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"Eliminação de comissário conduziria a riscos para a política de Coesão"

Vasco Cordeiro, presidente do Comité das Regiões Europeu, é o entrevistado desta sexta-feira do Vozes ao Minuto. Além de ter referido que para já ainda não obteve resposta da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em relação ao pedido de esclarecimento que lhe dirigiu sobre uma reforma na política de Coesão, o responsável detalhou os impactos consequentes das mudanças que podem estar em cima da mesa.

Notícia

© European Union / Octavian Carare

Teresa Banha
21/06/2024 09:38 ‧ 21/06/2024 por Teresa Banha

Economia

Vasco Cordeiro

O presidente do Comité das Regiões Europeu, Vasco Cordeiro, escreveu à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, instando a responsável a esclarecer questões relacionadas com o futuro da política de Coesão.

Na missiva, enviada esta semana, temas que se prendem com a possibilidade de uma centralização dos fundos são abordados, assim como ligados à extinção do papel do comissário responsável por esta política ou a redução da política de coesão a um instrumento "simples que sirva prioridades limitadas, como a recuperação económica ou a convergência económica".

Numa altura em que se realizou a 161.º sessão plenária do Comité das Regiões Europeu, o Notícias ao Minuto esteve em Bruxelas, e entrevistou Vasco Cordeiro.

Não pode ser desculpa a fase de transição que as instituições europeias atravessam, porque é exatamente agora que é mais necessária e exigível a transparência e a obrigação de esclarecer

Escreveu à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, mostrando preocupações sobre eventuais alterações em relação à centralização de fundos. Já obteve alguma resposta?

Não, na verdade continuamos à espera de que a presidente von der Leyen esclareça a sua posição sobre esta matéria e possa dissipar aqueles que são receios fundados. E, o que é importante notar, é também que, desde que enviei a carta em nome do Comité das Regiões, muitas outras entidades, regiões, a título individual e protagonistas políticos levantaram também as mesmas preocupações.

O Comité das Regiões Europeu foi a primeira instituição da União Europeia a pronunciar-se sobre o futuro da Política de Coesão pós-2027 e logo tornou claro que a mesma precisa de ser renovada e reformulada em algumas das suas componentes - mas da mesma forma que algumas devem ser renovadas, outras há que não devem ser alteradas, porque isso colocará em risco o conjunto da Política e, mesmo, do seu contributo para a ideia de União Europeia.

Como, por exemplo?

O Comité das Regiões defende que um dos aspetos que deve ser alterado é o elevado número de instrumentos financeiros e de regulamentos que existem, o que dificulta, sobremaneira, o seu aproveitamento e aplicação. Assim, a mudança que propomos é que sejam unificados ou consolidados os instrumentos financeiros e simplificada a sua regulamentação para facilitar o trabalho das autoridades de gestão, dos beneficiários e das entidades auditoras e fiscalizadoras da aplicação dos mesmos.

Um outro exemplo é que entendemos como desejável refletir, para a reforma da Política de Coesão pós-2027, sobre uma outra forma de aferir os resultados da sua aplicação, até mesmo utilizando como 'matéria-prima' para essa reflexão, o modelo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR).

Porquê?

Atualmente, os indicadores sobre a utilização dos fundos da Política de Coesão centram-se mais na capacidade de executar as verbas disponíveis do que na realização de objetivos e no alcance de metas, como acontece no Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR). Mas, já que falamos neste mecanismo, há também mudanças que rejeitamos liminarmente. Por exemplo,  alterar a Política de Coesão no sentido de torná-la um sucedâneo do MRR no que tem a ver com o modo como ela é organizada, definidos os seus investimentos e estabelecida a forma como os diversos níveis de poder são chamados a participar é algo de profundamente negativo e que o Comité rejeita porque isso significa, salvo honrosas exceções, que os recursos da Política de Coesão seriam centralizados e postos ao dispor apenas dos governos nacionais, os quais, para a sua utilização, poderiam prescindir ou até mesmo afastar a participação de outros níveis de poder, nomeadamente, o subnacional.

Do mesmo modo, há aspetos fundamentais que têm de ser mantidos, desde logo ao nível dos seus princípios fundamentais, como sejam:  o reconhecimento e chamada à participação de vários níveis de governação, a gestão partilhada, e facto de os investimentos que ela apoia serem investimentos estruturais de longo prazo, ou ainda de poder estar disponível para todas as regiões, embora com intensidade de formas diversas.

E não pode ser desculpa a fase de transição que as instituições europeias atravessam, porque é exatamente agora que é mais necessária e exigível a transparência e a obrigação de esclarecer, até para evitar as tentações do facto consumado. Não se pode, numa matéria tão importante, e que toca a vida de mais de mil cidades e regiões e de milhões de cidadãos, tratá-la apenas como se de uma matéria de organização interna da possível estrutura futura da Comissão se tratasse.

