Nelson Marques foi jornalista durante mais de duas décadas mas a "tempestade perfeita" levou-o a perceber que tinha chegado a hora de se dedicar em exclusivo aos livros.
No seu quinto livro, 'O Sucesso Está nos Detalhes', partilha com o leitor inspiradoras conversas de vida com doze personalidades notáveis como o arquiteto Renzo Piano, o designer Philippe Starck, o editor Benedikt Taschen, os empresários António Trindade e Rui Sanches, as gestoras Ana Figueiredo e Madalena Cascais Tomé, e muitos outros.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto revela o que o levou a escrever este livro, discute a ideia de meritocracia - que diz ser "uma treta" - mas também levanta o véu sobre novos projetos.
O seu novo livro traz-nos as histórias de vida e as regras de ouro de 12 líderes que são consideradas pessoas com sucesso. O que inspirou a escrita deste livro?
De certa forma, já tinha escrito dois livros que têm o sucesso como plano de fundo: 'Chefs Sem Reservas' e 'Chefs Sem Reservas: Segundo Prato' apresentam as histórias de vida e as lições de cozinheiros de enorme sucesso, em Portugal e no mundo. Este novo livro surge porque pensei que talvez fosse um desafio interessante tentar “desarrumar” empresários e gestores, que, normalmente, se apresentam num estilo mais formatado, mais “cinzento” se quiseres. No fundo, quis humanizar estas personalidades, perceber o seu percurso até ao topo e o que aprenderam no caminho.
As histórias que apresenta são de 12 pessoas bem-sucedidas. Contudo, esse é um termo que pode ser amplamente discutido. Para si, o que é ter sucesso?
Essa pergunta tem andado muito na minha cabeça e, provavelmente, mereceria só por si outro livro. Este livro conta 12 histórias de sucesso profissional, mas o sucesso não se resume nem ao mundo das empresas, nem às nossas carreiras. Não terá também sucesso a mãe ou o pai que decide deixar de trabalhar para educar os filhos? Ou o músico que toca na rua? Ou quem largou tudo para viajar pelo mundo?
Vivemos numa sociedade hiper competitiva, onde raramente estamos satisfeitos com o sucesso que obtemos. Pomos o trabalho no centro de tudo e olhamos o sucesso muito do ponto de vista da carreira, geralmente por comparação com os outros. O designer Philippe Starck, por exemplo, diz no livro que para muita gente ter sucesso é superiorizar-nos aos outros, ao invés de querermos ser uma versão melhor de nós próprios a cada dia que passa.
Para mim, o sucesso não é a casa, o carro ou o dinheiro que temos no banco. É ter liberdade para continuar a escrever e pessoas que se interessem pelos meus livros. É amar e ser amado. É poder abraçar a minha família e os meus amigos e ser presente na vida deles. É tentar ter uma vida serena, mas plena e com significado. É encontrar felicidade nas pequenas coisas. Nisso, gosto de acreditar que tenho algum sucesso.
O prefácio é escrito por Rui Miguel Nabeiro, CEO da Delta e neto de um entrevistado a quem não conseguiu chegar porque, infelizmente, faleceu antes. Pode contar essa história e por que queria tanto entrevistá-lo?
A primeira e única vez que entrevistei o Rui Nabeiro, o Senhor Rui, foi há 14 anos. Entrevistei-o a ele e ao alpinista João Garcia para o Expresso, a propósito do livro '10 Passos Para Chegar ao Topo - Todo o Empreendedor Tem o Seu Evereste', escrito pelos dois. Gosto de dizer que o Rui Nabeiro devia ser imortal. Construiu um império e deixou-nos um legado de liderança, de humildade, de humanidade. De quem liderava pelo exemplo, sem necessidade de se impor. Todas as pessoas só tinham palavras boas para dizer sobre dele. Há lá herança melhor do que essa?
