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"Responsáveis pelas trafulhices na CGD foram colegas de governo de Costa"

O deputado social-democrata Duarte Marques é o entrevistado desta semana do Vozes ao Minuto.

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Inês André de Figueiredo
11/01/2017 08:30 ‧ 11/01/2017 por Inês André de Figueiredo

Política

Duarte Marques

Duarte Marques, deputado do PSD eleito pelo distrito de Santarém, analisou o início do ano 2017, tendo em conta as medidas tomadas pelo Governo e que entraram em vigor no primeiro dia de janeiro. Na primeira parte da entrevista, o social-democrata abordou o tema da Caixa Geral de Depósitos, incluindo a escolha de Paulo Macedo após a saída de António Domingues, e da governação da ‘Geringonça’, não deixando esquecer o que seria diferente se a coligação PSD/CDS se tivesse mantido à frente do Executivo.

O Orçamento do Estado está aprovado, o salário mínimo nacional de 557 euros está em vigor e o país deparou-se com aumentos em diversas áreas no princípio do ano. Como vê o PSD este início de 2017?

Eu, pessoalmente, como deputado do PSD, acho que o que o Governo tem anunciado é um logro, porque por um lado dizem que acabou a austeridade e que estão a aumentar o rendimento dos portugueses, mas, apesar da reposição mais acelerada de alguns rendimentos, o Governo criou um conjunto e agravamento de impostos que retira esse aumento. Ou seja, só alguns é que recebem essa reposição mas todos pagam mais impostos.

E depois as consequências indiretas no custo de vida, ou seja, os aumentos que o Governo fez foram todos abaixo do valor da inflação, isso quer dizer que o poder de compra real dos portugueses baixa. O conjunto de impostos que foram agravados, por exemplo impostos sobre os combustíveis, têm um impacto direto em tudo, não é só em quem vai pôr gasóleo ou gasolina. As empresas de transportes e de comércio todas vão aumentar os preços de tudo indiretamente, porque têm mais custos e isto depois tem reflexos claros na economia. Ou seja, o Governo estava refém dos acordos que fez com a Esquerda para poder governar e portanto preferiu contentar os seus acordos e os seus eleitores no curto prazo, em vez de permitir que a médio/longo prazo todos tivessem um crescimento justo e que se reduzissem assimetrias. 

O mapa judiciário, por exemplo, foi alterado. Custa-lhe olhar para a reversão de algumas medidas que foram implementadas pelo Governo anterior?

De facto não há bem uma reversão, há uma reversão retórica. O mapa judiciário que foi alterado permitiu rapidamente aumentar os níveis de eficiência dos tribunais, permitiu mexer até nos funcionários com mais rapidez e permitiu que fossem tratando dos sítios onde havia mais processos encalhados. O que o Governo fez não foi reverter essas medidas. O que estava previsto era que ao fim de dois anos ou três ir-se-ia ver os impactos que teve e corrigir algumas situações. O que o Governo fez foi abrir os balcões de proximidade que não foram mantidos nos tribunais encerrados. O Governo não reabriu tribunais, no fundo criou balcões de proximidade. Não era nada que não estivesse mais ou menos previsto fazer no futuro.

Percebe-se que António Costa e Mário Centeno percebem muito pouco de banca e a forma como geriram o processo da Caixa é um desastre autênticoO ano começou e a liderança da CGD ainda não está resolvida. Este é um assunto que preocupa genuinamente o PSD?

Dois pontos na CGD: Um primeiro-ministro e um Governo que fazem uma gestão política do caso da CGD, tentando onerar o governo anterior pela situação em que a CGD estava - em virtude da má gestão que teve na década de 2000/2010 e sobretudo nos últimos anos entre 2005 e 2011, em que se criou graves dificuldades à CGD e António Costa tentou disfarçar isso. Os responsáveis pelas grandes trafulhices na CGD são os seus colegas de governo, nomeados pelo governo de que ele fez parte. Tentou com isso colocar esse oneres em cima do governo anterior e, por outro lado, toda a gestão do processo Caixa é irresponsável porque trouxe muita dificuldade à própria Caixa.

