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"Música eletrónica não tem de ser só consumida às 4h00 com álcool e suor"

Branko traz-nos 'SOMA', um projeto que vai ser apresentado no Antù Alfama esta sexta-feira, sábado e domingo - dias 15, 16 e 17 de março, respetivamente.

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© Pedro Mkk

Marina Gonçalves
15/03/2024 09:00 ‧ 15/03/2024 por Marina Gonçalves

Fama

Branko

Com a colaboração de vários músicos e vozes como Dino D'Santiago, Carlão, Teresa Salgueiro e até José Saramago, Branko (João Barbosa) assina o álbum 'SOMA' que vai apresentar nos dias 15, 16 e 17 de março na SOMA House, que vai decorrer no Antù Alfama. A apresentação 'convencional' de SOMA está marcada para 24 de março no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, no âmbito do festival Sónar Lisboa.

Um projeto "tão cheio de pessoas e ideias", com "muita liberdade criativa", do qual vai falar neste evento de três dias que começa hoje. 

"A ideia é conseguir transportar as pessoas para o processo criativo do 'SOMA' através dessa experiência da SOMA House", revela em conversa com o Notícias ao Minuto no ano em que cumpre 20 anos de carreira. 

Este novo álbum com a participação de tantos artistas – músicos e cantores – foi a soma perfeita? 

Perfeita é uma palavra muito forte, mas é a SOMA de todas as partes envolvidas. É um disco super social, tanto no processo criativo, de gravação, como depois na busca de vozes e do formato quase pop das canções. Esse exercício foi, sem dúvida, super matemático e sempre a somar, a acrescentar. Cada pessoa que entrava acabava por contribuir com o seu talento e levar esta equação para mais além.

Mas é o resultado da soma de 20 anos de carreira? 

Nunca tinha pensado nisso assim, talvez. Não foi muito aí que fui buscar o nome [do álbum]. O 'SOMA' vem mesmo de ter sido um disco com muita gente, muitas ideias. Faz todo o sentido pensar um bocadinho neste disco como um ciclo novo, mas ao mesmo tempo onde me sinto cada vez a crescer mais enquanto artista e mais à vontade para ir buscar estes últimos 20 anos. Se calhar, ir buscar algumas influências, um pouquinho de alguma coisa do que estava a fazer em 2004 quando comecei um projeto com o Kalaf chamado '1-Uik Project' – que passava muito por gravar músicos, guitarristas… Aqui acabou por ser um pouco a mesma coisa. Este disco acaba por ter um pouco desses ingredientes também. É isso sem dúvida que torna a coisa num ciclo complementar.

Como em quase todos os projetos, o meu objetivo é sempre que a coisa tenha um 'flow' e um 'feeling' orgânico, e que não haja nada muito forçado

Como foi o processo de criação? Muita liberdade criativa? 

Houve muita liberdade criativa. Como em quase todos os projetos, o meu objetivo é sempre que a coisa tenha um 'flow' e um 'feeling' orgânico, e que não haja nada muito forçado. Inevitavelmente, viver na cidade de Lisboa e coexistir com outros 'peers' musicais é super interessante porque estamos sempre expostos a muitas coisas, estamos sempre a aprender, a cruzar-nos com pessoas que trazem coisas novas, perspetivas novas...

Tentei que as pessoas todas que acabamos por chamar tivessem dentro desse 'snapshot' daquilo que é para mim Lisboa, o som de Lisboa e aquilo que se ouve nas ruas de Lisboa. Esse era um bocadinho o início do trabalho de seleção dos músicos e de tudo isso. Depois foi uma questão de perder algum tempo em estúdio, gravar muita coisa, muito improvisado, gravações de quase tentar ir buscar o subconsciente das pessoas, colocar as pessoas a tocar sem terem ouvido a base. Tentar ir buscar esse impulso, essa ideia. E passar desse lado de quase improvisação para a estrutura e da canção pop que acabou ser aí, se calhar, um processo mais de mim, sozinho no estúdio - agarrar em todo esse material e tentar construir algumas canções.