Por isso, quando decidi escrever este livro o nome dele estava no topo da lista de personalidades que queria retratar. Ele aceitou a entrevista, mas, tragicamente, morreu antes de agendarmos a nossa conversa. Dedicar-lhe o livro e convidar o neto, CEO da Delta, para escrever o prefácio foi a forma que encontrei para que a sua presença se fizesse sentir no livro.
O Jorge Jesus costumava dizer que o “fair play é uma treta” e a ideia da meritocracia também é uma treta.
Ao contrário de Rui Nabeiro, praticamente todas as pessoas entrevistadas para o seu livro vêm de um contexto de algum privilégio. Consideramos que há muito mérito nas suas conquistas mas, na verdade, a vida foi-lhes muito facilitada pelo contexto familiar ou financeiro de onde advêm. Assim sendo, este livro pretende inspirar quem? O que tem a dizer sobre a questão da meritocracia, tema tão discutido nos dias de hoje?
Convém notar que o Rui Nabeiro, mesmo vindo de uma família humilde e de ter começado a trabalhar com 12 anos, vem de uma família que já tinha uma pequena torrefação familiar, negócio que ele assumiu aos 17 anos, depois da morte do pai. Fez crescer a empresa, constituiu depois uma sociedade com os tios, que acabaria por abandonar para fundar a Delta.
O Jorge Jesus costumava dizer que o “fair play é uma treta” e a ideia da meritocracia também é uma treta. Se imaginarmos a corrida para o sucesso como uma maratona, há pessoas que já vão muito à frente, começaram a corrida no quilómetro 20. O livro evidencia essa realidade: muitas das personalidades retratadas cresceram em contextos de algum privilégio: os pais tinham boas carreiras, em alguns casos puderam ajudá-los a montar os negócios. Isso não tira mérito às suas conquistas, porque ninguém chega ao topo da sua área sem muito trabalho, disciplina e compromisso, mas é bastante provável que a vida deles tivesse sido muito diferente se tivessem crescido num bairro social.
Respondendo à sua outra pergunta (este livro pretende inspirar quem?), nunca coloquei a questão nesses termos: o livro pretende contar uma boa história ou, neste caso, 12 boas histórias. Mas acredito que possa inspirar, por exemplo, muitos jovens que não têm ainda a certeza sobre qual o percurso que querem seguir. Se há coisa que estes testemunhos nos mostram é que há muitos caminhos para o sucesso e nem sempre são os mais evidentes. E que podemos errar ou mudar de rota, sem que isso tenha de esmagar os nossos sonhos. Ao mesmo tempo, acredito que todas as pessoas que queiram ter sucesso nas suas vidas profissionais ou nos seus negócios encontrarão neste livro importantes lições para que, como diz o Prof. João Duque o posfácio do livro, não tenham de aprender tudo sozinhas. Até porque, como facilmente se percebe nestes testemunhos, ninguém chega ao topo sozinho.
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Qual foi o critério para selecionar estes 12 entrevistados? Há nomes que ficaram ‘de fora’ e que motivem um segundo livro?
Há seguramente muitos nomes que poderiam motivar um segundo livro, mas não estou, para já, a pensar nele. No próximo ano, quero publicar o terceiro volume da coleção 'Chefs Sem Reservas' e creio que depois me atirarei a um registo mais histórico, se outra estória não se atravessar no caminho e me alterar a rota. Em relação à escolha dos entrevistados, quis que ela pudesse demonstrar diferentes realidades: por isso temos empresários e gestores de áreas tão diferentes como a hotelaria, a restauração, as telecomunicações, a edição de livros ou a beleza, mas também um designer (Philippe Starck), um arquiteto (Renzo Piano) e até um advogado (Nuno Galvão Teles).
Trabalhares naquilo que te apaixona é, ao mesmo tempo, benção e maldição. Vais trabalhar demasiado, muitas vezes sem te aperceberes disso, vais pôr tudo o resto em segundo plano, e a fatura acaba sempre por chegar.
Foi jornalista durante mais de duas décadas, mas deixou a carreira para se dedicar aos livros. Continua a contar histórias mas, agora, com mais liberdade. O que motivou essa saída?
