“Os portugueses são um povo solidário. É algo que está no seu ADN”. A convicção é do Presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), que considera que o Estado só cumpre o seu propósito se for um Estado social.
Em entrevista ao Vozes ao Minuto, Lino Maia diz-se convencido de que Portugal “tem capacidade para receber milhares refugiados”, mas que não lhes é dada informação suficiente sobre o país.
Foi eleito presidente da CNIS há 11 anos, ainda antes de a crise chegar a Portugal. Vivemos agora num país diferente?
Diria que se nota alguma esperança no povo português. As expectativas começam a ser mais favoráveis, embora o número de pessoas no limiar da pobreza continue a ser muito elevado. Há um desemprego muito grande, particularmente no interior e nas periferias das grandes cidades e há ainda muitas pessoas a precisarem de apoio. Noto que há melhoria na confiança e as expectativas para a classe média neste momento são melhores. Quanto aos que já estavam desempregados e já viviam abaixo do limiar da pobreza, esses ainda não sentiram melhorias.
Os efeitos da crise ainda são notórios hoje em dia?
Sem dúvida. A retoma que se nota beneficia particularmente a classe média. Aqueles que estavam empregados e, com a crise, ficaram no desemprego e sobre-endividados agora estão a regressar ao trabalho. Os outros – os que já estavam desempregados, já viviam abaixo do limiar da pobreza – ainda não sentiram melhorias.
É sobre esses, essencialmente, que tem incidido o vosso trabalho na CNIS?
É particularmente nesses, os mais carenciados. Organizamo-nos para responder e dar-lhes uma vida melhor.
O Estado tem apoiado na medida do possível. Todos nós gostaríamos que apoiasse mais, mas os recursos são escassos
Que estratégias têm adotado para o conseguir?
São fundamentalmente as comunidades que se organizam e criam respostas sociais, cooperando com o Estado. É sobretudo na área da cooperação que nos situamos. Devo lembrar que grande parte daquilo que se faz no nosso país de apoio a pessoas com deficiência é feita por estas instituições, grande parte dos apoios não pecuniários que há para os idosos (centros de dia, apoio domiciliário e lares) é feita por estas comunidades, grande parte do que se faz de apoio a acrianças (creches e ATL’s) é feita por estas organizações. É neste tipo de resposta social que estamos mais interventivos. Não tanto em apoios pecuniários e distribuição de bens, mas mais na prestação de serviços.
É, portanto, a própria sociedade que se organiza de forma a apoiar os que precisam.
Exatamente. O que a CNIS faz é apoiar, estimular e representar no sentido de a comunidade prestar bons serviços.
Acha que há falta de iniciativa do Estado para apoiar estas pessoas?
O Estado tem apoiado através destas organizações, das IPS’s, e também apoia diretamente (através de prestações sociais) pessoas que são utentes das nossas instituições. O Estado tem apoiado na medida do possível. Todos nós gostaríamos que apoiasse mais, mas os recursos são escassos. Diria que se vai melhorando paulatinamente, mas com determinação.
Ou o Estado é um Estado social ou não precisamos deleNos últimos anos tem-se falado muito do Estado social. O tema é já um cliché ou de facto tem-se sentido uma maior preocupação com as necessidades das pessoas que pouco têm?
Não o considero um cliché. Penso que o debate que houve ajudou a perceber que ou o Estado é um Estado social ou não precisamos dele. Um Estado que só se preocupasse com a soberania e com a criação de infraestruturas era importante mas não suficiente. Importante é que se preocupe com as pessoas, que são a razão de ser do Estado. Este debate ajudou a ver que a Educação, a Saúde e a prestação social são áreas que o Estado tem de priorizar para apoiar as pessoas que são a sua razão de ser.
Tem-se sentido os efeitos práticos deste debate?
Eu sinto efeitos práticos porque, no início da crise, com as desigualdades que se avolumaram repentinamente, ainda se questionava se o Estado deveria ou não ser menos social. Com o debate percebeu-se que ou o Estado é social ou não tem razão de ser. Em Portugal é consensual: todos os partidos defendem o Estado social e a sua manutenção. O mesmo a nível europeu: ou a Europa é uma Europa dos cidadãos ou não tem razão de ser.
Considera que os portugueses são um povo solidário?
Eminentemente solidário. Aquilo que nós encontramos em Portugal não encontramos em mais país nenhum. O povo português é solidário ao nível de ter capacidade para se organizar para responder às necessidades. Nós sentimos que a sorte do outro é a nossa sorte e não atribuímos ao outro a capacidade de responder àquilo que está ao nosso alcance. Isto é muito bonito e muito português.
Esta é uma característica intrínseca ou só se sente em épocas festivas, como o Natal, ou em períodos de grandes dificuldades, como as que atravessam os refugiados?
Claro que há momentos em que se faz sentir mais, mas eu diria que está no ADN do povo português.
Já recebemos umas centenas de refugiados, mas temos capacidade para receber milhares
Há um pouco a ideia de que, apesar dos esforços, não conseguimos ajudar todos aqueles que precisam em Portugal. Ainda assim, o país tem condições para receber mais refugiados?
Já recebemos umas centenas de refugiados, mas temos capacidade para receber milhares. Há muitas instituições com casas montadas e a comunidade organizada para os receber. Mas é um processo longo, difícil e nem sempre suficientemente claro. Além disso, sabemos que Portugal não é propriamente um país que os refugiados procurem, porque querem países mais ricos do centro da Europa e ninguém virá sem ser por sua opção. Eles não são coagidos a vir para Portugal.
O que é que está a falhar? Não é dada aos refugiados informação relativa a Portugal e à disponibilidade para os receber?
Nos locais onde os refugiados estão ‘acantonados’ é necessário que haja um trabalho de identificação, informação e acompanhamento. E depois é importante também que lhes sejam postas as várias hipóteses que têm para conseguir um futuro melhor. Não está a ser fácil esse processo. Nós sabemos que em Portugal há uma grande capacidade de acolhimento e é consensual que os devemos acolher, ao passo que em muitos outros países da Europa há reações negativas à receção de refugiados.
E a capacidade de os integrarmos na sociedade é igualmente grande?
É. Nós somos também uma mistura de povos. Quem vem para Portugal facilmente se integra, somos um povo plural e muito consensual. Não há grandes clivagens e damo-nos bem em Portugal. Ao virem, certamente que os refugiados aqui se vão sentir bem e integrar plenamente na comunidade nacional.
Como é que responderia àqueles que são mais críticos à entrada de refugiados em Portugal, por considerar que há muitas pessoas no país a quem os apoios não chegam?
São vozes isoladas que têm de ser também escutadas. Essas vozes ajudam a refletir, mas são muito limitadas.
Há setores da sociedade que necessitem de uma particular atenção que não lhes esteja a ser dada?
Sem dúvida. Há áreas às quais temos de prestar mais atenção, tais como os bairros sociais, as periferias das grandes cidades e o Interior do país, que está bastante esquecido. É preciso criar respostas sociais focadas nestas áreas.
Há quem diga que o voluntariado está na moda. Sente que há associações de grande dimensão nas quais muita gente quer trabalhar e outras que ficam esquecidas pela sociedade?
Nós precisamos sobretudo de um voluntariado consistente. As nossas instituições com respostas sociais têm a porta aberta e precisam que os voluntários não sejam muito volúveis. É neste aspeto que falta alguma promoção do voluntariado. Mas claro que as instituições não podem estar dependentes apenas de voluntariado, mas de trabalhadores.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.