneratório. Vamos ter um estatuto social do bombeiro adequado, vamos ter o estatuto de dirigente associativo adequado. 

Vamos deixar de ter o subfinanciamento crónico das associações humanitárias de Bombeiros Voluntários. E certamente que, com tudo isto, vamos ter um sistema de Proteção Civil mais resiliente, mais robusto para enfrentarmos as alterações climáticas e todos os desafios que nos colocam nos dias de hoje, com uma sociedade moderna.

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