Juan Sebastián Marroquín Santos, nascido Juan Pablo Escobar, tinha 16 anos quando ficou sem pai, em 1993, numa caça ao homem que foi transmitida em direto pela televisão colombiana. Não era um homem qualquer, era Pablo Escobar, ‘El Patrón’, um homem responsável por mais de 3 mil mortes. Volvidas mais de duas décadas desde a sua morte, Juan Pablo continua a tentar sanar as feridas deixadas pelo pai.
O Notícias ao Minuto encontrou-se com o filho do maior narcotraficante de todos os tempos em Lisboa, no dia 5 de maio, ao final da tarde, para falar sobre o novo livro, ‘Pablo Escobar – O que o meu pai nunca me contou’. Juan Pablo revelou dados sobre o pai - sobre o “amor incondicional” que mantinha por ele -, sobre a influência da política no narcotráfico, sobre o ‘espetáculo’ que foi a detenção de Joaquín ‘El Chapo’ Guzmán e sobre a “farsa”, palavras suas, que é a série criada pela Netflix, onde é escondida a verdadeira influência da DEA (Departamento norte-americano de combate à droga) e da CIA em toda a história. E, também, acerca do envelope que o pai lhe deixou que não quer mostrar ao mundo, de forma alguma.
A detenção de El Chapo é só um 'show'. É um bom 'show'
Qual é a mensagem mais importante que quer passar agora com este livro?
Creio que há aqui muitas histórias que revelam a capacidade que nós, seres humanos, temos de nos conciliar, apesar das histórias violentas que nos unem, da corrupção internacional que tornou o meu pai tão poderoso, económica e militarmente, que revela um pouco o quão envolvidos estão aqueles que defendem o proibicionismo [das drogas] e que, na verdade, são os que mais beneficiam economicamente dele enquanto submetem os latino-americanos a uma guerra sem fim. Por último, é uma mensagem para que os jovens entendam que esta é uma história para se contar mas não para se repetir.
Acredita que os Estados Unidos ainda menorizam a luta contra o narcotráfico?
Na realidade, acho que beneficiam dela, a nível pessoal e económico.
É uma luta por dinheiro, mais do que uma luta contra as drogas?
É uma luta que gera muito dinheiro.
Já falou antes da detenção El Chapo mais como uma manobra publicitária do que como uma verdadeira ação das autoridades para combater o tráfico.
É só um ‘show’. É um bom ‘show’. Faz parte da indústria do entretenimento.
Para dar a aparência de que há um combate, para a imprensa?
Pergunte a quantidade de droga que faltava no dia seguinte à que El Chapo encaminhava para os Estados Unidos. Pergunte se o preço da droga aumentou depois da detenção. Podem matar todos os ‘narcos’ num só dia e no dia seguinte a droga continua na ruas na mesma. É um círculo vicioso.
O que acha que devia mudar?
Há que declarar paz às drogas, definitivamente.
Como é que isso deve ser feito?
Regularizando todas as substâncias que são consideradas ilícitas. O álcool, que está aqui a ver no bar, mata mais gente do que todas as drogas ilícitas no mundo e não vemos a polícia atrás dele.
A publicação deste livro, tendo em conta sobretudo os capítulos sobre CIA, DEA e mesmo sobre a rota 'El Tren', não vai ajudar à sua emissão de um visto americano.
Talvez numa próxima vida [risos]. Quando o publiquei sabia que estava a renunciar a essa possibilidade. E, na realidade, já não me interessa, já não é um sonho que tenho.
Por que razão acha que as autoridades americanas mantêm uma posição tão firme em relação a si?
Deve ser por causa das histórias que sei sobre elas, por exemplo.
Consigo imaginar os 'narcos' a pagar aos políticos para que a proibição das drogas continueO Juan disse numa entrevista: "A política para mim é a maior delinquência organizada".
A que controlava o meu pai era uma delinquência desorganizada.
Acredita que a política é um obstáculo, neste caso, à luta contra o narcotráfico, tendo em contas os interesses de que falava anteriormente?
Eu até consigo imaginar os 'narcos' a pagar aos políticos para que a proibição [das drogas] continue.
É uma questão de corrupção, não interessa se se é político ou narcotraficante?
É uma questão do amor que nós, seres humanos, temos pelo dinheiro em grandes quantidades.