Ao contrário do que fiz em discos anteriores em que, muitas vezes, acabava por convidar alguém para cantar e já tinha uma ideia mas desenvolvia essa ideia com a própria pessoa na sala, construíamos a música em conjunto, quase todos os vocalistas que abordei neste disco já tinha os instrumentais muito avançados. Já tinha uma ideia concreta daquilo que queria e também um pouco daquilo que queria das pessoas a nível de voz e do que elas poderiam trazer. Nesse sentido, foi um disco, um processo, um bocadinho diferente. 

Quando me vêm dizer que a primeira dança do casamento foi o 'Reserva Pra Dois', apesar de clichê, nunca deixo de ficar orgulhoso

Falando dos artistas, além de Dino d'Santiago ou Teresa Salgueiro, também conta com José Saramago. Porquê a escolha de José Saramago? 

Prende-se com a admiração e respeito que tenho pelo José Saramago, mas acima de tudo porque me revejo muito - enquanto artista - na ideia de que o nosso trabalho só existe na relação que esse trabalho tem com a audiência, com quem está – no meu caso – a ouvir. Os discos não acabam quando nós os fechamos. Acabam quando eles criam as emoções que as canções terão de criar nas pessoas.

Quando me vêm dizer que a primeira dança do casamento foi o 'Reserva Pra Dois', apesar de clichê, nunca deixo de ficar orgulhoso. É nesses momentos que conseguimos entrar diretamente na vida das pessoas e fazer com que a música crie circunstâncias diferentes, que consiga quase que melhorar um momento da vida.

A ideia é conseguir transportar as pessoas para dentro do processo criativo do 'SOMA' através dessa experiência da SOMA House  

A apresentação do álbum decorrerá durante três dias em Alfama – nos dias 15, 16 e 17 de março – na SOMA House. O que se pode esperar, o que há preparado?

Por ter sido um processo criativo tão cheio de pessoas e de ideias, achei que seria muito interessante falar sobre ele. Mais do que apresentar o disco com um concerto ou um momento de festa, achei que fazia muito mais sentido apresentá-lo com uma série de conversas sobre o próprio disco onde poderia explicar e tocar algumas versões diferentes das canções. Versões que elas tiveram nesta evolução entre o início mais instrumental e depois a adaptação, o acrescentar os músicos… 

O que pensei foi ocupar um espaço durante três dias - o disco chama-se 'SOMA', por isso passou a ser a SOMA House - e ouvir conversas, entrar neste processo criativo com fotos, vídeos, imagens, músicas… e Dj Set para fechar. A ideia é conseguir transportar as pessoas para dentro do processo criativo do 'SOMA' através dessa experiência da SOMA House.

Hoje em dia, com o mundo cada vez mais digital, acho que começa a ser mesmo importante. Não que sinta que os discos têm de ter uma folha de sala ou uma explicação porque a música fala por si - e cada pessoa acaba por interpretá-la e fazer o que quiser com ela. Acima de tudo, [importa] conseguir trazer mais as pessoas para o processo. Cada vez mais querem saber de tudo e querem informar-se.

Penso na minha filha, ela sabe muito mais do que é gravar um disco com a idade que tem do que aquilo que eu sabia. E eu já gostava de música, de produzir. Ela sabe muito mais como é que um filme é feito do que eu saberia na idade dela. 

Acho esse desmitificar das obras super interessante porque, no fundo, é um pouco aquela ideia de que toda a gente pode ser artista

Sente isso pela evolução dos tempos ou também por ela ser filha de um artista? 

Pela evolução. Inevitavelmente, fala-se de muita coisa, há muitos detalhes. Eu primeiro que soubesse qual era a diferença de ter um realizador e um diretor de fotografia... Acho que já era crescido, com 30 anos quando comecei a perceber alguma coisa. Ela com 14/15 já sabia. Acho esse desmistificar das obras super interessante porque, no fundo, é um pouco aquela ideia de que toda a gente pode ser artista.

Mais do que ficar aqui aos gritos e a gravar vídeos para o TikTok, vamos encontrar-nos todos num sítio em Lisboa e falar

E as redes sociais são muito importantes para um artista ou conseguem sobreviver sem elas? 

