Insatisfeito com o "fraco" Governo, palavras suas, que toma conta dos destinos do país, Nuno Melo faz um balanço da vida política que o ocupa, em Portugal e no Parlamento Europeu, onde ingressou em 2009. Das farpas atiradas à Esquerda, passando pela saída do Reino Unido da União Europeia, à constatação de que o Presidente da República é uma 'estrela de cinema', fique com a primeira parte desta entrevista.
Prestes a começar mais uma sessão legislativa, é já tempo de fazer um balanço e de PSD/CDS terem uma perspetiva diferente da que tinham quando saíram do governo?
Basicamente, Portugal tem um Governo fraco, dentro e fora da Europa. Dentro, não decidindo em função do que o país precisa, mas concentrado apenas na seguinte eleição, e fora porque manifestamente não tem influência nenhuma. Temos um Governo cujo ministro das Finanças transforma as reuniões do Eurogrupo, nos exatos dias em que vão ser decididas as sanções a Portugal, numa reunião da Federação Portuguesa de Futebol e se ri sem perceber a gravidade do momento.
O Governo assumiu funções com a garantia de que falaria grosso na Europa. Reparemos que, a propósito das sanções, não houve um único governo socialista europeu a opor-se às sanções, o que significa que António Costa não foi capaz de convencer um único primeiro-ministro da sua família política. O nosso Governo transforma o Syriza de Alexis Tsipras num aliado estratégico.
Há uma recorrência na vida política em Portugal: os socialistas gastam e o centro-direita pagaDo ponto de vista interno, inverteu em toda a linha. Instrumentalizou a função em razão de uma expectativa eleitoral. Não é a marca de um verdadeiro estadista, que governa a pensar na próxima geração.
Certo é que as últimas sondagens dão vantagem ao Partido Socialista.
Há uma recorrência na vida política em Portugal: os socialistas gastam e o centro-direita paga. Não tenho dúvida nenhuma do ponto de vista eleitoral é muito mais simpático gastar o que Portugal não tem. Com o Partido Socialista, o país terminou sempre da mesma forma: na bancarrota ou em dificílima situação financeira.
No futuro, há margem para que PSD e CDS se voltem a coligar?
Acho que sim. A geringonça mudou o paradigma da governação em Portugal. Vencer eleições já não basta. O que é relevante é que PSD e CDS consigam mais mandatos do que os partidos à sua esquerda. Tenho a certeza que, assim sendo, os dois partidos conseguirão relevar o interesse do país acima do interesse partidário.
Sente que o CDS é parcialmente culpado pelo buraco na Caixa Geral de Depósitos (CGD) tendo em conta que estava no governo na altura da última capitalização?
Eu fiz requerimentos sobre a CGD ainda em tempos da comissão de inquérito ao BPN, que integrei na Assembleia da República. Não estávamos no governo. Já nessa altura se vislumbravam problemas na Caixa. O que se passa depende seguramente de atos de gestão, que têm de ser conhecidos nos seus protagonistas e nas suas consequências. Sabemos hoje de alguns negócios que foram decididos por administradores como Armando Vara e Francisco Bandeiras que resultaram em consequências muito gravosas para a CGD. Os milhares de milhões eclipsados de alguns bancos foram a crédito de muito poucas pessoas que hoje beneficiam deles. Estamos a falar de atos delinquentes de gestão que acarretaram gravíssimas consequências para os contribuintes.
Sou um dos poucos que ainda acredita que o Reino Unido pode não sair da União EuropeiaIntegra a comissão de inquérito do Parlamento Europeu aos Panamá Papers. O que é que tem sido possível apurar?
A comissão ainda não começou a trabalhar. Mas, como sucedeu na comissão que integrei ao BPN, o sucesso ou insucesso desta comissão será medido pela informação que se consiga reunir. Os offshores são legais. O que está em causa é perceber os que são legais e quais os que foram expediente para atos ilegais. Isto é difícil num país, mas quando em causa estão várias praças internacionais (inclusivamente alguns destinos que não têm deveres com a União Europeia), a dificuldade aumenta.
Passado este período sobre a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, tem alguma perspetiva sobre como pode evoluir a União Europeia?
Eu considero o Brexit uma tragédia para a União Europeia e sou um dos poucos que ainda acredita que o Reino Unido pode não sair da União Europeia. O parlamento britânico será chamado a decidir em algumas instâncias que tem a ver com Brexit, sendo que isso depende de algumas garantias que o Reino Unido obtenha. Há variáveis que ainda não são conhecidas e que não permitem que seja líquida a garantia de saída. Se o Reino Unido não tiver da União Europeia as garantias que considera essenciais para a concretização do Brexit, optará pelo Brexit porquê? Há um referendo que não vinculativo do ponto de vista jurídico, mas que certamente o será do ponto de vista político. Mas na política tudo se altera.
O professor Marcelo é um fenómeno de popularidade, é uma estrela de ‘cinema’ que faz política com grande intuição de inteligênciaMarcelo Rebelo de Sousa tomou posse como Presidente da República há quase há seis meses. Durante este tempo, houve muito poucos dias de silêncio. Era deste Marcelo que estava à espera?
O professor Marcelo é um fenómeno de popularidade, é uma estrela de ‘cinema’ que faz política com grande intuição de inteligência. Tem sabido gerir o seu espaço e o seu mandato a contento de quem elege. A avaliar pelas sondagens ultrapassou todos os índices de popularidade dos antecessores.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.