Quando Colman Domingo, um ator com uma carreira extensa e prestigiada no teatro, foi abordado para entrar na série da AMC, ‘Fear the Walking Dead’, ficou confuso. “Achei que eles não conheciam o meu trabalho. O meu agente estava muito entusiasmado porque era um ‘spinoff’ de ‘The Walking Dead’ e eu disse-lhe ‘Nem sei o que isso é’”, recorda Domingo numa entrevista ao Notícias ao Minuto.
Já na sexta temporada, é difícil conceber ‘Fear the Walking Dead’ sem a interpretação de Colman Domingo, cuja personagem Victor Strand é um dos seres mais complexos – e provavelmente o mais astuto – da narrativa. Além disso, Strand é apenas uma de duas personagens que pertencem ao elenco original e que de forma ininterrupta se mantiveram na série.
À semelhança de ‘The Walking Dead’, ‘Fear the Walking Dead’ tornou-se um sucesso na televisão à escala global. Mais do que isso, conseguiu conquistar um espaço próprio, mantendo uma ligação com a série principal – alguns atores têm transitado para ‘Fear the Walking Dead – mas, ao mesmo tempo, criando uma distância suficiente para ser vista como uma série única.
Colman Domingo falou sobre o sucesso da série, sobre a evolução, a construção da sua personagem ao longo das temporadas, e, claro, sobre o que os fãs podem esperar – e o que estão longe de imaginar – da segunda parte da sexta temporada que estreia na próxima segunda-feira, dia 3 de maio, às 22h10 na AMC.
A sua personagem, Victor Strand, tem estado a brincar com as mentes dos fãs já há seis temporadas, o que é muito bom. Diria que as suas principais características são ser elusivo e a sua capacidade de adaptação?
Sim. Mas ele é, acima de tudo, honesto (risos) e acho que ele está disposto a fazer coisas que são desconfortáveis e sobre as quais as pessoas são demasiado emocionais. Acho que ele tem sido um líder em espera. Ele é alguém que explora muita energia, e depois ataca quando está forte. É isso que gosto nele.
Só o Strand conhece as suas motivações. Ele não deixa que todos conheçam quem ele realmente éQuanto cresceu e mudou a personagem ao longo desta jornada?
Acho que foi a personagem que teve uma evolução maior. Desde o início, acredito que ele foi uma espécie de exemplo de desconstrução da civilização ocidental. Teve de repensar quem era e qual o seu lugar no mundo durante o apocalipse. Ele era um homem de negócios muito astuto quando o conhecemos, e depois nas temporadas subsequentes foram sendo retiradas as camadas da personagem para ver o que o faz agir como ele age, como ele constrói, como ama, como se preocupa, e temos visto isso ao longo desta jornada.
Depois, acredito que houve uma reconstrução do Victor Strand, provavelmente no final da quinta temporada e até ao início da sexta temporada, onde ele decidiu comprometer-se ainda mais com o seu lado mais negro, que está disposto a pôr as mãos no fogo, a não ser visto como um herói. Ele é um verdadeiro anti-herói, de todas as formas. Ele é complicado, é confuso, mas tem uma grande capacidade de amar, como aprendemos. E agora tem de construir aquele exterior duro para poder sobreviver, e isso é algo que ele está disposto a fazer. O que vimos na primeira parte da sexta temporada, e que conduz até esta segunda parte da temporada, é uma outra versão do Strand. Ele decidiu que tinha de ser esta pessoa de forma a sobreviver, que tinha de ir para o lado negro, que tinha de estar disposto a fazer o que as outras pessoas não estão dispostas a fazer.
Desde a primeira temporada, qual foi a personagem na qual o Strand mais se reviu?