Há sempre um caminho possível. As redes sociais podem ser importantes ou não ter importância absolutamente nenhuma. Não há um caminho certo para uma pessoa que quer divulgar a sua música ou o seu trabalho em geral. O caminho pode ser via redes sociais e elas estão ali para serem utilizadas, trabalhadas e desenvolvidas. Mas há muitos artistas que conseguem construir um caminho completamente diferente.

Se me perguntassem isso há três ou quatro anos, diria que eram essenciais. Hoje em dia acho, até, que começa a haver um certo desencanto pelas redes sociais em geral. O futuro começa a passar um bocadinho pela revalorização da vida, do dia a dia e dos encontros sociais. E a SOMA House também vai atrás disso. Mais do que ficar aqui aos gritos e a gravar vídeos para o TikTok, vamos encontrar-nos todos num sítio em Lisboa e falar sobre esse assunto. Acho mais interessante do que ficar a perder tempo a pensar em coisas que não têm grande importância, que é criar conteúdo para divulgar o meu conteúdo. O meu conteúdo é música, já o criei.

A música eletrónica não tem de ser só consumida às 4h00 da madrugada com álcool, com suor e tudo isso. Pode viver em ambientes completamente diferentes

Como é que olha para estes 20 anos de carreira? Há algum objetivo que gostasse de alcançar? 

Desde o início dos Buraka Som Sistema, nunca tivemos uma ideia, foi tudo sempre na base de sentirmos que estávamos no comboio em movimento e a coisa ia só numa direção. Íamos descobrindo, conquistando, percebendo... Nunca pensei muito em coisas específicas. Há um objetivo que é levar a música eletrónica a anfiteatros, teatros… Locais menos óbvios do que as discotecas, espaços grandes, festivais…

Um dos objetivos era conseguir levar este concerto do 'SOMA' pelo mundo fora mas nesse ambiente mais íntimo, de trazer as pessoas para o processo criativo. O espetáculo é um pouco audiovisual, brinca muito com o que foi gravado em estúdio, as gravações de vocalistas e etc… Pela primeira vez, também o facto de estar a levar alguns músicos a palco comigo ainda consegue fazer mais essa ligação. Uma das coisas que estamos a trabalhar para este ano e a desenvolver é essa perspetiva.

Já desde 2019 que em Portugal temos conseguido chegar a alguns espaços assim, mas era interessante levá-lo para o mundo todo. Aquela ideia de que a música eletrónica não tem de ser só consumida às 4h00 da madrugada com álcool, com suor e tudo isso. Pode viver em ambientes completamente diferentes.

Uma vez que acabou de falar dos Buraka Som Sistema, que faz parte do seu início, sente que agora é mais desafiante conquistar o público ou já o era (ou não) há 20 anos? 

Nunca fiz muito um exercício de conquista de público. Sempre fiz mais o exercício de conquista de mim próprio e da minha atenção, do meu gosto. No caso dos Buraka Som Sistema, obviamente, não tão focado só em mim – éramos um grupo de pessoas, por isso era uma conversa mais coletiva. Mas, acima de tudo, mais do que andar atrás da validação do público, sempre andei atrás de tentar fazer música que faça sentido, que traga alguma coisa de novo e que, eventualmente, possa fazer a diferença na vida das pessoas – seja inspirar para fazer alguma coisa ou simplesmente dar uma boa dose de diversão e de dança em casa quando se estão a arranjar para ir sair à noite… E pensar que, se funciona para mim, há de funcionar também para outras pessoas.

Enquanto Dj, também sempre utilizei muito o público como tubo de ensaio do que é que eu fazia ou não aos temas, ou de que forma é que desenvolvia alguns temas. Sempre tive, se calhar, esse privilégio. Os meus discos não saem para a rua sem antes terem sido ouvidos de uma ou outra forma - alguns num Dj Set ou algum teste. Isso acaba por ser também uma forma de lidar com essa questão da aceitação das pessoas, do público.

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