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"As 35 horas no privado são um não-tema, nem admitimos discuti-lo"

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), é o entrevistado desta semana do Vozes ao Minuto.

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Inês André de Figueiredo
07/09/2016 10:30 ‧ 07/09/2016 por Inês André de Figueiredo

Economia

António Saraiva

Numa conversa com o Notícias ao Minuto, António Saraiva fez um balanço da atual legislatura e das medidas que foram tomadas pelo Executivo de António Costa, garantindo que o resultado não é "famoso". Das 35 horas semanais, à fuga de cérebros para o estrangeiro, passando pelo trabalho precário, o presidente da CIP deixou clara a sua posição, salvaguardando que Portugal tem de se adaptar a novos desafios.

Há nove meses, António Costa tomava posse. Que balanço faz destes primeiros tempos?

Este Governo apostou muito no consumo interno e num reforço da receita das famílias para através disso aumentar o consumo. Não apostou tanto, na nossa perspetiva, nas exportações e no investimento. Se olharmos para os indicadores que estão disponíveis vemos que o desemprego melhorou - estamos hoje com uma taxa de desemprego melhor do que tínhamos há dois, três anos, vamos ver se isso é sustentável, se não se deve a efeitos de sazonalidade e a este crescimento notável do turismo. Mas, tirando a redução do desemprego, o investimento continua a ser inexistente, o crescimento é o que se vê, a dívida continua a aumentar… Por isso, se tivermos de fazer um balanço, as metas que o Governo definiu: um crescimento de 1,8 não o vamos atingir; uma melhoria do investimento, não o vamos ter; as exportações estão a cair. Enfim, ao olhar para os indicadores, não se pode dizer que o resultado deste Governo seja famoso. Mas, por outro lado, não foi tão negativo como as piores previsões quando este Governo tomou posse, sendo um Governo de maioria de Esquerda - PS com suporte parlamentar do PCP e do Bloco de Esquerda -, chegou a amedrontar os mercados, os investidores, os agentes económicos porque era de Esquerda e iria tomar um conjunto de medidas e reversões, mas esse aspeto foi um pouco anulado e a designada 'Geringonça' tem funcionado melhor do que alguns esperavam.

Qual o impacto das medidas que foram tomadas pelo Governo até agora, nomeadamente o aumento do salário mínimo nacional?

Nós, parceiros sociais, criticámos a maneira como a discussão do salário mínimo foi tida neste Governo porque, antes de a discutir em sede de concertação social, anunciou-a politicamente no acordo que fez para a constituição do Governo e por isso anunciou um valor de salário mínimo.

Criticámos mais a metodologia do que o valor, porque quando se fala que as empresas não podem pagar um salário mínimo, a realidade é diversa. Nós temos setores e dentro desses setores empresas que podem e que já estavam a pagar acima do valor definido para o salário mínimo e temos outras que, como vendem minutos, têm uma concorrência internacional muito competitiva e qualquer aumento da massa salarial as afasta de encomendas.

A designada 'Geringonça' tem funcionado melhor do que alguns esperavamReconhecemos que o salário mínimo é baixo, mas mesmo dentro da Europa temos salários mínimos que ainda são mais baixos que os nossos e é com estes valores que as empresas que vendem mão-de-obra, ao aumentarem o seu valor de mão-de-obra, perdem encomendas e capacidade de manter emprego.

Continuamos disponíveis para, em sede de concertação, discutir aumentos salariais, nomeadamente o salário mínimo mas de acordo com aquilo que está acordado que são os ganhos de produtividade, a inflação e o crescimento económico.

E como vê a aprovação das 35 horas semanais para o setor público?

Vejo com alguma preocupação porque, inevitavelmente, isso vai trazer despesa e está por provar, com muita cosmética que o Governo possa fazer, que esta redução do horário de horas semanais na Função Pública não traga aumento de despesa e uma das defesas que fazemos é a redução da despesa porque não podemos continuar a gerar défice. Tudo aquilo que contribua para que [a despesa] ao invés de reduzir, aumente, é negativo e por isso criticámos a medida porque ela traz aumento de despesa.

A produtividade pode ser afetada?

