José Soeiro nasceu no Porto há 32 anos. Doutorado em Sociologia, o deputado do Bloco de Esquerda regressou ao Parlamento no ano passado para substituir João Semedo, ausente por doença. Apesar das razões menos boas que pautaram este regresso, o político diz-se empenhado em assumir um cargo onde acredita que pode amplificar a luta pelas causas em que acredita. Revoltado com o percurso que o projeto europeu tomou, defende que os portugueses devem ser uma voz ativa contra a precariedade.
Regressou ao Parlamento em 2015 para substituir João Semedo, ausente por doença. Não terá sido o melhor motivo para regressar, mas era um regresso desejado?
Regressei ao Parlamento a pedido de substituição do João Semedo durante alguns meses enquanto ele terminava o tratamento à operação a que foi submetido. Fi-lo com bastante tristeza, na condição em que aconteceu, mas em nome da solidariedade que nos devemos uns aos outros nestas condições. Agora estou num mandato para o qual fui eleito nas últimas eleições, mas mantive sempre participação política. Estar ou não no Parlamento são funções que já tive no passado, agora tenho outra vez, mas não são elas que determinam o meu compromisso e a minha determinação.
Quando assumiu este cargo, fê-lo com que objetivos e ambições?
Objetivo de poder, neste espaço, dar voz a um conjunto de causas em que estou comprometido, como a participação e o movimento contra a precariedade, os projetos de luta contra a pobreza, movimentos contra as discriminações e pelo respeito pela diversidade. Vejo a possibilidade de estar no Parlamento como um espaço onde essas lutas podem ser amplificadas.
As decisões políticas passam mais pelo Parlamento do que passavam no passadoEste contexto é especial porque o Parlamento ganhou centralidade. As decisões políticas passam mais pelo Parlamento do que passavam no passado e por isso temos aqui um trabalho importante a fazer.
Tem sido muito crítico quanto às desigualdades salariais e à precariedade laboral. O que está a ser mal feito?
Temos assistido nos últimos anos à constituição da precarização como uma das tendências mais fortes das transformações do mundo do trabalho, com o objetivo de baixar as remunerações das pessoas, e à desregulação do mundo do trabalho, alterando as suas regras e desarticulando as formas de proteção social e de solidariedade que foram construídas ao longo dos anos.
Que propostas apresentaria para contornar estas situações?
Acho que o combate à precariedade é hoje um combate central que todos temos pela frente. É uma das grandes lutas pela democracia e pela liberdade, de acordo com a dignidade da nossa própria possibilidade de termos uma vida e de podermos fazer planos.
Vivemos num país em que mais de metade da força de trabalho é precária, mais de metade não tem proteção social e isso é inadmissívelPortugal tem uma característica na precariedade, aliás várias características, que é preciso reverter e transformar. Uma delas é o facto da precarização se fazer na multiplicação de modalidades precárias de emprego, como os estágios, os falsos recibos verdes, as empresas de trabalho temporário, as formas de negócio de alugar pessoas feito pelas empresas de trabalho temporário e por outras formas de precariedade abstida do Estado, como os contratos de emprego inserção. Outra tem a ver com a transgressão legal. Em Portugal existe uma impunidade muito grande que faz com que as normas laborais que existem, mesmo aquelas que protegem os trabalhadores, não sejam aplicadas. Não existe a fiscalização necessária e as regras são frequentemente desrespeitadas pelas entidades patronais e nada acontece.
E como se pode reverter isso?
Precisamos de mudar a legislação do trabalho no sentido de retirar estas modalidades precárias de emprego e precisamos, também, de garantir que o Estado, que é o maior empregador precário de hoje, dê o exemplo de combate à precariedade e que reforce os meios de fiscalização e os meios de atuação da ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho] para garantir que as normas laborais são respeitadas.
Perante a opinião que tem sobre as instituições europeias e após o Brexit acha que pode estar para breve o início do fim da União Europeia?
A União Europeia é um arranjo institucional que trouxe uma promessa de paz, de progresso e desenvolvimento que hoje se transformou numa forma de prisão e imposição e está a evoluir para uma forma de tutela sobre vários países que visa impedir que haja alternativas. Vejo com muita preocupação a degradação e degeneração de uma ideia que começou por ser atraente nas suas promessas de desenvolvimento, mobilidade e paz mas que a cada cimeira que passa percebe-se cada vez menos o que é que existe na Europa. Está tudo ao contrário do que seria expectável e necessário.
Mas defende que poderia ser positivo seguir os passos do Reino Unido e fazer uma espécie de 'Portuguexit'?
Acho que o Brexit não resolveu muitos dos problemas de fundo do Reino Unido. É preciso uma alternativa que configure uma estratégia de desenvolvimento que seja antípoda da austeridade. Penso que não é isso que se está a preparar no Reino Unido. Tem de haver uma alternativa em que os povos se possam pronunciar e em que a soberania democrática dos povos seja respeitada.
Relativamente ao seu futuro, este poderá passar pela liderança do partido? Ou acha que o facto de ser homem nos dias que correm é uma desvantagem?
Nós no Bloco nunca fazemos a discussão desse modo. Para nós, a política é uma questão de coletivo, uma atividade que não é uma carreira ou uma profissão. É uma forma de ativismo de intervenção que pode em alguns momentos passar por um compromisso como a de uma representação política e popular, como estar no Parlamento, coisa que todos fazemos com muito gosto e com muito empenho mas que passa essencialmente pelo prazer de não estarmos sozinhos no mundo e pelo prazer de podermos partilhar o nosso tempo com pessoas que têm o mesmo compromisso de transformação. E é por esse compromisso de transformação que penso que passará a minha vida. É essa a forma como me vejo na política e não como uma carreira ou disputa de lugares.
Quer dizer que a liderança está posta de parte?
Insistir numa pergunta cujos termos acho que não correspondem ao modo como eu e as pessoas que são cúmplices neste projeto veem a política é estar a tentar impor uma visão das coisas. Já disse que não me reconheço na forma de política que é vista como uma carreira ou uma disputa de lugares. Não é isso que nos move, não é isso que nos interessa.
Pode ler a primeira parte da entrevista aqui.