Chegou a dizer, numa entrevista a um jornal espanhol, que tem um envelope que o seu pai lhe deixou e que não o que trazer a público. O que é que contém?
Eu sei o que contém!
É sobre política?
Entre outras coisas, sim!
Não pode nem levantar um pouco o véu?
[Risos] Atente que na Colômbia pode encontrar casos que se relacionam com política, com as FARC e muitos outros. Mas nesta questão há um silêncio sepulcral.
Há mais medo dos políticos do que dos narcotraficantes?
Acho que nem se toca nesse tema para que [a Colômbia] não tenha de se reinventar como país.
Se pudesse escolher entre ver o meu pai humilhado nos Estados Unidos ou morto, prefiro que esteja mortoO Juan tornou-se numa pessoa reconhecida quando decidiu começar a falar publicamente da renúncia à violência. Não teve medo de ser tornar num alvo de vinganças?
Não creio, porque nunca me coloquei numa posição em que seria uma ameaça para alguém. Pelo contrário, sempre procurei a paz entre todos os que foram afetados.
Mas como figura pública poderia tornar-se num alvo mais fácil para os inimigos do seu pai.
É uma faca de dois gumes. Um protege, o outro pode cortar.
Quando soube da morte do seu pai, reagiu…
Com violência.
Sim, como qualquer jovem que perde o pai. Neste livro, no entanto, numa conversa que teve com Rodriguez Abadía [filho de Miguel Rodríguez Orejuela, um dos maior inimigos de Pablo Escobar] diz: "No final, dou graças a Deus que o meu não tenha ficado com vida". Isto é um resultado de amadurecimento ou da procura pela verdade sobre o seu pai?
Gosto mais da última afirmação mas, na verdade, são coisas de que até falávamos com o meu pai. Se pudesse escolher entre ver o meu pai humilhado nos Estados Unidos ou morto, prefiro que esteja morto.
Imagino que teria sido muito diferente para si também, se o seu pai tivesse sobrevivido?
Sem dúvida, o meu pai vivo e humilhado… e eu com um amor incondicional por ele. Seria uma combinação delicada.
Perigosa?
Sempre fui um homem de paz e vou continuar a ser um homem de paz, reafirmando a cada dia mais nesse caminho. E agora com o meu filho, ajuda-me a manter cada vez mais focado nisso. Não vou abandonar este caminho, e não gosto de pensar no que poderia ter sido…
Como pai foi muito bom pai, como bandido foi dos mais perigososComo é falar com as vítimas do seu pai?
Para ter uma conversa, antes alguém enterra uma faca no estômago. É mais ou menos assim.
O Juan decidiu arcar com uma responsabilidade duríssima, que não teria de ser sua.
Acho que de alguma forma sim, porque não há mais ninguém a fazê-lo. E assumi essa responsabilidade voluntariamente. Com a intenção de sanar.
Para relatar a verdade sobre a história do seu pai, com certeza, descobriu coisas ainda mais feias e que o incriminariam ainda mais. Como é que equilibra esse conflito, por um lado o seu pai, por outro um criminoso perigoso?
Tenho de traçar uma linha muito clara que define quem é o pai e quem é o bandido. Como pai foi muito bom pai, como bandido foi dos mais perigosos.
No capítulo sobre as últimas 72 horas de vida do seu pai descreve um homem que se deixa apanhar e não um homem que foi caçado pelas autoridades. Que opinião tem da versão oficial da morte de Pablo Escobar?
Não há uma versão oficial, isso é o mais curioso.
A que se conhece é que foi assassinado pela polícia.
Se perguntar aos norte-americanos, eles também dizem que foram eles. Se perguntar à polícia colombiana, eles não sabem quem foi. Ao rever a história, o coronel que disse que o matou… primeiro, qualquer estudante de ciências forenses de segundo ano que leia o seu livro, e as suas mentiras, e compare com as fotografias tiradas [ver galeria] para entender que é um absurdo. Nem sequer se sentou cinco minutos a pensar em como mentir.
E, segundo, um superior dele, o General Naranjo, acaba de publicar um livro que se chama ‘El General de las Mil Batallas’, onde desmente a versão daquele oficial que dizia ser quem matou o meu pai. Portanto, hoje em dia nem sequer a instituição policial da Colômbia está de acordo sobre quem matou Pablo Escobar. Ninguém matou o meu pai, ele deixou-se encontrar.