Ainda quanto às alterações que possam vir a acontecer: uma delas prende-se com a eliminação de um Comissário responsável pelas políticas de Coesão. De que forma é que a eliminação deste cargo afetaria futuras decisões?

A eliminação de um Comissário com a pasta da Política de Coesão conduziria a riscos significativos para a própria Política de Coesão. Em primeiro lugar, isso pressuporia que esta política - central para a vida de tantas comunidades – passaria a ser mais uma entre uma mais vasta carteira de responsabilidades sob a alçada de um Comissário, o que significa um risco de diluição e que a Política de Coesão não receberia a atenção que merece. Em segundo lugar, significa que a Política de Coesão não teria um 'embaixador político' dedicado a nível da UE na Comissão. E, em terceiro lugar, a mais longo prazo, pode inclusive levar ao desaparecimento total desta prioridade política no quadro das prioridades da Comissão e, por consequência da União.

Se houver uma alteração drástica da política de Coesão, que vá mais no sentido da sua centralização, então é menos provável que a 'alavanca' para a redução das disparidades económicas, sociais e territoriais chegue a todos os territórios e comunidades do nosso país

Quanto a uma possível limitação dos fundos da Política de Coesão apenas às regiões em desenvolvimento. Quais seriam os países mais afetados?

Direta ou indiretamente, todos os países da União Europeia seriam afetados e, em última instância, o próprio projeto europeu.

A pergunta toca num dos pontos essenciais do debate sobre o futuro da Política de Coesão e que é o de esta dever continuar a ser uma política que apoia todas as regiões. Obviamente com uma elegibilidade de instrumentos diferenciada e com uma taxa de cofinanciamento diferenciada, mas consideramos que a Política de Coesão deve estar disponível para todas as regiões.

E porquê? Porque essa é uma política de investimento estrutural, de longo prazo, que constitui a outra face da moeda do Mercado Único - que também abrange todas as regiões - e que está ao serviço da realização da coesão económica, social e territorial da União, objetivos, aliás, que estão inscritos no Tratado da União.

E é necessário ter presente que a coesão económica, social e territorial não é algo de estático, mas sim algo que é condicionado e influenciado por novos desafios que vão surgindo. Talvez o exemplo mais ilustrativo que se possa dar dessa situação, em que a Política de Coesão, pode e deve apoiar regiões que podem já estar para além de serem regiões em desenvolvimento. É o caso das regiões industrializadas mas que precisam de investir fortemente na transição energética para alcançar as metas de não emissão de carbono.

Essas regiões, na nossa opinião, devem ser apoiadas pela Política de Coesão no âmbito dos investimentos necessários, para essa transição energética. Dito de outra forma, é essencial ter presente que a Política de Coesão não é, nem deve ser, uma Política de caridade, mas é uma política de desenvolvimento.

E Portugal, em particular, como poderá vir a ser afetado?

Tal como os restantes Estados Membros, Portugal tem sido um beneficiário direto de uma Política de Coesão que se dirige a todos os territórios e comunidades, seja através de investimentos em infraestruturas chave - como estradas, escolas ou hospitais - mas também, e de forma crescente, na valorização das pessoas e das empresas, através de apoio à formação e à modernização. É verdade que há aspetos a rever e melhorar, mas se houver uma alteração drástica da Política de Coesão, que vá mais no sentido da sua centralização, então é menos provável que esta 'alavanca' para a redução das disparidades económicas, sociais e territoriais chegue a todos os territórios e comunidades do nosso país.

Alargamento é questão que não deve ser olhada com receio

O primeiro plenário após as eleições realizou-se hoje. Quais as expectativas e maiores receios para estes próximos cinco anos?

Estamos a iniciar um novo ciclo político institucional que, na minha opinião, apresentará desafios fundamentais para a UE, seja do ponto de vista interno, seja enquanto ator internacional.

No plano interno salientava as questões da coesão económica, social e territorial a que já aludi, mas também a necessidade de reforço da adesão e dos mecanismos de participação democrática na vida da União. Em ambos os campos o Comité das Regiões tem advogado pelo papel útil e importante que as regiões e cidades podem e devem desempenhar na superação destes desafios, no reforço do sentimento de união e de participação dos nossos cidadãos nas decisões da Instituições comunitárias, em linha, de resto com as conclusões da Conferência sobre o Futuro da Europa.

Já no plano externo, temos necessariamente a resolução dos dois conflitos que hoje acontecem em solo europeu e proximidade da Europa, mas também a necessidade de lidar de uma forma determinada e com ambição com as alterações climáticas e concretizarmos os objetivos com que o mundo se comprometeu neste domínio.

Nesse contexto, deixe-me salientar a importância que o próximo alargamento assume. Além de se achar que esta é uma obrigação moral, em particular em relação à Ucrânia, que defende hoje com sangue os valores europeus, creio que a UE, todos os Estados Membros e os nossos cidadãos devem olhar para esse processo como uma oportunidade estratégica e uma oportunidade que trará vantagens para toda a UE. Não deve, por isso, ser olhada com receio.

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