Reconhece “que o orçamento para a Saúde deveria ser maior”, mas diz-se certo de que é possível fazer mais aproveitando melhor as competências dos enfermeiros. O coordenador da linha Saúde 24 confidencia, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que “os enfermeiros nem sempre são reconhecidos pelo trabalho que realizam” e lamenta que “façamos uma formação de tão grande qualidade em Portugal e depois seja aproveitada por outros” países.
Sobre a denúncia de que há utentes privados de alimentação e medicação em unidades de saúde em Portugal, Sérgio Gomes mostra-se convicto de que tal não ocorrerá. “Não acredito”, afirma.
O recém-eleito bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, elogiou, em entrevista ao Notícias ao Minuto, Adalberto Campos Fernandes por colocar o foco naqueles que trabalham no SNS, como é o caso dos enfermeiros. Partilha desta opinião?
Sim, partilho da opinião, porque todos os profissionais são necessários e o bem mais importante que o ministério tem são as pessoas. Essa é uma tónica importante. Naturalmente que as preocupações do ministro são sempre encontrar as melhores respostas. Estou convicto de que qualquer pessoa nessa posição está preocupada com o bem público, e o bem público é prestar o melhor serviço ao cidadão.
O Orçamento do Estado para a Saúde é suficiente para fazer face a todos os problemas?
É reconhecido que o orçamento deveria ser maior, mas vivemos num período em que, saindo de uma crise económica, vamos ter de nos adaptar, criando as melhores respostas com os mesmos recursos, tendo em conta a capacidade financeira disponível. Acima de tudo, temos de pensar que com melhor organização é provável que consigamos dar melhores respostas aos cidadãos. Isso é sempre possível, na medida em que a melhoria contínua é uma ideia que deveremos ter sempre presente.
O que é que considera que tem sido deixado para trás?
Eu sei as dificuldades que existem, compreendo que os processos não são tão rápidos quanto queríamos, mas também sei que, desde que os profissionais trabalhem em equipa e complementaridade, podem dar mais e melhores respostas aos cidadãos. Sou da opinião de que o aproveitamento das competências dos enfermeiros pode ser uma alavanca para melhores respostas em saúde.
Não compreendo que os meus colegas estejam a receber valores a rondar os quatro ou cinco euros à hora
Tem havido reivindicações por parte dos enfermeiros e houve casos de profissionais a receber menos de cinco euros por hora.
Em relação aos vencimentos, não compreendo que os meus colegas estejam a receber valores a rondar os quatro ou cinco euros à hora. É importante que um médico esteja disponível para tratar as situações (o seu papel é inquestionável), mas os enfermeiros deveriam poder ajudar mais naquilo que é a prevenção e têm de estar disponíveis para isso.
O que sente, de certa forma, é que os enfermeiros são subvalorizados em Portugal?
Não é uma questão de ser sub ou sobrevalorizado, mas os enfermeiros devem ter o reconhecimento que lhes é devido. Os enfermeiros nem sempre são reconhecidos pelo trabalho que realizam. Há, no entanto, políticos que reconhecem e valorizam essa condição e fazem apostas muito concretas. Verifico com agrado que é uma preocupação atualmente. Na minha opinião, houve anteriormente uma postura positiva que não foi suficiente.
O Sindicato dos Enfermeiros estima que, nos últimos cinco anos, mais de 13 mil profissionais tenham emigrado. Lá fora, os enfermeiros portugueses são muito valorizados.
É verdade. Eu já questionei: Porque é que os enfermeiros são tão valorizados no estrangeiro e em Portugal não o são? Por isso é que digo que devem aproveitar-se as suas competências. É também necessário que os enfermeiros melhorem a sua autoestima. E o dinheiro ajudaria. Mas se pudessem ter uma prestação que lhes permitisse dar outro tipo de respostas, penso que eles ficariam um pouco satisfeitos.
Lamento que façamos uma formação de tão grande qualidade em Portugal e depois seja aproveitada por outros
No seu caso, alguma vez pensou emigrar?
Eu sou um enfermeiro da velha geração, tenho quase 40 anos de exercício. Essa questão no passado não se colocava. Compreendo a atitude dos meus colegas que sentem esta necessidade, tenho pena que assim seja. Penso que isso deveria levar a um olhar sobre a política de saúde em sentido global.
Lamento que façamos uma formação de tão grande qualidade em Portugal e depois seja aproveitada por outros, quando nós temos essas carências. Também percebo que há uma condição económica que pode não ser favorável.
Doentes privados e alimentação e medicamentos? Não acredito
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros denunciou recentemente a situação de doentes privados de alimentação e medicação numa unidade de saúde do SNS. Acredita que casos como este se passem em unidades de saúde em Portugal?
Não acredito, como não acredito que se tenha passado nessa situação. Se bem sei, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já veio referir que a situação não ocorreu. Não acredito que um enfermeiro, sabendo que não tem medicamentos ou alimentação, não tenha reportado a situação internamente. E também não é assim que se melhora aquilo que é a nossa imagem social na saúde. Não o faria desta forma, criando alarmismos. A situação deveria ser reportada internamente a quem de direito e, se ocorresse, denunciada.
Acredita que há pessoas em Portugal que prescindam de ir ao médico por falta de condições financeiras?
Admito que sim. Nas condições económicas em que vivemos, haverá dificuldades para muitas pessoas. Por outro lado, acredito que o SNS tem encontrado formas de assegurar os cuidados de saúde às pessoas que deles necessitam. Há pessoas que podem não estar a comprar todos os medicamentos, mas quando o SNS tem conhecimento intervém para ajudá-las.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.