Acho que ele compreendeu muito rapidamente o que a Virginia podia oferecer e o que ela tinha construído, e ele respeita-a por causa disso. Ele gosta dela? Não sei, mas sei que respeita-a porque vê a sua bravura, força e carácter, e por isso está alinhado com ela. Mas com o Strand nunca se sabe quem pode contar com a sua lealdade. Essa é a parte interessante nele. Nunca se sabe se ele está a ser mais ardiloso, se está a bajulá-la para conseguir o que quer. Sempre adorei o facto de que o Victor Strand é capaz de fazer qualquer coisa para ter o que quer. Ele pode usar a arte da sedução com a Virginia. Pode manipular as pessoas, e ser aquilo que as pessoas precisam que ele seja. Em última análise, só o Strand conhece as suas motivações. Ele não deixa que todos conheçam quem ele realmente é, mas publicamente está do lado da Virginia porque percebe o que ela tem para oferecer.
Uma das características de ‘Fear the Walking Dead’ é o facto de que as personagens mais adoradas, as que mais se destacam podem morrer a qualquer momento. É algo que é recorrente.
Talvez a minha personagem ainda esteja viva porque ninguém gosta muito dela [risos].
Acho que os fãs gostam da sua personagem. Mas nas primeiras temporadas ficava ansioso quando recebia o guião para descobrir se o Victor Strand ia morrer?
Nunca me senti assim, o que é estranho. Eu estou sempre alinhado com a forma como a estória vai ser contada. Portanto, se a narrativa indicar que este é o momento para o Strand morrer, eu alinho nisso. Nunca senti essa ansiedade. Talvez porque também sou uma pessoa que acredita que há sempre algo mais. Se matarem a minha personagem talvez isso signifique eu vou ser útil para outra personagem noutro projeto. Sempre acreditei que há muito mais no mundo para mim e muito mais no mundo do ‘storytelling’.
Penso que o trabalho de um realizador, essencialmente, é ser alguém que sabe dar uma boa festa
No entanto, há apenas duas personagens da primeira temporada que se mantêm desde o início e fizeram sempre parte do elenco fixo. O Strand é uma delas. Pensou que a personagem iria sobreviver a seis temporadas?
Nunca pensei que o Victor Strand seria uma das últimas personagens a manter-se na série. É interessante porque encontrei uma fotografia da primeira temporada, de nós todos no barco, e pensei ‘Ó meu Deus!’ Eu não fazia ideia, de todo. Apareço para o trabalho, faço o que melhor que consigo, tento divertir-me e vou para casa [risos].
'Fear the Walking Dead' está sempre a evoluir, até a paisagem evolui, as personagens evoluem, mas de cada vez que isso acontece é quase como um ‘reboot’. A série mantém o seu foco central, mas também é reinventada várias vezes
Já realizou três episódios da série, um dos quais esta temporada. Gostou dessa experiência? É algo que gostaria de fazer mais vezes no futuro?
Sim, eu sempre fui um diretor no teatro e começou a fazer sentido realizar episódios da série. Eu preocupo-me com a série de uma forma profunda, preocupo-me com a forma como a estória é contada. Acredito que tenho uma verdadeira paixão por isto, e compreendo os sistemas operacionais de acrobacias com duplos, efeitos especiais, efeitos visuais, uma inteligência muito profunda do ‘storytelling’. Simplesmente faz sentido para mim, e adoro ser realizador na série. Realizar acho que é uma das minhas qualidades mais fortes. Penso que o trabalho de um realizador, essencialmente, é ser alguém que sabe dar uma boa festa. Porque tem de convidar todos a participarem com as suas experiências, com as suas inspirações, e guiar as suas aspirações para criar uma visão. E penso que sei fazer isso. Mais uma vez, certificar-me que estão todos a divertirem-se, que se sentem respeitados, que são ouvidos e que têm um grande perspetiva.
Seja nesta série ou noutra, sei quero realizar mais vezes em televisão. É algo que mexe connosco e gera mais inspiração. O mais provável é que se eu realizar mais episódios de ‘Fear the Walking Dead’, o que quer que tenha feito fora da série, vai sempre transparecer ali. Há um novo pensamento.