Percebe-se que António Costa e Mário Centeno percebem muito pouco de banca e a forma como geriram o processo da Caixa é um desastre autêntico. António Costa foi o primeiro a dizer que a recapitalização não contava para o défice, afinal adiaram-na para não ficar no défice de 2016.

Agora, a gestão do processo da Caixa preocupa muito o PSD porque a CGD é o principal banco e tem até um efeito regulador do setor bancário em Portugal.

A forma como foi gerida nos últimos cinco anos, aliás, o ministro Centeno depois já veio corrigir os disparates que disse, permitiu recuperar muitos dos prejuízos da Caixa e reforçar a solidez da Caixa. Os rácios de capital e transformação da Caixa melhoraram bastante.

Já percebemos que António Domingues não tem muito jeito, ou não tem uma visão da coisa pública com a qual nós concordemosAs declarações incendiárias que foram feitas pelo ministro das Finanças e pelo primeiro-ministro sobre a CGD são de uma pura irresponsabilidade, a comissão de inquérito tem vindo a permitir provar que os problemas da Caixa existiam antes de 2011 e isto veio permitir ao PSD fazer a sua defesa e não permitir que o processo todo de recapitalização pudesse cair sobre o governo anterior quando isso seria muito injusto.

O facto de Paulo Macedo ter aceitado o convite faz com que a Caixa fique em melhores mãos do que nas de António Domingues?

Já percebemos que António Domingues não tem muito jeito, ou não tem uma visão da coisa pública com a qual nós concordemos. Um gestor público tem de estar sujeito a um escrutínio público.

António Domingues é um excelente gestor, vem de um banco que é um exemplo em Portugal, dava-nos todas as garantias de competência, aliás, isso nunca foi posto em causa pelo PSD. O problema era sempre a estratégia do Governo para a CGD. Nós não concordámos com o montante da recapitalização, com parte do processo de recapitalização, nem com a forma pouco transparente como o Governo geriu o dossier Domingues.

 Paulo Macedo salvou o SNS, com alguma dureza mas com muita transparência e rigorPaulo Macedo é uma pessoa completamente diferente, com muito mais hábitos de gestão da coisa pública. É curioso que o Partido Socialista e os partidos da Esquerda criticam sempre Paulo Macedo quando está no poder, mas acabam sempre por recrutá-lo ou reconduzi-lo quando estão no poder.

Foi assim nos Impostos, foi nomeado por um Governo PSD com um salário acima da média, e fomos muito criticados mas os resultados do seu trabalho ficaram à vista, a máquina fiscal portuguesa melhorou bastante com o seu trabalho. O PS do governo de Sócrates viu-se obrigado a mantê-lo durante uns tempos e a reconduzi-lo. E, agora, depois de todas as críticas que fizeram a Paulo Macedo na sua gestão da Saúde - que estava na falência, o SNS estava na falência -, apesar dos vários arautos da Esquerda, Paulo Macedo salvou o SNS, com alguma dureza mas com muita transparência e rigor.

E se o PSD estivesse agora no Governo, quais seriam as diferenças no arranque deste novo ano?

Se calhar neste novo ano estávamos a terminar a reposição de salários e de pensões, não a teríamos feito, talvez, no ano passado e fá-la-íamos agora. Se o PSD estivesse no governo, o investimento público não tinha voltado para trás, nós temos o pior investimento público das últimas décadas. Havia com certeza mais políticas de incentivo à criação de empresas e sobretudo ao investimento estrangeiro porque não teria havido reversões em várias áreas. Os transportes públicos que voltaram agora às câmaras municipais não estariam tão depauperados porque o governo tinha concessionado a empresas privadas que eram responsáveis pelo seu equipamento num prazo de um ano e tinham de pagar multas ao Estado por via dos atrasos nos horários.