Será inevitavelmente afetada porque dizer que os trabalhadores da Função Pública vão realizar o mesmo trabalho em 35 horas do que realizavam em 40, há aqui qualquer coisa que me escapa. Ou tínhamos trabalhadores a mais porque em 35 horas faz-se o mesmo que 40, ou então quando tínhamos 40 horas havia gente a mais. Dizer que as pessoas vão estar mais motivadas porque têm menos horas e têm mais tempo de lazer, para a família… A conjugação do tempo de família e do tempo de lazer com o tempo de trabalho deve ser tida num âmbito mais alargado de contratação coletiva e de acordos globais, de discussão em termos de contratos coletivos. Acho que foi uma medida para cumprir promessas eleitorais que o Governo, depois de a quantificar, talvez se tenha arrependido e andou com estes adiamentos e com estas soluções às vezes confusas que acabou por tomar.

Uma medida destas seria exequível no setor privado?

Não seria exequível no setor privado porque estamos com desafios. Com toda a competitividade global que temos hoje com uma economia global e perversa, quando temos de combater com economias ou mais desenvolvidas ou cujo os estádios de desenvolvimento são mais competitivos. Nós estamos num momento em que as empresas portuguesas têm que ser mais competitivas, mais inovadoras, estamos num tempo de enormes desafios. Já reduzimos horários de trabalho quando eliminámos feriados, já temos situações de alguns acordos ou de contratos coletivos que já têm modulações de horários, se por legislação viéssemos reduzir o horário também no privado seria, para muitas empresas portuguesas, fatal e levaria à sua extinção. É por isso que temos dito que a questão das 35 horas no privado é um não-tema, nem tão pouco admitimos discutir esse tema. Se essa questão algum dia viesse a ser colocada em cima da mesa da concertação social, nós abandonaríamos a mesa da discussão.

A recente polémica dos estágios do IEFP voltou a levantar alguns temas do mercado laboral. Sendo o trabalho precário um problema no nosso país, como se pode combater esta questão e como é que as empresas estão a atuar?

Estamos num tempo de alterações de processos, de métodos e a ideia que temos de emprego para toda a vida já não existe. Quando cheguei ao mundo do trabalho, os jovens ambicionavam ter um emprego para toda a vida e isso hoje já não existe. Mas isso não quer dizer que os contratos, não sendo para toda a vida, devam ser precários, porque há as especializações, há apostas na formação profissional das pessoas, as empresas também ganham tendo pessoas mais experientes e mais qualificadas e por isso não se pense que a maioria das empresas o que quer é ter contratos a prazo e ir renovando contratos a prazo.

Foi uma medida para cumprir promessas eleitorais que o Governo, depois de a quantificar, talvez se tenha arrependidoNão quer dizer que não existam abusos aqui e ali e nesse exemplo [do IEFP] o que se deve fazer é pôr a Autoridade para as Condições do Trabalho a funcionar, tem de haver inspeção e penalização das más práticas porque elas existirão sempre. Mas, no universo das empresas que são muitas, não são 10, 12, 15 casos que existam que vêm distorcer toda uma realidade. Se existirem más práticas elas devem ser condenadas e combatidas, mas isso não é a generalidade das situações.

Agora, não se pense que é extinguindo os contratos a termo que se resolve o problema do emprego em Portugal, antes pelo contrário, porque há situações de sazonalidade, de ocupação temporária, de acréscimo de trabalhos e encomendas. Respeitando as regras e no respeito do ser humano, eu prefiro ter um contrato a termo do que um desempregado.

E quando esses desempregados configuram a fuga de cérebros a que temos assistido. Como podemos manter esses quadros em Portugal?

Lamento que isso aconteça mas não nos iludamos porque isto não é por modas. A fuga de cérebros é prejudicial ao país. Não podemos continuar a investir nas nossas universidades, na formação técnica de recursos humanos para que depois eles 'fujam' do país para outros desafios que lhes fazem lá fora. Temos de gerar condições internas para manter estes cérebros, mas isto tem a ver com o estado da nossa economia e com o desenvolvimento da sociedade. Se não tivermos crescimento económico, empresas mais sólidas e mais robustas, empresas que possam, através da inovação e da incorporação de tecnologia, se não diferenciarmos os nossos produtos, se não os conseguirmos a valor mais elevado, se não ganharmos mais margem na comercialização dos nossos produtos ou dos nossos serviços, as empresas não vão ter mais capacidade para aumentar massas salariais ou não ter capacidade de manter empregos.

Só mantemos os cérebros em Portugal se a economia portuguesa permitir crescimento económico para agarrar e sustentavelmente manter esses empregos, melhorá-los e agarrá-los cá. Não se pense que vamos acabar com a fuga de cérebros com o estalar dos dedos ou com a varinha mágica.

Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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