Acredita que se suicidou?
Não acredito, tenho a certeza absoluta. Foi o que me disseram os [médicos] forenses que fizeram a autópsia mas que foram ameaçados para alterar o registo.
Para dar uma aparência de justiça?
Para mim, na realidade, não é assim importante a forma como o meu pai morreu. Mas para as autoridades, sim, para ser mais bonito, como um embrulho… [risos]. A mim o que me afeta é que o meu pai está morto, a forma como foi, se lhe caiu um piano em cima da cabeça ou se caiu em batalha é indiferente. […] De qualquer forma, a única coisa de que se tem a certeza é de que o meu pai morreu numa luta entre bandidos, não com as autoridades. Uma luta entre mafiosos, não entre uma autoridade que queria fazer justiça e que apanhou legitimamente um bandido. Essa não é a história toda.
É uma história suja?
Muito suja.
É uma farsa, a série. Mostra acontecimentos que nunca existiramA série 'Narcos' ajudou a universalizar o interesse na história de Pablo Escobar.
Razão pela qual estou muito agradecido à Netflix, porque nos ajudou a vender muitos livros.
Já disse várias vezes que a série glorifica a história do seu pai. De que maneira?
Vamos ver umas imagens. [Juan Pablo começa a procurar algo no telefone]. No sentido em que estão a gerar interesse entre os jovens para se tornarem em Pablo Escobar. Vou mostrar-lhe como…
[Juan Pablo mostra uma imagem enviada por um rapaz, com as costas inteiramente tatuadas com a imagem de Pablo Escobar e do ator brasileiro Wagner Moura]
É isto que faz ‘Narcos’. E isto multiplique-o por mil. Este é o tipo de pessoas que me manda mensagens a dizer que quer ser 'narco'.
Acredita que a série não mostra a realidade e as consequências…
É uma farsa, a série. Mostra acontecimentos que nunca existiram. Põe pessoas em profissões que nunca tiveram, em atitudes que nunca tomaram. Manipulam a história com um fim político claro. Viu a série?
A primeira temporada.
Se vir a segunda, atente na ausência de Barry Seal [Adler Barriman Seal, agente da CIA que começou a trabalhar como piloto para Escobar]. Que casualidade, a série ter sido escrita pela DEA [os agentes Javier Peña e Steve Murphy, fulcrais na história de Escobar, fazem assessoria na produção de ‘Narcos’], e esqueceu-se o papel de Barry Seal na vida de Pablo Escobar. Justamente um agente da CIA, informador da DEA.
A série foi escrita com a ajuda de Javier Peña e Steve Murphy. Alguma vez falou com eles?
Não acredito que eles queiram falar comigo [risos].
Não é do interesse deles?
Não acredito que tenham sequer a possibilidade de o querer fazer. Eu não teria problema, gostaria muito, mas não acredito que queiram responder às perguntas que lhes iria fazer.
A série foi, então, feita com base numa versão da história?
Para encobrir os pecados cometidos pelas instituições norte-americanas. Entretém muito bem, é boa para o entretenimento.
Foi por isso que a Netflix recusou a sua oferta para ajudar na investigação para série?
Não tenha nenhuma dúvida, se eu tivesse sido parte da equipa da Netflix não teria permitido que não se contasse a história de Barry Seal ou que não se contasse a história do capítulo do ‘El Tren’. E não as escrevi para incomodar, escrevi-as porque são verdadeiras.
Alguma vez falou com Wagner Moura?
Não, nunca fui contactado por ninguém. Sei que ele leu os meus livros, isso sim. Foi ele que disse.
O que achou da interpretação dele?
Na realidade, não sou uma pessoa que tenha a capacidade de julgar esse tipo de trabalho. Mas não reconheço o meu pai em nenhuma das séries, parecendo-me menos má a interpretação do senhor Moura do que do outro, que fez uma caricatura do meu pai ['Escobar, el Patrón del Mal'].
Uma última pergunta, e que tal Portugal?
Fascina-me, era capaz de viver aqui. Sempre que venho, estou limitado por tempo. Mas desde que vim cá pela primeira vez… acho que metade dos turistas que há aí na rua são culpa minha porque digo a toda a gente para vir aqui, que isto é lindo [risos].