Está toda a gente mais feliz porque a Esquerda está a tomar medidas populistas e isso atrasa o desenvolvimento do paísObviamente, não veríamos toda esta ‘barracada’ com a CGD. Não veríamos com certeza uma política de educação que estivesse a reverter as medidas que permitiram atingir os resultados que obtivemos. 

Por outro lado, não havia manuais escolares gratuitos para todos. Haveria manuais escolares gratuitos para os alunos que precisam, porque o Estado precisa de garantir que mais alunos têm manuais escolares e neste momento os alunos que recebem manuais escolares pela ação social escolar nos restantes ciclos têm-se atrasado. O Governo mandou-os comprar os manuais escolares e até agora ainda não pagou às famílias e isso é à custa dessas medidas populistas do Governo.

Há muita coisa que não seria assim e, neste momento, Portugal atrasou-se em relação ao período que estava a atravessar. Está toda a gente mais feliz porque a Esquerda está a tomar medidas populistas e isso atrasa o desenvolvimento do país. A médio prazo é pior para Portugal.

E como oposição, que medidas estão a ser pensadas pelo PSD?

As que estão pensadas e não foram apresentadas não podem ser divulgadas. O PSD apresentou cerca de 200 propostas ao Plano de Reformas. Algumas foram aprovadas, outras formam chumbadas, outras foram chumbadas e agora o Governo veio apresentá-las como suas. É irónico mas deixa-nos satisfeitos porque o Governo veio reconhecer que tínhamos razão.

Acho que o PSD pode dar um bom contributo se o Governo estiver disposto a ouvir, mas o Governo refugiou-se e está um bocadinho sequestrado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP e é por isso que digo que um dos grandes desafios do próximo ano é recuperar o PS e libertar o PS da quase escravatura que está dentro do Bloco e do PCP. A ideia é um bocadinho que o PS volte ao centro e volte a ser o partido responsável e que possa negociar connosco.

Na área da Educação o PSD vai apresentar novidades, vai apresentar, como já anunciou, alguns projetos de combate ao abandono escolar, de melhoria do sistema de ação social escolar das universidades e dos politécnicos. Vai ter alguma coisa na área da ciência e das bolsas de investigação.

Na área dos assuntos europeus o PSD vai apresentar algumas medidas estruturais para Portugal poder defender lá fora.

O Governo de António Costa já fez mais de um ano. Como é que descreveria este último ano?

É indiscutível que esta solução de Governo, em termos de estabilização da própria coligação, surpreendeu muita gente. Ou seja, é normal que numa coligação de governo existam divergências, entre o PSD e o CDS também havia, no estrangeiro também acontece. Mas estava à espera de que houvesse mais divergência entre eles, estava à espera que o Bloco e o PCP fossem muito mais assertivos e muito mais sensores daquilo que são as suas convicções. E vimos o Bloco de Esquerda, sobretudo, a engolir um sapo por semana, ou seja, o Bloco de Esquerda trocou todas as suas convicções e posições do passado por um conjunto de benesses que o Governo lhe deu, e portanto engoliu tudo o resto.

Estava à espera de que houvesse mais divergência entre elesVer o Bloco de Esquerda na Assembleia chega a ser penoso, porque eles aceitam tudo em troca de três ou quatro medidas que consideram fundamentais na sua agenda. Desse ponto de vista foi estável, porque o Bloco e o PCP meteram o ‘rabinho entre as pernas’ e o António Costa manipulou-os como quis porque são todos reféns uns dos outros, se esta estrutura falhar perdem todos.

Inicialmente a intitulada ‘Geringonça’ não foi bem aceite. Agora, a Direita já lhe confere legitimidade?

O PSD nunca pôs em causa a legitimidade legal de se montar esta estrutura de poder. Achámos que era ilegítimo que quem perdeu eleições quisesse governar sem dar oportunidade a quem ganhou. Facto é que o PSD ganhou as eleições, António Costa foi derrotado eleitoralmente, depois de quatro anos de austeridade, e houve uma coligação negativa que nem sequer deu oportunidade a esta eleição, que foi a escolha dos portugueses, de governar.