"Vai ser horrivelmente maravilhoso", disse Colman Domingo sobre a segunda metade da sexta temporada© Mayte Ojea/AMC Networks
Não é fácil uma série ter muitas temporadas, mas ‘Fear the Walking Dead’ atingiu um grande nível de popularidade entre os fãs. Qual é o segredo do contínuo sucesso da série?
Acreditei sempre que isso tem a ver com a forma como a nossa série evoluiu. Como se pode lembrar, a nossa série começou por ser gravada entre Los Angeles e Vancouver. Depois, fomos para o México por duas temporadas. De seguida fomos para o Texas. Está sempre a evoluir, até a paisagem evolui, as personagens evoluem, mas de cada vez que isso acontece é quase como um ‘reboot’ da série. A série mantém o seu foco central, mas também é reinventada várias vezes. Acho que é por isso que a série ainda é tão popular.
Mais do que outras séries de televisão, ‘Fear the Walking Dead’ faz aumentar a ansiedade e o entusiasmo dos fãs ao longo dos episódios, e isso cresce ainda mais nos episódios finais. O que podem esperar os fãs da segunda parte desta sexta temporada?
Vai ser horrivelmente maravilhoso [risos]. As personagens vão fazer coisas que as pessoas nunca esperariam que fizessem, tendo em conta o que conhecem delas. Mas vão ser desafiadas de formas tão extraordinárias a tomarem decisões difíceis. E acho que muitas delas vão escolher as opções mais difíceis desta vez. Houve uma temporada em que todos escolhemos elevar-nos acima das adversidades, escolhemos a bondade, cuidar uns dos outros. Penso que o mundo mudou para estas personagens, e elas têm que, de uma forma completa, experienciar uma parte delas próprias que não queriam, e que outras personagens queriam. Deixo-o com isto. Acho que é isto que vai ser interessante com todas as personagens. Vão ter de repensá-las.
Vamos regredir no tempo. Qual é que foi o seu primeiro pensamento quando foi abordado com a ideia desta série com zombies, desta personagem, Victor Strand, há seis anos?
Fiquei confuso. Na altura, foi a primeira audição que tive com um novo agente. Fiquei com algumas preocupações, porque achei que eles não conheciam o meu trabalho. O meu agente estava muito entusiasmado porque era um ‘spinoff’ de ‘The Waling Dead’ e eu disse-lhe ‘Nem sei o que isso é’. Eu não vejo muita televisão por isso não sabia o que era. Nem sabia que tinha muitos fãs, que tinha um grande e épico ‘storytelling’. Além disso, achava que a televisão não era bem o meu estilo. Eu interpretei tantas personagens interessantes, estranhas e marginalizadas, e era um pouco snob. Mas depois li o guião de ‘Fear the Walking Dead’ e pensei ‘Uau, isto é interessante’. Um grande ‘storytelling’ e era uma personagem muito interessante. Tinha um monólogo que parecia o de Ricardo III de Shakespeare, que deu início à minha jornada nesta profissão. Tive de repensar o que era a televisão.
É engraçado porque ofereceram-me trabalho em duas séries ao mesmo tempo. Uma das séries era ‘The Get Down’ da Netflix e a outra era ‘Fear the Walking Dead’, por isso tinha uma escolha. Podia escolher esta coisa que eu não compreendia, que era ‘Fear the Walking Dead’ e todo este universo, os seus fãs. Ou então esta série que eu achava que percebia com o Baz Luhrmann e a Netflix, e que seria gravada em Nova Iorque, onde estava a viver. Pensei nisto, para trás e para diante. ‘Esta assusta-me e não sei o que é ‘Fear the Walking Dead’. Penso que é isto que tenho de fazer para a minha carreira’, e escolhi ‘Fear the Walking Dead’.
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