Creio que se criou a 'tempestade perfeita' para perceber que tinha chegado a hora de me dedicar em exclusivo aos livros. O jornalismo foi o meu primeiro grande amor e vivemos uma paixão arrebatadora durante mais de 20 anos. Dei-lhe tudo o que tinha e recebi dele mais do que podia imaginar: publiquei centenas de reportagens e artigos, visitei quase uma vintena de países, entrevistei algumas das pessoas mais talentosas do mundo, revelei um escândalo de assédio sexual envolvendo o ex-presidente da FIFA Sepp Blatter, cobri as eleições que levaram Bolsonaro ao poder no Brasil, venci inúmeros prémios de jornalismo… Na minha biografia na página do Expresso cito Confúcio: "Escolhe um trabalho de que gostes e não terás de trabalhar um dia na vida". Era muito ingénuo quando a escrevi, porque trabalhares naquilo que te apaixona é, ao mesmo tempo, benção e maldição. Vais trabalhar demasiado, muitas vezes sem te aperceberes disso, vais pôr tudo o resto em segundo plano, e a fatura acaba sempre por chegar. No meu caso, chegou sob a forma de ataques de pânico, que, coincidentemente ou não, comecei a ter depois de ter vivido de perto os ataques terroristas em Paris, em Novembro de 2015.
A pandemia de Covid-19 teve o condão de me relembrar que a vida é muito curta. Pedi uma licença de vencimento para escrever o que foi então o meu terceiro livro, 'Os Homens Também Choram', e foi nesse processo em que, pela primeira vez na minha vida, me dediquei apenas a escrever um livro, percebi que era isso que queria fazer. Queria ter tempo e espaço para contar uma história como ela merece ser contada, algo que no jornalismo de hoje é cada vez mais difícil. Queria também ter mais tempo para mim, não apenas para viver melhor esta vida que é tão curta, mas porque quando queremos criar e construir algo precisamos de tempo. A ideia de viver na rodinha do hamster, fazendo sempre a mesma coisa, tornou-se insuportável. Pode dizer-se que encontrei nos livros um amor mais maduro, mais pleno, mais feliz.
Não é admissível que quem precise de uma consulta de psicologia num centro de saúde tenha de esperar seis meses, na melhor das hipóteses.
A pandemia trouxe o tema da saúde mental para a ribalta mas, dois anos depois, há mudanças que se sintam?
Há ainda muito por fazer, seja a nível público, seja no mundo das empresas, seja na forma como encaramos a saúde mental. Há pessoas que me dizem que não têm dinheiro para ir ao psicólogo, mas depois gastam milhares de euros em procedimentos meramente estéticos. Somos uma sociedade que vive obcecada com a imagem. Estamos mais preocupados em cuidar do exterior, não percebendo que cuidar de nós começa por olharmos para dentro e cuidarmos do nosso bem-estar emocional. Se enfrentarmos as nossas inseguranças e as nossas fragilidades, talvez não precisemos de tantos retoques estéticos.
Ao mesmo tempo, estamos hoje a pagar a negligência de sucessivos governos relativamente à saúde mental. Não é admissível que quem precise de uma consulta de psicologia num centro de saúde tenha de esperar seis meses, na melhor das hipóteses. Ao mesmo tempo, a cobertura para saúde mental nos seguros de saúde continua limitada, em especial no caso das consultas de psicologia. Finalmente, creio que também as empresas poderiam fazer mais. Há muitas empresas onde existe praticamente “uma cultura de burnout”, com trabalhadores cada vez mais exaustos, a trabalhar demasiadas horas. Há empresas que oferecem aos seus trabalhadores consultas de medicina geral, mas que poderiam - e deveriam - incluir também consultas de saúde mental. Ou seja, a saúde mental entrou no discurso, mas as ações ainda não refletem essa preocupação. Levará o seu tempo, mas é uma revolução inevitável.
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