A 75.ª criação da Escola da Noite (e que encerra as comemorações dos 30 anos da companhia de Coimbra) é uma primeira apresentação em Portugal de 'Trilogia de Alice', peça escrita pelo irlandês Tom Murphy, em 2005.
A peça apresenta, em três momentos da sua vida, Alice, uma doméstica casada com um banqueiro e mãe de três filhos, entre os anos 1980 e o início do século XXI, em quadros que retratam uma vida meio vivida e repleta de coisas que ficaram por dizer ou fazer.
Há uma Alice dividida entre a gratidão da vida aparentemente tranquila e pensamentos suicidários, depois um encontro com um antigo namorado e, finalmente, sentada num restaurante, com o seu marido à frente, a fazer o luto de um filho que morreu precocemente, estende-se por um longo monólogo interior.
A peça é uma espécie de "peregrinação interior" da mulher, como refere o encenador Nuno Carinhas, numa jornada que oscila entre desilusões, desejos e vontades.
"Aqui, está muito presente o não dito, esse deflagrar do discurso, que é o que é surpreendente nesta peça e que me interessou explorar", disse à agência Lusa Nuno Carinhas, que já tinha encenado na Escola da Noite, em 1993, "Comédia sobre a Divisa da Cidade de Coimbra", de Gil Vicente.
Para Nuno Carinhas, o que o puxou para este texto de Tom Murphy foi "sobre o que as mulheres não podem dizer".
"Parece-me muito interessante e pertinente no tempo em que vivemos. Há uma faixa da sociedade que diz que está tudo ultrapassado, que já mudaram os seus hábitos, que está tudo resolvido, mas, na realidade, não está. Personagens como esta ajudam a empreender reflexões e a ultrapassar os não ditos, a mostrar o que ainda está preso, o que ainda não está resolvido", realçou.
O encenador, que tem sido responsável pela apresentação de várias obras da dramaturgia irlandesa em Portugal, encontra neste teatro "uma certa reserva", uma primazia pelo "não dito, que depois explode nas ficções e nas personagens".
"O teatro irlandês é pertinente - provavelmente em qualquer parte do mundo -, mas em Portugal as personagens são muito percetíveis em relação à nossa realidade", notou.
Para além disso, há também, no país, "um certo fechamento da mulher".
"São sempre guardiãs de uma certa maneira de estar e testemunhas de uma maneira de estar", constatou Nuno Carinhas, antigo diretor artístico do Teatro Nacional São João, no Porto.
A peça é apresentada entre 27 de março e 2 de abril, retomando depois entre 06 e 23 de abril (de quinta-feira a domingo).
A peça é interpretada por Ana Teresa Santos, Igor Lebreaud, Miguel Magalhães, Ricardo Kalash e Rita Brütt.
No espetáculo, participam ainda Henrique Pimentel (cenografia), Ana Rosa Assunção (figurinos), Danilo Pinto (luz) e Zé Diogo (som).
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