Considerámos que havia falta de legitimidade política no modelo que foi escolhido ou na opção que foi feita. Mas reconheço que legalmente é possível. 

A 'descrispação' que Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu para palavra do ano existe ou a crispação continua entre Direita e Esquerda?

Houve uma crispação grande durante quatro anos, porque a Esquerda não quis assumir a sua culpa na bancarrota e muito menos a sua responsabilidade na saída da bancarrota. E, portanto, os portugueses não devem nada à Esquerda no período de recuperação dos quatro anos, não colaboraram em nada e só prejudicaram.

Esta birra da Geringonça ao fim de um ano e tal continua a fazer mais oposição ao governo anterior do que a reformar para a frenteEssa crispação baixou agora mas não por culpa do Governo, baixou porque na oposição deixaram de estar partidos populistas e irresponsáveis.

E como foi lidar com essa mudança de governo para oposição num momento tão importante para o país?

Às vezes é revoltante porque começamos a perceber que estávamos a sair da bancarrota, Portugal começou a recuperar a sua credibilidade. O Governo e a Esquerda, apenas para não perderem a coerência com discursos do passado, preferiram reverter medidas para não dar razão a quem estava no governo anteriormente.

Esta birra da Geringonça ao fim de um ano e tal continua a fazer mais oposição ao governo anterior do que a reformar para a frente. E acho que foi essa a mensagem do Presidente porque há muitas reformas por fazer e o país não pode estar sujeito a isso.

E o PSD e a liderança sofreram com esta situação enquanto partido?

É normal que um partido que está no poder e deixa de estar, e uma liderança que ganhou eleições, sofra com isso. Custa ver a destruição ou o desmoronar de um esforço titânico que foi feito para recuperar o país.

Não podemos esperar que uma liderança que foi séria, honesta e sobretudo muito responsável e nada populista, passe para a oposição e adote um registo como o do PS ou Bloco. E isso tem custos políticos na popularidade, mas a médio/longo prazo é mais benéfico do que, de repente, termos um presidente do PSD que era primeiro-ministro com o estilo que tinha e agora ser uma barata-tonta sempre a disparatar com populismos e números de circo.

Os portugueses têm de ver em Passos Coelho a alternativa ao primeiro-ministro atual, não o podem ver como um simples líder da oposição e ele não se pode comportar de forma diferente quando está na oposição ou quando estava no governo. 

António Costa gere o dia a dia, não gere a semana nem o mês e nisso é genial, mas isso é bom para um líder da oposição, não é bom para um primeiro-ministro.

E essa imagem que António Costa está a passar não faz as pessoas pensarem que esta foi a melhor opção para Portugal?

António Costa está a repor a situação que nos levou à bancarrota por José Sócrates e isso é que nos assusta. Estamos a ver este filme outra vez. ‘Está tudo bem, vamos crescer’, mas o país não cresce porque o primeiro-ministro diz que vai crescer, cresce porque se fazem reformas, porque as empresas investem mais, criam mais empregos, exportam mais e este Governo está a tentar disfarçar uma realidade que não é verdadeira.

Os dados têm desmentido o Governo, o problema é que não se dá tanto ênfase a isso como se deu no passado. O país está a crescer menos. Deve ser o maior embaraço para o primeiro-ministro como António Costa reparar que apesar do discurso todo dos últimos cinco anos, o primeiro-ministro da austeridade punha o país a crescer 1,6% e agora, sem austeridade, o país cresce 1%. Como é que é possível? Isto quer dizer o quê? Má gestão. O Estado está a manipular as contas públicas, a manta não chega para tudo e António Costa sabe bem disso. E depois tem uma lata desgraçada quando vem dizer que este Governo é responsável pelo primeiro défice abaixo dos 3%. Quer dizer, o primeiro-ministro que baixou 0,2 ou 0,3 no défice não é comparável com alguém que baixa um défice de 12% para 3%. Eles baixaram décimas e podiam ter descido ainda mais e vieram-se vangloriar de um mérito que não é seu.

Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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